Omissão do Estado

Alckmin tem 150 dias para transferir presos em SP

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18 de abril de 2011, 12h47

O governo paulista tem prazo de cinco meses para transferir todos os presos condenados das cadeias públicas, dos Distritos Policiais e das Delegacias Especializadas da Capital. Os detentos deverão ir para estabelecimentos prisionais do Estado ou da União. No caso de não cumprir a determinação, o governo de São Paulo pagará multa diária de R$ 200 mil até o limite de R$ 3 milhões. O Ministério Público terá de acompanhar a plena execução da decisão, sob pena de responsabilidade. A decisão, por maioria de votos, é da 3ª Câmara de Direito Público.

A turma julgadora destacou que o Judiciário paulista perdeu a paciência com o desleixo e a “falta de educação” das autoridades responsáveis pela política penitenciária do Estado, diante de inúmeras decisões no mesmo sentido que não são cumpridas pelo Executivo. A 3ª Câmara de Direito Público encaminhou ao chefe do Ministério Público cópias de parte do processo para que o procurador-geral de Justiça, Fernando Grella, tome providências para a apuração de eventuais crimes de desobediência (artigo 330 do Código Penal), de prevaricação (artigo 319 do Código Penal).

“Respeito, dignidade humana e condições de ressocialização aos presos são obrigações do Estado e dever do Judiciário exigir a efetivação desses direitos”, afirmou o desembargador Marrey Uint. “Em casos análogos sobre remoção de presos, limitação do número de encarcerados e interdição de estabelecimentos prisionais já decidiu reiteradas vezes o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo”, completou o relator do recurso.

De acordo com o desembargador Marrey Uint, por pelo menos duas vezes o secretário da Administração Penitenciária foi oficiado para dar informações sobre a situação dos presos em delegacia. “Contudo, não houve qualquer resposta, em flagrante demonstração de, por dizer o menos, de falta de educação”, disse Marrey Uint. A Secretaria está calada há quase cinco anos, desde 2006. “Entretanto, a omissão necessita ser apurada diante das figuras típicas da desobediência e da prevaricação”, determinou o relator dando essa incumbência ao chefe do Ministério Público paulista.

A decisão do Tribunal de Justiça foi provocada por ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público contra a Fazenda Pública do Estado de São Paulo. O MP pede a proibição do recolhimento e da custódia de presos definitivamente condenados nas cadeias, distritos policiais e delegacias especializadas da Capital. A ação reclama ainda a imediata remoção dos que se encontrem nessa situação para estabelecimentos prisionais adequados da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária.

Segundo Marrey Uint, é farta a prova de que as cadeias apresentam inúmeras irregularidades, precárias e aviltantes condições físicas, de segurança, salubridade e superlotação. O relator disse que mesmo que as informaçõpes não sejam recentes, não se tem notícia que tal situação tenha se alterado. “O excesso de presos e as condições desumanas envergonham o Estado de São Paulo, máquina motriz da economia do Brasil, com a terceira maior cidade do mundo”, destacou o relator.

A turma julgadora alertou que a decisão judicial tomada por ela não se trata de desrespeito ao princípio da separação dos poderes ou da discricionariedade administrativa. “Por meio da Constituição Federal foi atribuído ao Judiciário o poder de corregedor das atividades relativas à custódia de presos maiores e menores. Portanto, não há de se falar em discricionariedade e autonomia, mas sim, de atividade vinculada e regrada por diversos diplomas legais”, destacou.

O relator destacou o argumento apresentado pela defesa do governo paulista de que está em andamento processo de desapropriação de área para a construção de novos estabelecimentos carcerários. Contudo, acrescentou Marrey Uint, a construção pode levar anos e as pessoas que estão sob a custódia do estatal não têm esse tempo, e a tutela deve ser imediata.

“Não se desconhece que o Poder Executivo tem tomado providências para adequar o sistema penitenciário”, disse o relator. Segundo ele, a desativação do "complexo do Carandiru", criando-se novos estabelecimentos prisionais é um dado positivo, ainda que insuficiente. “No mais, a apelada traz estatística sobre o crescimento da população carcerária no Brasil e a dificuldade de se equacionar o elevado contingente de presos. Esse argumento não justifica, de forma alguma, a manutenção de seres humanos em condições subumanas e degradantes”.

Segundo a turma julgadora, o Estado deve adiantar-se aos fatos para que o caos não se instale no sistema penitenciário brasileiro. “Se existe a estatística da população carcerária, o Estado sabe qual será ela nos próximos 10, 15 ou 20 anos, devendo adiantar-se a esse evento, e não aguardar a hipertrofia do sistema, banalizando as instituições democráticas”, completou Marrey Uint.

Meta zero
O relator Marrey Uint lembrou discurso do então presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Gilmar Mendes, que no ano passado, durante Encontro Nacional do Judiciário, em São Paulo, conclamou juízes, desembargadores e representantes do Ministério Público para darem sua colaboração na política da meta zero de presos em delegacias. No encontro, o ministro informou que o CNJ estava articulando, em parceria com o Ministério da Justiça e os governos estaduais, o esvaziamento das prisões em delegacias.

De acordo com dados do CNJ, o país teria 56.514 presos em delegacias. Os campeões no ranking são o Paraná, com 15.274; Minas Gerais, com 11.3261; São Paulo, com 9.400 e a Bahia, com 6.069. “Preso em delegacia é sinônimo de superlotação, tortura, fuga e resgate e repercute diretamente na segurança pública”, afirmou o juiz Erivaldo Ribeiro dos Santos, que auxilia a presidência do CNJ.

O magistrado revelou que o país tem 473.626 presos, sendo 264.500 condenados e 209.126 provisórios. O estado com maior concentração de presos é São Paulo, com 163.915, seguido de Minas Gerais, 46.447, e Paraná, com 37.440. Já o estado com a maior taxa de encarceramento é o Acre, com 496 presos para cada 100 mil habitantes, seguido de Rondônia (465) e Mato Grosso do Sul (459).

Voto divergente
O desembargador Leonel Costa votou em sentido contrário ao da maioria da turma julgadora. Para ele, haveria impossibilidade jurídica do pedido e carência da ação. De acordo com o desembargador, a pretensão do Ministério Público, se acolhida, implicaria em execução e incidentes típicos de execução penal e, portanto, de violação da competência jurisdicional. No entendimento de Leonel Costa, a matéria em debate da Câmara de Direito Público é de competência privativa do juiz especial da execução penal.

“Reafirma-se que os problemas relativos à superlotação de cadeias e da desconformidade do estabelecimento penal ao padrão desenhado na lei conduzem à solução judicial exclusiva da competência do Juízo da Execução Criminal e dos órgãos recursais e das Seções ou Turmas dos Tribunais próprias de competência da execução penal”, defendeu o desembargador Leonel Costa.

O desembargador lembrou de decisão recente do STJ que num caso de manutenção de presos provisórios em contêiners de metal no Espírito Santo, no Centro de Detenção Provisória de Cariacica, a turma julgadora decidiu pela concessão de ordem de Habeas Corpus para substituir a prisão por prisão domiciliar.

“A transferência de preso para outra comarca, a interdição de cadeia (parcial ou total, permanente ou temporária), a fiscalização do estabelecimento penal e de suas condições, são de competência do juízo especializado, a quem compete processar e julgar o procedimento instaurado, a requerimento de interessado ou Ministério Público”, afirmou Leonel Costa.

Segundo o desembargador, se há preso provisório em penitenciária e há preso não-provisório em cadeia pública e se estes estabelecimentos não estão em condições que atendam à lei ou se os direitos dos presos não estão sendo observados, o Estado conta com instrumentos para a correção de situações ilegais. Para isso, pode se valer da advocacia, da Defensoria Pública, da Procuradoria e do próprio Ministério Público.

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