Amplo acesso

PEC dos Recursos compromete Estado Democrático

Autor

  • Clovis Brasil Pereira

    é advogado especialista em Direito Processual Civil mestre em Direito professor da Escola Superior da Advocacia de São Paulo coordenador e editor do site www.prolegis.com.br.

13 de abril de 2011, 18h06

Vários princípios constitucionais, contidos na Constituição Federal, alicerçam o Estado Democrático de Direito e garantem o amplo acesso ao Poder Judiciário, na busca dos fundamentos maiores referidos na carta magna, quais sejam, a dignidade humana e a cidadania.

Por sua vez, o Código de Processo Civil vigente, prescreve os recursos cabíveis, considerando a natureza das decisões judiciais, e os pressupostos intrínsecos e extrínsecos que devem ser preenchidos pelos recorrentes.

Dentre os recursos previstos no artigo 496, do CPC, temos os recursos especial e extraordinário, que podem ser interpostos junto ao STJ e ao STF, respectivamente, e cuja competência está explicito nos artigos 105, inciso III, e 102, inciso III, da Constituição Federal, sendo que tais recursos, cabem também nas demais esferas do direito.

O recebimento e processamento de tais recursos, com as constantes reformas processuais ocorridas, tem sido dificultados sobremaneira, notadamente com os novos pressupostos de admissibilidade dos recursos, ou seja, comprovação de repercussão geral, para o extraordinário, e o sobrestamento de recursos repetitivos, para o recurso especial.

Por sua vez, ambos os recursos admitem apenas efeito devolutivo, cabendo a atribuição de efeito suspensivo, em situações excepcionais, por via de medida cautelar, prevista nos regimentos internos dos respectivos tribunais.

Pela legislação vigente, na hipótese da interposição de recurso especial ou extraordinário, e sendo estes recebidos apenas no efeito devolutivo, em princípio, cabe a execução provisória do julgado, não ensejando nesta fase, os atos de execução definitiva, uma vez que a decisão não recebe o trânsito em julgado.

A morosidade da Justiça
Muito tem se discutido entre os operadores do direito, e no seio da sociedade brasileira, a respeito da morosidade de justiça, e nos efeitos maléficos da má qualidade da prestação jurisdicional.

Em decorrência dessa preocupação e na busca de resultados concretos, muitas alterações foram realizadas nos últimos anos na legislação processual. Foi instituída ainda a chamada Reforma do Judiciário, por meio da Emenda Constitucional 45, de 2004, e teve início ao estudo para implantação de novos códigos de processo civil e penal, na tentativa de se buscar maior celeridade, melhor qualidade da justiça, o que é salutar, deve ser buscado, sem que se percam de vista, os princípios constitucionais que garantem o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, dentre outros, princípios estes basilares do Estado Democrático de Direito garantido na Constituição Federal.

Em análise mais apressada, alguns formadores de opinião, encontraram, ao nosso ver, de foram simplista, o maior vilão por tal morosidade, os advogados, acusados de se utilizarem de recursos desnecessários e protelatórios.

A conclusão simplista é que os recursos são causadores da lentidão da justiça,e os advogados, são os culpados pela morosidade, por se utilizarem do referidos recursos.

Confunde-se, quiçá até de forma proposital, que a pronta resposta aos pleitos submetidos ao Poder Judiciário, não pode ser feita sem ampla cognição, sem oportunidade da robusta produção de provas, e sem apreciação das peculiaridades do litígio, em todas as instâncias da jurisdição. Ademais, se os recursos são previstos na legislação constitucional ou infraconstitucional, é dever, e não mera faculdade do advogado, exercitá-los, na sua plenitude, em favor do jurisdicionado que recebe seu patrocínio.

A PEC dos Recursos
Dentre todas as alterações propostas e em discussão, para buscar a agilização no julgamento das demandas judiciais, uma está chamando particular atenção. Recentemente, o Ministro Cezar Peluso, Presidente do Supremo Tribunal Federal, a quem cabe, em última instância, a guarda da Constituição, lançou o projeto de uma nova Emenda Constitucional, batizada de “PEC dos Recursos”, e que tem como propósito final, alterar o texto constitucional, acrescentando-lhe dois novos artigos, com a seguinte proposta de redação:

Art. 105-A A admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte.

Parágrafo único. A nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos, podendo o Relator, se for o caso, pedir preferência no julgamento.

Art. 105-B Cabe recurso ordinário, com efeito devolutivo e suspensivo, no prazo de quinze (15) dias, da decisão que, com ou sem julgamento de mérito, extinga processo de competência originária:

I – de Tribunal local, para o Tribunal Superior competente;

II – de Tribunal Superior, para o Supremo Tribunal Federal.

A proposta de acréscimo do artigo 105-A, por certo trouxe inquietação aos operadores do direito, particularmente aos advogados, e por certo terá consequências preocupantes aos jurisdicionados em geral, uma vez que se vitoriosa a proposta do Ministro Cezar Peluso, incidirá diretamente nas demandas cíveis, trabalhistas, penais, tributárias, etc.

Os efeitos imediatos do trânsito em julgado
Na prática, pela proposta, o trânsito em julgado das decisões judiciais, será alcançado nos Tribunais Estaduais ou Federais, no âmbito de suas competências, podendo ser exigido o cumprimento das sentenças, independentemente da existência de recursos especial ou extraordinário junto aos Tribunais Superiores.

Significa dizer, por exemplo, que no âmbito cível ou penal, uma sentença judicial, confirmada ou reformada pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, poderá ser de pronto cumprida.

Assim, uma penhora de imóvel residencial, ou bens móveis que guarnecem o lar, que tenham a proteção da impenhorabilidade, à luz da Lei 8.009/90, não reconhecida no âmbito do Tribunal de Justiça, poderá ser levado à praceamento ou leilão e vendido à terceiro, ou mesmo adjudicado, sem que o devedor, protegido pela legislação própria, tenha direito à aguardar o julgamento de recurso especial ou extraordinário eventualmente interposto.

Numa execução fiscal, onde se discuta a exigibilidade ou não de um determinado tributo, vencida a discussão no âmbito do Tribunal, na segunda instância, com o trânsito em julgado da sentença, e ante a possibilidade de seu cumprimento, por certo o executado terá que pagar o valor sob execução, mesmo que os tribunais superiores revejam, no futuro, a decisão proferida.

No âmbito penal, por certo, a proposta ainda gera maior preocupação, pois se eventualmente, um cidadão for condenado à prisão, e no futuro, o STJ ou STF, vier a invalidar tal condenação, o acusado já terá provavelmente, cumprido, de forma injusta, a pena de prisão que lhe fora imposta.

Ofensas ao devido processo legal e à ampla defesa
Essa iniciativa do Presidente do Supremo Tribunal Federal, que na prática altera a conceituação de coisa julgada, que na atualidade ocorre quando não existe mais recurso pendente, por certo, atenta contra o direito ao devido processo legal e à ampla defesa, e colocará em risco a segurança jurídica que deve nortear toda a prestação jurisdicional.

Ainda vale destacar os vários questionamentos que poderão ser feitos, quanto aos efeitos que poderão decorrer da aplicação da Emenda Constitucional proposta, se vier a ser endossada pelo Poder Legislativo, tais como: Qual a solução a ser adotada para os casos em que os recursos especial e extraordinário venham a receber provimento? Se a decisão condenatória vier a ser reformada pelos Tribunais Superiores, e o sentenciado já tenha cumprido totalmente ou parcialmente a pena? Caberá uma mera indenização do Estado, e ainda mais, esta será suficiente para aplacar a mácula de uma condenação injusta? E a situação do devedor que tiver que pagar dívida, que no futuro possa ser considerada arbitrária, ilegal ou indevida?

Essas são questões que por certo deverão estar da agenda de discussões da nova PEC proposta.

Talvez se a preocupação do Presidente do Supremo Tribunal Federal, se voltasse para arrumar a própria casa, dando um verdadeiro choque de gestão no Poder Judiciário, com mudança de cultura e de hábitos obsoletos de administração, equipando-o com meios matérias e humanos mais adequados, dando a possibilidade de treinamento dos seus servidores, proporcionando instalações adequadas, dentre outras medidas, se pudesse buscar a decantada agilidade da justiça, sem comprometer a qualidade da prestação jurisdicional, e arranhar princípios constitucionais basilares, próprios dos países democráticos.

Por certo, a comunidade jurídica em particular, e a sociedade brasileira, como um todo, devem ficar vigilantes para as propostas mirabolantes, como parece ser esta do Ministro Cesar Peluso, que no escopo de acabar com a morosidade da justiça, acaba por comprometer a essência do Estado Democrático de Direito, cuja preservação deve ser buscado com obstinação por todos os brasileiros, operadores do direito ou não.

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    é advogado, especialista em Direito Processual Civil, mestre em Direito, professor da Escola Superior da Advocacia de São Paulo, coordenador e editor do site www.prolegis.com.br.

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