Cobrança por danos

Ex-procurador quer indenização por prisão de 21 dias

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12 de abril de 2011, 10h20

O ex-procurador da Fazenda Nacional, Glenio Sabbad Guedes, decidiu cobrar na Justiça indenizações por danos materiais e morais pelo período em que esteve preso, por ordem judicial, durante 21 dias, a partir de 25 de novembro passado. Réu em dois processos criminais sob a acusação de negociar pareceres no Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN) conhecido como "Conselhinho” e pagar propinas a policiais federais para paralisarem investigações contra ele e seus amigos, ele resolveu bater na porta do Judiciário.

A conta pelos danos morais e materiais não está sendo apresentada à União. Em dois processos judiciais, na 1ª e na 17ª Varas Cíveis Federais do Rio, ele está cobrando duas pessoas físicas: o procurador da República Marcelo Figueiredo Freire, autor da denúncia que resultou no mandado de prisão expedido pela 1ª Vara Federal Criminal, e o delegado federal Elmiz Antônio Rocha Júnior, um dos participantes das investigações do caso.

Curiosamente, o ex-procurador da Fazenda não queria que a cobrança viesse a público. Ele abre o pedido ao juiz requerendo que o caso seja mantido em sigilo "em face do procedimento citado nesta ação já estar sob segredo de justiça e envolver dados de terceiros". O processo de indenização tramita normalmente, sem segredo de Justiça decretado. O juiz Rosa de Araújo só permitiu o acesso da revista Consultor Jurídico à inicial após consultar o então corregedor do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Sergio Schwaitzer, que antes de deixar o cargo, na quinta-feira (7/4), devolveu a consulta para decisão do próprio juiz.

Guedes foi preso durante a Operação Haloween, em novembro passado, quando uma investigação do setor de Contra-Inteligência do Departamento de Polícia Federal (DPF) e da Procuradoria da República desvendou um esquema de corrupção que funcionava na Delegacia Fazendária da Superintendência Regional do DPF no Rio de Janeiro (SR-DPF/RJ). Por meio de escutas telefônicas autorizadas judicialmente e de um detalhado esquema de acompanhamento dos suspeitos, a operação desvendou três grupos atuando na mesma delegacia: um deles negociava com donos de caça níqueis e máquinas de jogos propinas para evitar a repressão a este tipo de exploração de jogo. O segundo esquema estava ligado à corrupção no combate à fraude de combustíveis.

Na terceira ponta estavam os agentes federais Sérgio Retto e Carlos Alberto Rodrigues dos Santos acusados de terem se deixado corromper por Guedes, por meio do servidor da Receita Federal Jorge Alves Ferreira, para paralisar não apenas o inquérito contra o ex-procurador, mas também uma investigação contra o colega dele, Ricardo Villas Boas Cueva, atualmente licenciado da Procuradoria da Fazenda por ter tido seu nome indicado pela OAB e escolhido pelo Plenário do Superior Tribunal de Justiça para compor lista tríplice encaminhada à presidência da República.

A investigação contra Guedes era o inquérito que apurava a possível venda de pareceres no "Conselinho". Segundo a denúncia, ele fazia isso em comum acordo com o publicitário mineiro Marcos Valério Fernandes de Souza — o mesmo que foi acusado no Supremo Tribunal Federal por participação no mensalão. O caso ficou anos parado na Polícia até ser requisitado pelo Ministério Público Federal que, com peças dos processos administrativos da Procuradoria da Fazenda contra Guedes — os mesmos que resultaram na sua demissão —, conseguiu juntar o material probatório necessário para denunciá-los pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

Ferreira, servidor da Receita, segundo a Polícia, intermediou a negociação entre Guedes e os agentes federais para interromper as investigações. No relatório feito pelo setor de Contra-inteligência há fotos dos dois agentes guardando pacotes de dinheiro logo após terem se encontrado com Ferreira no prédio do antigo Ministério da Fazenda, no centro do Rio. Também foram fotografados os encontros entre o servidor da Receita e Guedes em uma pizzaria na zona sul da cidade. O trabalho da Polícia interceptou, ainda, conversas telefônicas entre os acusados.

Nas ações movidas contra o delegado federal (2011.51.01.002431-8) e o procurador da República (2011.51.01.002429-0), Guedes diz que foi preso "em sua residência, acordado truculentamente pela Polícia Federal, às seis horas da manhã". Segundo ele, "desarrumaram todo o apartamento, sem achar nada do que buscavam". Ele reclama que só depois de feita a busca na sua casa é que foram ler os mandados expedidos pelo Juízo. Protesta, ainda, por a Polícia ter feito busca também em seu escritório, sem a presença de representante da OAB.

Em seguida, como se constata na inicial do processo, ele acusa Freire e Elmiz de o terem "inserido, arbitrariamente, na dita Operação Haloween voltada ao combate a fraude de combustíveis, bingo e caça-níquel, coisas que jamais trabalhou, ou de alguém da área fora advogado".

Em sua defesa, diz que: "a) nunca fez parte de bingo, caça-níquel ou fraude de combustível e b) está sendo processado pela acusação de que propinara dos agentes da PF para interferir em três inquéritos de seu interesse na Polícia Federal (inserem-no em algo que nunca fez parte, para depois processá-lo por algo que jamais fez)". Garante, ainda, que "jamais vira esses policiais antes ou estivera reunido com eles; não há, nos autos, na representação do reú, uma prova sequer de pagamento por parte do autor aos ditos policiais; não há nos autos uma prova sequer de ato de ofício, praticado, omitido ou retardado por parte dos ditos agentes" (…) "não há, nos grampos levantados, uma menção sequer ao fato do qual é acusado, ou sequer há foto do autor pagando, ou mandando pagar; nem há prova de ter havido a tal determinação! Em suma, não há prova de nada! O réu, em representação por si subscrita, numa prova inequívoca de pura perseguição, inseriu-o na dita operação, para, com isto, sensibilizar a juíza da 1ª Vara a conceder-lhe o que pedira".

O pedido de indenização é justificado com o seguinte argumento: "o fato é que foi o autor detido, por 21 dias, em Bangu 8, com notícia em jornal, em uma prisão preventiva totalmente infundada, sem a mínima cautelaridade" (sic). Cita, ainda, um parecer do procurador regional da República, Mario Ferreira Leite, "em que ele, além de chamar este processo de pura ficção, ainda diz tratar-se tudo de mera ilação".

Reclama, por fim, do dano moral, "pois pedir que se encarcere o autor, de forma ilegal, sem estar condenado — e sem prova alguma de que, solto, ameaçaria alguém ou alguma coisa é de uma violência jurídica sem tamanho. Arranhou sua imagem, sua autoimagem, e a que tem perante seus clientes. Trata-se de fato ignominoso". Para ele, "independentemente de o juízo ter emitido os mandados, o fato é que o réu representou de forma totalmente leviana, imputando fato falso ao autor, e inserindo-o numa operação de que nunca fez parte".

Sobre o dano material argumenta que tem gastos com advogados, que mesmo sendo de sua família, trabalharam e trabalham para defendê-lo, várias vezes indo a Bangu 8 com despesas de combustível e de cópias do processo. Admite, ainda, eventuais rescisões de contrato dos clientes com o autor ou de aluguéis em virtude dos fatos narrados.

No pedido, o ex-procurador não cita que seu defensor, Égler Sabadd Guedes Barbosa, seu sobrinho, recorreu a duas instâncias diferentes — TRF-2 e STJ — para obter seu Habeas Corpus, sem êxito. No Superior Tribunal de Justiça, a liminar foi indeferida pelo presidente da corte, Ari Pargendler, sob a justificativa de que a prisão foi devidamente fundamentada. A liberdade de Guedes acabou concedida pela primeira instância — na qual seu processo corre em segredo de Justiça por conta das transcrições de conversas telefônicas —, depois que alguns dos outros presos conseguiram liberdade em outros HCs.

O pedido de indenização contra o delegado não prosperou. Por entender que o fórum federal não é o adequado para ações de responsabilidade civil em busca de indenizações por danos materiais e morais, o juiz da 17ª Vara, Eugênio Rosa de Araújo, indeferiu a inicial e extinguiu o feito, respaldado no entendimento firmado pelo STJ — "quando a inicial descreve causa de pedir imprópria para ser apreciada na jurisdição escolhida, o juiz deve decidir a carência de ação, não sendo caso de declinar a competência".

Anteriormente, ele decidiu redistribuir a ação movida contra o procurador da República — inicialmente distribuíra por dependência ao processo contra o delegado, o primeiro a ser impetrado. O caso foi para a 1ª Vara Federal. O juiz Raffaele Felice Pirro ainda não se manifestou no processo, que se encontra concluso desde 15 de março.

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