Efeito ricochete

STJ firma jurisprudência sobre dano moral indireto

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10 de abril de 2011, 14h12

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem firmado entendimento que familiares podem receber indenização por dano moral devido ao sofrimento com a morte de um parente próximo. Trata-se de dano moral reflexo ou indireto, também denominado dano moral por ricochete.

A discussão gira em torno, principalmente, da legitimidade para pleitear a indenização, em virtude da ausência de dano direto ou da comprovação de dependência econômica. Em 2010, dois julgamentos sobre pedidos de reparação feitos por parentes ou pessoas que mantinham forte vínculo afetivo com a vítima resgataram esse debate. Porém, desde 1999 o assunto figura em decisões do tribunal. As doutrinas francesa e alemã também admitem a existência de danos reflexos.

O caso mais recente trata de uma ação de indenização por danos morais ajuizada pelos pais de uma menina atropelada em Belo Horizonte. O motorista havia sido condenado em primeira instância a pagar R$ 20 mil por danos morais. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas, porém, o réu questionou a legitimidade dos pais para pleitear a indenização no STJ.

A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, argumentou que, “embora o ato tenha sido praticado diretamente contra determinada pessoa, seus efeitos acabam por atingir, indiretamente, a integridade moral de terceiros. É o chamado dano moral por ricochete ou préjudice d’affection, cuja reparação constitui direito personalíssimo e autônomo dos referidos autores”.

A ministra recorreu ao jurista Caio Mário da Silva Pereira, que afirma que as pessoas prejudicadas pelo ato danoso têm legitimidade ativa para a ação indenizatória. “Pessoa que não pode evidenciar dano direto pode, contudo, arguir que o fato danoso nela reflete e, assim, adquire legitimidade para a ação, com exclusividade ou cumulativamente com o prejudicado direto, ou em condições de assistente litisconsorcial”, diz Pereira no livro Responsabilidade Civil.

Dependência econômica
Em julgamento de 1999, o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, já aposentado, afastou a necessidade de dependência econômica entre a vítima e aquele que postula compensação pelo prejuízo. A decisão do ministro é destacada até hoje em julgamentos de danos morais por ricochete.

No caso, uma adolescente de 14 anos morreu depois que o ônibus escolar em que estava tombou ao fazer uma curva com velocidade inadequada. A mãe e dois irmãos menores de idade ajuizaram ação de indenização contra a empresa de ônibus, pedindo R$ 10 milhões a títulos de danos morais, além de pensão mensal de cinco salários mínimos para cada um até a data em que a vítima completaria 65 anos.

A sentença extinguiu o processo em relação aos irmãos e julgou parcialmente procedente o pedido de indenização da mãe. Com isso, a empresa foi condenada ao pagar 300 salários mínimos por dano moral, bem como pensão mensal no valor de dois terços do salário mínimo, a contar da data da morte da adolescente até o dia em que a vítima viesse a completar 65 anos de idade.

Os irmãos apelaram, assim como a empresa de ônibus, que questionava o valor da condenação. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal reduziu o valor dos danos morais para 200 salários mínimos e alterou o termo final da pensão mensal para a data em que a menina completaria 25 anos. O TJ-DF entendeu que não seriam devidos danos materiais no caso concreto, porque a vítima não exercia atividade remunerada. Quanto aos irmãos, o tribunal concluiu que faltaria legitimidade ativa por não haver reciprocidade na prestação de alimentos entre irmãos.

O Ministério Público no Distrito Federal interpôs Recurso Especial, alegando que os irmãos teriam legitimidade para, pelo menos, pleitear a condenação da ré por danos morais. O ministro Sálvio explicou que a indenização por dano moral não tem cunho patrimonial, ou seja, não visa ao reembolso de eventual despesa ou a indenização por lucros cessantes.

“Irrelevante, portanto, se havia ou não, ou se haveria ou não futuramente, dependência econômica entre os irmãos. O que interessa, para a indenização por dano moral, é verificar se os postulantes da pretensão sofreram intimamente o acontecimento”, concluiu o ministro. “Assim não fosse, os pais também não poderiam pleitear a indenização por dano moral decorrente da morte de filho que não exercesse atividade remunerada, nem pessoa rica teria legitimidade, e assim por diante”, completou.

O STJ considerou os irmãos como parte legítima para pedir a reparação e arbitrou a indenização por dano moral em 200 salários mínimos, a ser dividido entre os menores.

Bala perdida
O dano moral por ricochete também ocorre quando a vítima sobrevive ao efeito danoso. Em maio de 2003, uma estudante do curso de Enfermagem da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, foi alvejada por uma bala perdida dentro da instituição de ensino. Ela sofreu politraumatismo com fratura de mandíbula, perda de substância e trauma raqui-medular cervical, ficando tetraplégica.

Consta do processo que, no dia do fato, a instituição teria sido advertida sobre determinação de traficantes de drogas instalados em região próxima ao campus, cujo objetivo seria a paralisação das atividades comerciais da área. Os pais, irmãos e a própria estudante moveram ação de indenização por danos materiais, morais e estéticos contra a universidade. Em decisão antecipatória, a Justiça determinou que a instituição mantivesse o custeio do tratamento médico da vítima, fixando-se multa diária de dez salários mínimos em caso de descumprimento.

A sentença concluiu que o disparo partiu do Morro do Turano, sendo previsível a ocorrência do evento, restando demonstrada que a universidade sabia da necessidade de adoção de medidas de segurança. Foi fixado pensão mensal de um salário mínimo à estudante, com o acréscimo de 13º salário, FGTS e gratificação de férias, além da inclusão dela na folha de pagamento da instituição desde a data do evento até a data limite de 65 anos de idade completos.

Também foi determinado pagamento de R$ 400 mil de indenização por danos morais e R$ 200 mil por danos estéticos, além do custeio das despesas médicas e hospitalares. Os pais foram indenizados em R$ 100 mil, cada um, por danos morais reflexos. Já os irmãos, R$ 50 mil cada. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a condenação.

No entanto, os familiares e a estudante entraram com Recurso Especial, alegando que a indenização seria insuficiente à reparação dos danos sofridos pela universitária. Quanto à pensão mensal, por se tratar de uma estudante de Enfermagem, o valor deveria corresponder ao salário que receberia caso estivesse exercendo a profissão.

A universidade também recorreu, sob o argumento de que não cometeu ato ilícito, sendo os atos de violência, ainda que previsíveis, inevitáveis, razão pela qual a ausência de conexão entre os danos à vítima e os riscos inerentes à atividade desenvolvida pela instituição de ensino excluem a responsabilidade do prestador de serviços. Por fim, pedia a redução das indenizações em favor da estudante e a exclusão das reparações arbitradas aos familiares.

O relator do caso no STJ, ministro Sidnei Beneti, ao analisar os recursos no ano passado, destacou que, em regra, a indenização é devida apenas ao lesado direto, ou seja, a quem experimentou imediata e pessoalmente as consequências do evento danoso. “Deve-se reconhecer, contudo, que, em alguns casos, não somente o prejudicado direto padece, mas outras pessoas a ele estreitamente ligadas são igualmente atingidas, tornando-se vítimas indiretas do ato lesivo”, ponderou.

O ministro citou trecho do livro Os danos extrapatrimoniais, do professor e jurista Sérgio Severo: “sobrevivendo a vítima direta, a sua incapacidade pode gerar dano a outrem. Neste caso, o liame da proximidade deve ser mais estreito. Os familiares mais próximos da vítima direta gozam o privilégio da presunção – juris tantum – de que sofreram um dano em função da morte do parente, mas, se a vítima sobreviver, devem comprovar que a situação é grave e que, em função da convivência com a vítima, há um curso causal suficientemente previsível no sentido de que o dano se efetivar-se-á”.

Beneti concluiu que os familiares da estudante têm direito à indenização decorrente da incapacidade e da gravidade dos danos causados à integridade física da vítima, pois “experimentaram, indubitavelmente, os efeitos lesivos de forma indireta ou reflexa”, como reconheceu o TJ-RJ. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 160.125
REsp 876.848
REsp 1.208.949

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