Ideias do Milênio

"Tirar dos ricos para dar aos pobres é roubo"

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8 de abril de 2011, 5h33

GloboNews/Reprodução
Walter Williams - GloboNews/ReproduçãoO americano Walter Williams nasceu negro e pobre. Negro ele continua sendo, mas depois de ter sido motorista de taxi em Nova York doutorou-se em economia e hoje se apresenta como um exemplo de homem bem sucedido. A história de vida só reforça sua convicção de que o livre mercado –  e não as regras impostas pelo Estado e menos ainda ações afirmativas – é o melhor caminho para o progresso tanto individual como coletivo. Walter Williams concedeu entrevista ao jornalista Luís Fernando Silva Pinto do programa Milênio, transmitido pelo canal de TV por assinatura Globo News no dia 21 de março último.

O Milênio é transmitido pela Globo News às 23h30 de segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30 de terça-feira, às 5h30 de quarta e às 7h05 de domingo.

Leia a seguir a transcrição da entrevista de Walter Williams:

A propriedade privada é sagrada. Uma idéia simples, mas que deve guiar todo o nosso entendimento de realidades políticas e sociais. Essa é a teoria do professor Walter Williams, economista da Universidade George Mason na Virginia, Estados Unidos. Para ele, o livre mercado é o melhor instrumento regulador de qualquer tipo de relação, seja humana ou mercantil.

Por isso, quanto menos interferência do governo, em qualquer área, melhor, acredita ele. Uma prisão indevida ou uma tortura, por exemplo, ele vê como atentados contra um tipo de propriedade privada: o seu corpo. A repressão política ameaça outras propriedades como o direito à livre expressão e à livre associação.

Com esse mesmo raciocínio Williams questiona os resultados e a eficácia das chamadas ações afirmativas e das cotas raciais nos Estados Unidos que começaram a ser implementadas no fim dos anos 60 durante o governo de Richard Nixon. Ele vai além. Diz que os negros dos Estados Unidos, ele é contra o termo afro-americano, se prejudicam porque essas ações afirmativas reforçam os estereótipos raciais e desestimulam a iniciativa própria.

Com fama de encrenqueiro quando jovem, o professor Walter William se rebelou contra a obrigatoriedade de servir ao exército. Foi parar na corte marcial por ter sido um dos primeiros a questionar as leis Jim Crow, um conjunto de leis segregacionistas que vigoravam no sul dos Estados Unidos até 1964, antes de serem suspensas pelo famoso Ato dos Direitos Civis.

Foi esse ex-encrenqueiro, hoje um senhor de 74 anos que recebeu a equipe do Milênio em sua sala, na Universidade de George Mason. 

Luis Fernando Silva Pinto — Professor Williams, quando era soldado no exército dos EUA, o senhor era ativistas contra as leis Jim Crow, de segregação racial. Escreveu cartas para a Casa Branca. Por que fez isso?
Walter Williams — Eu sempre fui radical e valorizei a liberdade individual. O que eu vi, no ano de 1959, quando fui mandado para Fort Stewart, Geórgia, no Sul dos EUA, foi uma forte discriminação que eu senti que deveria combater.

Silva Pinto — O senhor teve bons resultados? O senhor quase foi à Corte Marcial.
Walter Williams — Eu fui à Corte Marcial, mas venci. Armaram para mim. Eu era muito encrenqueiro. Eles armaram para mim. Mas eu tinha provas e desacreditei o comandante da companhia, que tinha feito as acusações contra mim. 

Silva Pinto — Qual era o seu argumento, não só contra o comandante, mas qual era o seu argumento nas cartas?
Walter Williams — O meu argumento central foi questionar a obrigação que eu tenho de defender o país, uma vez que não tenho os mesmos direitos que todo mundo. Esse foi o centro do meu argumento. Eu vi que não tinha os mesmos direitos garantidos pela Constituição e queria saber quais eram as minhas obrigações nesse contexto.

Silva Pinto — O senhor foi um problema para os seus superiores.
Walter Williams — Sim, eu era um criador de casos. Mas como fui convocado… Aliás, eu não chamo de convocação, eu chamo de “confisco de mão de obra”. Até então, eu dirigia um táxi e ganhava bem. Ganhava US$ 400 por mês, o que era ótimo em 1959, e recebi uma carta que, em resumo, dizia: “Você vai deixar de ganhar US$ 400 e vai ganhar US$ 68 por mês.” As pessoas não costumam fazer uma mudança dessas voluntariamente. Confiscaram minha força de trabalho.

Silva Pinto — O senhor, há muitos anos, defende a teoria de que as leis de ação afirmativa começaram, na verdade, com Lyndon Johnson, em 1965…
Walter Williams — Na verdade, não. Começaram com Richard Nixon, em 1968. Com Richard Nixon, pela primeira vez, leis de ação afirmativa foram escritas no país.

Silva Pinto — Não foi primeiro em 1965?
Walter Williams — Não, não. Ao menos não com o nome de “ação afirmativa”. Com esse nome, foi no governo Nixon.

Silva Pinto — O senhor foi criado na Pensilvânia…
Walter Williams — Filadélfia…

Silva Pinto — Na Filadélfia, em um bairro pobre.
Walter Williams — Sim.

Silva Pinto — O senhor cresceu no período das leis Jim Crow. A discriminação contra negros nos EUA era generalizada e durou uma eternidade. E, basicamente, impediu que muitos segmentos da população negra tivessem as ferramentas necessárias para progredir. Para o senhor, dar essas ferramentas como uma desvantagem não é correto. 
Walter Williams — Exatamente. Uma coisa que as pessoas precisam entender é que, se analisarmos os americanos negros hoje, se pensarmos nos americanos negros como uma nação à parte, se levarmos em conta nossa renda, nossa produção anual, seríamos a 14ª ou 15ª nação mais rica da Terra. Alguns americanos estão entre as pessoas mais ricas do mundo. Algumas estão entre as mais famosas do mundo. Um negro americano foi comandante em chefe do exército mais poderoso do mundo, Colin Powell. Agora, temos o presidente. O que isso significa é que, se voltássemos a 1865, quando a Guerra Civil terminou, nenhum escravo ou dono de escravo acreditaria que esse tipo de progresso seria possível em pouco mais de 100 anos. Isso depõe a favor da nação em que esses avanços foram possíveis. Não teriam sido possíveis em outro lugar. E representa bem o povo que conquistou esse progresso. 

Silva Pinto — Vamos usar a sua linha de tempo. Nixon, o começo da ação afirmativa. O progresso alcançado pelos negros do fim da Guerra Civil até o governo Nixon, nos anos 1970, e o progresso alcançado do governo Nixon até hoje. O progresso foi maior e melhor antes da ação afirmativa?
Walter Williams — Eu tenho um colega que fez um amplo trabalho de pesquisa aqui. Ele indica que o progresso dos negros americanos de 1940 até 1960 foi maior do que o progresso alcançado entre 1960 e 1980. Era necessário acabar com as leis mais abusivas e preconceituosas. Por exemplo, houve uma época em que os negros não jogavaM basquete profissional. Hoje em dia, 80% dos jogadores são negros. Não jogavam futebol americano. Hoje, 60% dos jogadores são negros. E não foi a ação afirmativa, foi o fato de eles serem muito bons.

Silva Pinto — Agora, veja bem, pelo ponto de vista da discussão. Estamos falando da capacidade física que define uma progressão genética. A progressão genética é diferente da progressão da oportunidade econômica, da progressão intelectual. Quando o senhor diz que, sem as políticas de ação afirmativa, os negros se saíram muito bem em áreas como o basquete, não é um pouco diferente?
Walter Williams — Não. Se você analisar a questão, somando o que os negros ganham a cada ano, isso é muito significativo. Seríamos a 14ª ou 15ª nação mais rica do mundo, se pensasse em nós como uma nação. É um progresso imenso, e duvido que se possa atribuir à ação afirmativa.

Silva Pinto — O senhor acabaria com ela hoje, com as cotas e o resto?
Walter Williams — Eu acabaria. Em primeiro lugar, acho uma injustiça o sistema de cotas. Em segundo lugar, ele não age a favor das pessoas chamadas de “beneficiárias das cotas”. Por exemplo, muitas faculdades têm sistema de cotas. O que elas fazem, como a Harvard, Yale ou MIT, é recrutar alunos negros para seus cursos. Por serem faculdades de altíssimo nível, muitas vezes os negros param de estudar porque não conseguem competir. Se tivessem entrado em outras faculdades, de nível não tão elevado, concluiriam o curso. Muitas vezes, a ação afirmativa trabalha contra as pessoas que supostamente se beneficiariam.

Silva Pinto — Se eu não tenho escola quando criança, se não tenho uma escola de ensino médio ou uma faculdade para freqüentar, como poderei competir? Não é justo que eu tenha alguma…?
Walter Williams — Não estou dizendo a ninguém para me ter como exemplo, mas, se analisar a minha vida, eu nasci bem no meio da Grande Depressão, quando havia muito preconceito. Eu consegui competir com meus colegas. Fui para a UCLA e fiz meu doutorado quando a universidade estava em 10º lugar no ranking de qualidade das universidades do país. Isso quer dizer que, se minha educação não foi tão boa quanto a dos outros alunos lá, eu tive que me esforçar mais, tive que estudar mais, mas não recebi nenhum privilégio. Talvez um cara de uma família rica que freqüentou escolas de classe média fizesse os trabalhos dele em uma hora e eu levasse cinco horas para fazer os mesmo trabalhos. Mas a questão é que os trabalhos foram feitos.

Silva Pinto — No Brasil, pessoas de origem negra são a maioria da população. Eles não têm privilégios. O senhor acha que deve ser assim?
Walter Williams — Acho que, em vez de privilégios, as pessoas precisam de oportunidades. Existem muitas leis e regulamentações, e não conheço todas as do Brasil, mas há muitas leis e regulamentações que cortam os últimos degraus da escada econômica. Só um exemplo: em Nova York, para obter a licença de dono e motorista de táxi, em maio de 2007, essa licença custava US$ 600 mil. Que efeito tem uma lei como essa? Ela corta os degraus inferiores da escada econômica. Impede que qualquer pessoa sem dinheiro ou financiamento seja taxista. Leis do salário mínimo bem como a Lei Davis-Bacon nos EUA discriminam pessoas pouco capacitadas, que não conseguem subir na escada econômica. O que eu proponho para as pessoas não só nos EUA, mas no mundo todo, é que tenhamos um sistema de maior livre iniciativa, de troca pacífica e voluntária.

Silva Pinto — O senhor não acha que alguém contra-argumentaria que a ação afirmativa ajudou nesse ponto?
Walter Williams — A ação afirmativa não ajudou nesse ponto. Novamente, voltamos às estatísticas. Analisando antes e depois da ação afirmativa, vemos que o progresso e os ganhos dos negros foram maiores antes da política de ação afirmativa.

Silva Pinto — O senhor propôs o laissez-faire na economia.
Walter Williams — Sim. 

Silva Pinto — Nós tivemos uma grande desregulamentação do sistema financeiro nos anos 1990 e na década de 2000. Em 2008 houve uma enorme crise, porque não havia controle das finanças garantidas pelas hipotecas.
Walter Williams — Mas isso foi causado pelo governo, por Fannie Mae, Freddie Mac [Nota da Redação: duas das maiores empresas imobiliárias dos Estados Unidos] e outros. E as regulamentações do governo nos EUA que obrigavam os bancos a concederem empréstimos a quem eles não concederiam de outra maneira. Foi a chamada Lei de Reinvestimento Comunitário que possibilitou aos pobres comprarem casa própria. Obrigaram os bancos a emprestar dinheiro para quem eles não teriam emprestado se não fossem obrigados. Foi uma grande parte da crise hipotecária do país.

Silva Pinto — Mas não foi uma obrigação, foi uma opção.
Walter Williams — Não, eles disseram aos bancos: “Se quiser abrir outra agência, se quiser ter permissão para abrir outra agência, tem que nos mostrar que concedeu empréstimos a pobres, negros ou minorias. Tem que nos provar que deu empréstimos.” Fizeram chantagem com os bancos. E os bancos se dispuseram a correr esse risco, porque sabiam que o governo os ajudaria.

Silva Pinto — O senhor acha que a crise de 2008 não foi causada pela desregulamentação.
Walter Williams — Foi causada pelo governo. A maioria das crises econômicas que ocorrem nos EUA e no resto do mundo é causada pelo governo. São as regulamentações do governo. 

Silva Pinto — A desregulamentação que o senhor propõe é bastante ampla, inclusive em termos de liberdade de expressão e direitos civis. O senhor não vê necessidade de regulamentar nada disso?
Walter Williams —  Sou a favor da regulamentação e das leis que me impedem de obrigar você a fazer aquilo que você não quer. Deve haver leis que me proíbam de roubar você, leis que me impeçam de cometer uma fraude contra os outros. Mas, quanto a leis que restringem e regulamentam a troca voluntária e pacífica, eu sou contra.

Silva Pinto — O senhor não vê necessidade de que haja regulamentação ou leis contra a discriminação em um lugar que não receba verbas públicas.
Walter Williams — Certo.

Silva Pinto — Eu tenho a liberdade de discriminar se tiver minha empresa?
Walter Williams — Eu valorizo muito a liberdade de associação. Quando você diz que acredita em liberdade de associação, você deve permitir que as pessoas sejam livres para se associarem de formas que você despreza. É o verdadeiro teste de comprometimento.

Luis Fernando Silva Pinto — A Ku Klux Klan era um grupo livre de associados.
Walter Williams — Eles praticavam violência, mataram pessoas.

Silva Pinto — Exato!
Walter Williams — Eu sou contra isso! Eu disse que as pessoas devem ter o direito de fazer trocas voluntárias e pacíficas.

Silva Pinto — O senhor está partindo do princípio de que uma pessoa que usa a liberdade de expressão para dizer coisas que o senhor odeia pode fazer isso e continuar lá. E se o objetivo daquela pessoa for totalmente diferente? Se for usar essa liberdade de expressão para, mais tarde, limitar a sua liberdade de expressão?

Walter Williams — Isso é errado.
Silva Pinto — Mas acontece!
Walter Williams — Isso não deve ser permitido. Pense nesse tipo de discriminação e se você o permitiria, caso fosse do governo. Quando eu estava escolhendo uma esposa, em 1960, eu não dei a nenhuma mulher branca a chance de casar comigo, nem a nenhuma brasileira. Eu discriminei e escolhi apenas entre negras. Eu devo ter a liberdade de me associar assim?

Silva Pinto — Deve, sim.
Walter Williams — Isso é discriminação. Evidentemente, o que estou dizendo é que a discriminação racial tenderia a acabar sozinha, se não fosse apoiada por alguma lei. Ninguém tem moral para dizer: “Vamos ajudar o indivíduo D hoje punindo o indivíduo C hoje por aquilo que o indivíduo A de ontem fez ao B de ontem.” O que estou dizendo é… Você está dizendo: “Vamos ajudar o negro de hoje punindo o branco hoje pelo que o branco de ontem fez ao negro de ontem.” Não é um sistema muito bom. Aliás, preciso acrescentar que os negros brasileiros deveriam estar muito à frente dos negros americanos.

Silva Pinto — E por que não estão?
Walter Williams — Acho que é porque a sociedade brasileira não é tão livre.

Silva Pinto — Claro, ainda existe discriminação.
Walter Williams — Não, não. Não foi o que eu quis dizer.

Silva Pinto — Mas é verdade.
Walter Williams — Tudo bem, eu me refiro à regulamentação da atividade econômicas.

Silva Pinto — A discriminação é insidiosa. Não precisa estar escrita nas leis, só precisa ser exercida. Ela existe e sempre existiu no Brasil.
Walter Williams — Ela existe em toda parte, até nos EUA, mas estou dizendo que a liberdade econômica reduz a pressão da discriminação racial. Por exemplo, quando as pessoas podem fazer leis como a dos táxis de que eu falei, isso fortalece a discriminação racial. Mas se disser que qualquer pessoa pode ter um táxi…

Silva Pinto — Porque uma pessoa poderia entender isso como: “Os negros brasileiros são preguiçosos. Por isso não se saíram tão bem.”
Walter Williams — Eu não citaria isso como motivo.

Luis Fernando Silva Pinto — Mas por quê?
Walter Williams — Como acabei de dizer, foi a regulamentação econômica, que é a falta de liberdade econômica no Brasil. É uma tradição no Brasil.

Silva Pinto — A liberdade econômica, na sua opinião, é a saída.
Walter Williams — É, sim. E, se olhar pelo mundo… Se você quisesse categorizar as pessoas… Se fosse à Anistia Internacional para classificar países de acordo com a proteção aos direitos civis, ou se os classificasse pela renda per capita, veria que a maior riqueza desses países é o grande sistema de livre comércio. Os países mais pobres são socialistas ou comunistas. Você pergunta como pode o Chile ser tão mais rico que a maioria dos outros países da América do Sul? Eles não tiveram grande liberdade política sob o governo de Pinochet, mas tiveram maior liberdade econômica. Como pode a Coreia do Sul ser mais rica que a do Norte? Liberdade econômica. Por que a Alemanha Ocidental era mais rica que a Oriental? Porque tinha maior liberdade econômica.

Silva Pinto — Os Estados Unidos têm um presidente negro pela primeira vez. Acha que ele será um sucesso?
Walter Williams — Não acredito.

Silva Pinto — Por quê?
Walter Williams — Acho que será como Jimmy Carter. Será um governo fracassado. Não é muito bom para o primeiro presidente negro.

Silva Pinto — Por que será um fracasso?
Walter Williams —
Se analisar a reforma da Saúde, que ninguém quer, poucos americanos querem, se analisar nossa posição na diplomacia internacional, se vir os problemas econômicos com que ele está lidando…

Silva Pinto — E os problemas econômicos que ele herdou?
Walter Williams — Bem… Essa desculpa não serve para sempre.

Silva Pinto — Está dizendo que, se me der uma casa meio destruída, depois de seis meses, não posso mais dizer que está destruída?
Walter Williams — É assim com pessoas do mundo todo que culpam o colonialismo por seus problemas. Pessoas de países do Terceiro Mundo dizem que foi o colonialismo. Elas só querem uma desculpa. Se analisar o governo Roosevelt, o New Deal fez a Grande Depressão ser muito pior do que teria sido.

Silva Pinto — No segundo mandato do presidente Roosevelt, os EUA eram o país mais rico do mundo, saindo da maior Depressão. Então? As coisas até podem ter piorado, mas os EUA, em 1942, já eram o país mais rico do mundo. Era o mesmo presidente que o senhor diz que piorou tudo.
Walter Williams — Mas ele piorou. A maioria dos economistas que estudam os anos 1930 diz que, sem o New Deal e também o último ano do governo de Herbert Hoover, a Depressão teria durado 3 anos. Teria sido muito rápida, mas ele a transformou em algo que durou até 1945, 1946.

Silva Pinto — Não é uma crítica sem fundamentos práticos?
Walter Williams — Não é, não. Se analisar os EUA de 1787, data de sua criação, até os dias de hoje, aliás, até os anos 1930, ninguém achava que o governo federal deveria se envolver em questões econômicas. Foi só em 1930 que o governo federal se envolveu e a situação piorou.

Silva Pinto — Se bem lembro, em 1929, houve uma grande queda em Wall Street, e o país se viu sem…
Walter Williams — Isso não é verdade. O crash da bolsa, em 1929, não teve nenhuma relação com a Depressão.

Silva Pinto — O que o causou?
Walter Williams — Foi uma ação do Federal Reserve Bank.

Luis Fernando Silva Pinto — Depois da Depressão?
Walter Williams — Não, não. Foi no fim dos anos 1930. Quero dizer, fim da década de 20 e começo dos anos 30. Em 1987, houve uma grande queda na bolsa de valores. Não houve depressão econômica. Bolsa de valores e depressão não caminham juntas. Acredito que a maior contribuição para o bem-estar da Humanidade é a liberdade pessoal.

Silva Pinto — O que fez com que o senhor se tornasse PhD em Economia, e não um motorista de táxi como era antes?
Walter Williams — Bem… Não foi só por minha causa. Qualquer pessoa que tenha chegado aonde eu cheguei não conquistou tudo sozinha. Muitas pessoas ao longo do caminho puderam me ajudar. Eu me casei com uma mulher maravilhosa que me deu muito apoio. E, como meu padrasto costumava dizer, se quiser chegar a algum lugar, você tem que chegar cedo e sair tarde. Eu estava disposto a dedicar meu tempo e esforço para alcançar meu objetivo.

Silva Pinto — Qual é a sua crítica aos negros americanos hoje?
Walter Williams — Não é tanto uma crítica aos negros, e sim ao sistema pelo qual as pessoas dizem: “Precisamos de privilégios.” Eu acho os privilégios um insulto. É como dizer a alguém: “Olhe, você não é capaz, precisa da ajuda do governo.” Acho isso um insulto à pessoa. No seu próprio país, quando visitei Porto Alegre para fazer palestras…

Silva Pinto — Quando foi isso?
Walter Williams — No anos 1990. Eu, às vezes, passeava pelas lojas, ficava só olhando vitrines. Descobri que a maioria dos bens de alta tecnologia era mais cara no Brasil do que nos Estados Unidos. Era muito mais caro comprar computadores ou impressoras. Eu perguntei: “Mas como?” Era por causa da regulamentação do governo. Durante a minha primeira palestra em Porto Alegre, eu disse: “Tenho certeza de que as pessoas se reúnem em Brasília todo dia para criar normas que tornem os brasileiros mais pobres do que seriam.”

Silva Pinto — Então, nós estamos atrasados?
Walter Williams — Não, não. Isso porque o Brasil conseguiu acabar com a escravidão sem travar uma guerra muito cara, como aconteceu nos EUA. Travamos uma guerra que matou 600 mil pessoas. Foi a guerra mais custosa que os EUA já travaram. O Brasil e muitas ilhas do Caribe conseguiram acabar com a terrível instituição da escravidão sem a violência que houve nos EUA. Com base nisso, estou dizendo… Se eu fosse um homem de Marte, analisando a história, eu diria: “Os negros brasileiros deveriam estar à frente dos americanos.”

Silva Pinto — O senhor está dizendo que os ciganos da Europa, ou os palestinos na Cisjordânia, devem se libertar das restrições legais que eles têm?
Walter Williams — Sim, a regulamentação econômica.

Silva Pinto — Acha que a desregulamentação econômica os faria avançar?
Walter Williams — Acho que seriam mais ricos. Se analisar a riqueza no mundo, verá que os mais ricos estão em áreas com maior liberdade econômica. Se consultar o índice de liberdade econômica, publicado pelo Cato Institute e pela Heritage Foundation, e procurar onde estão as pessoas mais ricas, verá que é nos países com maior liberdade econômica. Como a China, subitamente, se tornou tão mais rica? Foi porque deram aos cidadãos mais liberdade econômica.

Silva Pinto — Eles têm um sistema unipartidário, eles não podem reivindicar salários maiores.
Walter Williams — Não se trata de liberdade política, e sim de liberdade econômica.

Silva Pinto — Se a denominação libertária… essa classificação é estranha para a maioria dos brasileiros. Direita e esquerda são mais conhecidas. Como o senhor se classificaria?
Walter Williams — Provavelmente como radical.

Silva Pinto — Da direita?
Walter Williams — Não, não, só radical. Eu acredito… Meu ponto de partida para pensar em qualquer coisa é que eu sou dono de Walter Williams, eu pertenço a mim mesmo. Você é dono de si mesmo. Quando você tem a noção de autopropriedade, algumas coisas são morais, outras são imorais. Por isso, assassinato é imoral. É uma violação da propriedade privada. Estupro é imoral porque viola a propriedade privada. Roubo é imoral porque viola a propriedade privada. Roubo é imoral porque viola a propriedade privada.

Silva Pinto — Resumindo, é isso?
Walter Williams — Sim. E roubo é imoral seja feito individualmente ou coletivamente, pelos governos. Se eu pegar o seu dinheiro e der a um pobre, serei culpado de roubo. O governo faz a mesma coisa quando dá aos pobres. É culpado de roubo. São dois tipos de roubo: um é legal e o outro, ilegal. 

Silva Pinto — Bill Cosby cresceu …
Walter Williams — Sim, do outro lado da rua.

Silva Pinto — É seu amigo.
Walter Williams — Sim.

Silva Pinto — O Bill Cosby defende a ideia de que os negros não deveriam ser objeto de um tratamento diferenciado. Essencialmente, eles deveriam se virar por si próprios. Você defende a mesma ideia..
Walter Williams — Eu acho que usar o governo para criar vantagens para algumas pessoas em prejuízo de outras é moralmente errado. É moralmente ofensivo. Ou seja, discriminação do governo eu acho que é errado.

Silva Pinto — Seu amigo Bill Cosby tem críticas sérias aos negros nos Estados Unidos.
Walter Williams — Sim. Há muitos negros que dependem muito do governo, que dependem de alguém que os ajude. E eu acho que isso não é parte da história dos negros em nosso país. Se você olhar para as altas taxas de filhos ilegítimos e de criminalidade entre negros é algo novo. Não é parte da história dos negros em nosso país. E é isso que Bill Cosby e eu criticamos.

Silva Pinto — Daniel Patrick Moynihan quando era senador disse a John Kennedy que o Estado de bem-estar social destruiria as famílias negras nos Estados Unidos. Ele estava certo?
Walter Williams — Absolutamente certo. Se você olhar a estrutura familiar dos negros até os anos 1940, 1950, 80 e tantos por cento das crianças viviam em famílias com o pai e a mãe. Hoje são menos de 35%. Ilegitimidade entre negros nos anos 30 e 40 estava entre 10% e 15%. Hoje está entre 70% e 80%. E eu acho que é o Estado de bem-estar social. Nós subsidiamos comportamentos impróprios. E quando você subsidia algo, você tem mais desse algo. E também há menos sanções sociais contra a pessoas que se envolvem em atividades promíscuas.

Silva Pinto — Você é contra o salário mínimo em qualquer lugar.
Walter Williams — Sim. Eu escrevi um livro chamado South Africa’s War Against Capitalism [A Guerra da África do Sul Contra o Capitalismo]. Os maiores apoiadores das leis de salário mínimo na África do Sul são sindicatos racistas que nunca permitiriam que um negro fosse um membro de seu sindicato. Há muitas citações no livro que mostram que o que eles pretendem é proteger trabalhadores brancos de terem que competir com trabalhadores pouco especializados e que ganham pouco. Ou seja, se os trabalhadores brancos estão recebendo US$ 5 por hora e homens negros aceitam trabalhar por US$ 1, quem o empregador vai contratar? Ele vai contratar o trabalhador negro, porque ele quer ter um lucro maior. Então se o trabalhador branco consegue uma lei que diz que você tem que pagar aos brancos e aos negros o mesmo salário, então os empregadores vão discriminar os negros, porque não lhes custa nada.

Silva Pinto — Se de um momento para o outro você torna os escravos em homens livres, que chances você deveria dar a eles? Foi o que aconteceu no final da Guerra Civil nos EUA ou na Abolição da Escravidão no Brasil. O que você faz com uma população que foi mantida sem educação, foi brutalizada, como você as traz para que tenham uma função na sociedade?
Walter Williams — Você deve eliminar todas essas restrições sobre as quais falei, todas essas regulamentações governamentais e deixar que o tempo cuide disso. Os negros no passado não eram admitidos no basquete profissional. E hoje são 80%. E não foi por conta de ação afirmativa. Basta abrir o sistema e deixar que todos compitam, embora isso possa não mudar da noite pro dia. O mesmo se aplica à Química, à Física ou às profissões médicas.

Silva Pinto — Mas esse é o ponto. Quanto tempo você vai ter que esperar sem nenhuma ajuda para chegar ao mesmo ponto ao da sociedade que te estava oprimindo? Três gerações? Cinco?
Walter Williams — Os americanos negros fizeram isso em pouco mais de um século. A maioria dos americanos negros hoje são de classe média. Uma grande porcentagem é pobre, talvez 30%, mas a maioria é de classe média. Não era assim em 1865 quando terminou a Guerra Civil. Você tem de se preocupar é em criar uma sociedade livre, uma sociedade aberta, livre de muitas das regulamentações que impedem que uma pessoa entre em um negócio por conta própria. Na América do Sul leva 500 dias para se conseguir a autorização legal para abrir uma padaria ou um loja pequena. Estabelecer direitos da propriedade privada. Essas são as coisas que favorecem a liberdade. E se você perguntar: por que os negros dos Estados Unidos são os mais prósperos no mundo? Tem que ser por causa da liberdade e o Estado de Direito que temos nos Estados Unidos. 

Silva Pinto — Como o senhor pode acreditar que aqueles que têm a liberdade de fazer o que quiserem ou dizer o que quiserem não estão usando esse direito exatamente para destruir o que essa liberdade permitiu?
Walter Williams — Qual é o verdadeiro teste ao compromisso de uma pessoa com a liberdade de expressão? Acontece quando ela permite que as pessoas sejam livres para dizer aquelas coisas com que ele concorda ou acontece quando ela permite que as pessoas sejam livres para dizer aquilo que ela acha ofensivo? O mesmo acontece com a liberdade de associação. O verdadeiro teste ao compromisso de alguém com a liberdade de associação não acontece quando você permite que elas sejam livres para se associarem da maneira que você acha correta. Acontece quando você permite que as pessoas sejam livres para se associarem de maneira que você acha condenável

Silva Pinto — Ao mesmo tempo, que garantias você tem quando diz: “Vamos permitir a Klu Klux Klan. Façam o que quiserem”.

Walter Williams — O problema não é a liberdade de associação. O problema é a violência. Você tem que deter a violência de uma pessoa em relação a outra pessoa, mas ao mesmo tempo você deve permitir que uma pessoa se associe a outra. 

Silva Pinto — Se o senhor tivesse que apostar em um livre mercado onde ao invés de ações, tivesse professores universitários, o senhor apostaria no sucesso de um professor universitário polêmico…?
Walter Williams — Eu não apostaria em nenhum professor universitário. Eu acho que intelectuais bagunçaram este mundo.

Silva Pinto — O senhor é um intelectual.
Walter Williams — Sim, eu sou um intelectual, mas eu acho que os intelectuais bagunçaram este mundo. Um motorista de taxi não tem poder algum, ninguém houve suas ideias. Mas as pessoas ouvem as ideias dos intelectuais. E muitas vezes eles não deveriam ouvir nossas ideias.

Silva Pinto — Incluindo a sua.
Walter Williams — Incluindo a minha.

Silva Pinto — Por quê?
Walter Williams — Porque eu acho que você deve ter um pensamento independente. Os políticos ouvem os intelectuais. E então os políticos fazer regras e regulamentações. Políticos não ouvem os motoristas de taxi. Não há motoristas de taxis no congresso. São professores universitários, é a elite intelectual.

Luis Fernando Silva Pinto — E isso não está mudando com as redes sociais.
Walter Williams — Eu acho isso uma coisa boa. 

Silva Pinto — Qual foi sua maior surpresa com o que está acontecendo no Oriente Médio?
Walter Williams — Eu não sei. É uma parte do mundo que não respeita a liberdade individual. Na realidade, a maior parte do mundo na maior parte da história da humanidade tem estado sujeita ao controle e abuso arbitrário de outros. Liberdade pessoal é relativamente rara na existência humana.

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