Caso reaberto

Garotinho conta história de banqueiro e traficante

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27 de setembro de 2010, 14h40

O ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, promete lançar um livro de alta octanagem assim que passarem as eleições. O livro resgata um momento dramático da vida política de Garotinho — quando a Polícia sob seu comando abriu investigação contra o banqueiro João Moreira Salles. O acionista do Unibanco foi acusado de emprestar um jatinho da família para a fuga do traficante Marcinho VP, a quem financiou enquanto esteve foragido.

Até esse episódio, lembra o ex-governador, a imprensa o “paparicava que era uma beleza”. Mas quando os telefonemas entre Moreira Salles e o traficante apareceram, a relação azedou. “Sofri uma pressão terrível para que ele nem sequer fosse depor”, relata Garotinho. Em entrevista à revista Istoé, o atual candidato a deputado federal, atribui a esse cerco a sua derrota na eleição presidencial, que garantiu o primeiro mandato a Lula. O ex-governador terminou a campanha com 15 milhões de votos. O “cerco implacável”, diz, foi movido pelos bancos “e como eles têm muito poder e influência enorme na maior parte da mídia, toda a imprensa do Rio de Janeiro, liderada pelas Organizações Globo” passou a trabalhar contra ele. O livro foi produzido a quatro mãos com o jornalista Ricardo Bruno.

Marcinho VP, codinome de Márcio Amaro de Oliveira, foi um dos mais sanguinários traficantes da história dos morros cariocas. Era dele o comando do Morro Dona Marta. Foi com esse traficante que o diretor Spike Lee negociou autorização para que Michael Jackson, em 1996, gravasse ali um videoclipe. Moreira Salles fez o mesmo para produzir um documentário no lugar. Viraram amigos. Para a Polícia, no entanto, ajudar traficantes em fuga, inclusive com ajuda financeira — já que as fontes de receita do criminoso haviam sido cortadas — caracterizaria associação para o tráfico.

Um acordo, contudo, abreviou o processo e reduziu a responsabilidade de João Moreira Salles. Dos três crimes em que ele foi enquadrado sobrou apenas o artigo 348 do Código Penal (“Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que é cominada pena de reclusão”), cuja pena é de, no máximo, seis meses de detenção. Os advogados do banqueiro negociaram rapidamente a aceitação da pena, que foi convertida para serviços comunitários.

Na mídia, o caso teria sido virtualmente abafado. As notícias do episódio mostraram um cineasta idealista que ajudou um jovem morador da favela, vítima da sociedade, a afastar-se do crime. As remessas de 1.200 dólares mensais feitas para o condenado foragido seriam para estimular o criminoso a escrever um livro sobre sua vida de oprimido. “Mentira”, afirma Garotinho. “Essa história do livro foi criada para evitar que ele fosse preso — a Polícia não encontrou uma única menção a livro nos grampos feitos legalmente”. A natureza da relação entre os dois não foi desvendada no processo.

Em seu depoimento à Polícia, João Moreira Salles, que sabia de cada esconderijo de Marcinho VP durante o período em que o traficante fugia, admitiu saber antecipadamente da guerra no Morro Dona Marta, que redundou em um massacre, quando o grupo rival ao de seu protegido invadiu o lugar. Mas negou que o jato Falcon-10, prefixo PT–LVD, pertencente à família Moreira Salles tivesse sido usado para tirar o traficante do alcance da Polícia. Um dos endereços de fuga fora um hotel em Buenos Aires.

Pelo que se lê no inquérito, desarquivado, a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro solicitou à Aeronáutica os planos de vôo da aeronave com os nomes dos passageiros. Seria a forma simples e rápida de tirar a dúvida. Mas não foi atendida. O chefe de gabinete do Comando da Aeronáutica não forneceu as informações. Três meses depois de receber o pedido, os militares disseram que “os arquivos não contemplam todas as indagações solicitadas”, além do que, os dados “são arquivados por um período de 06 (seis) meses” e depois descartados. O ofício de resposta termina por indicar a Infraero para mais informações.

Marcinho VP foi assassinado, em 2003, no presídio de segurança máxima Bangu III, por seus próprios colegas. Deixou para trás mais seis inquéritos por homicídio. João Moreira Salles abriu uma empresa de consultoria empresarial, que lançou a revista literária piauí. Garotinho recorre de uma condenação de primeira instância por formação de quadrilha, enquanto concorre a uma vaga de deputado federal.

Clique aqui para ler a parte 1, parte 2, parte 3, parte 4 e parte 5 do inquérito

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