Desistência não derruba julgamento da Ficha Limpa
27 de setembro de 2010, 20h18
Sempre foi regra no nosso Código de Processo Civil de 1973, estampada em seu artigo 501, a dicção de que o recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do seu recurso interposto.
Durante trinta e três anos, sem objeções, tanto na academia como na jurisprudência, essa lição sobre a potestatividade da desistência recursal passou intacta. Até, entretanto, a edição da Lei 11.418, de 19 de Dezembro de 2006, que regulamentou o instituto da repercussão geral, criado pelo parágrafo 3º, do artigo 102, da Constituição Federal, por força de inovação trazida pela Emenda 45/2004.
Diz este dispositivo citado da Constituição o seguinte:
“Art. 102. (…) parágrafo 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”.
Regulamentando este novo requisito positivo de admissibilidade recursal do extraordinário, com a alteração promovida pela Lei 11.418/2006, estabelece o artigo 543-A do CPC:
“Artigo 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.
Parágrafo 1º Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”.
Essas relevantes modificações introduzidas em nossa sistemática processual constitucional, com a criação do instituto da repercussão geral, certamente, abala a leitura do vetusto artigo 501 do CPC, que, agora, deverá ser interpretado dentro da nova sistemática de julgamento dos recursos extraordinários no Supremo Tribunal Federal.
Passada a euforia e otimismo com a instalação da (já não tão nova) ordem constitucional, a partir de 05 de Outubro de 1988 — quando fora recriado o Supremo Tribunal Federal e criados o Superior Tribunal de Justiça e demais Tribunais Superiores, com suas competências bem definidas — a constatação, hoje, no final desta primeira Década do Século XXI, é a de que as Cortes Judiciárias brasileiras estão à beira de um colapso, de um completo engessamento, tamanho o número descomunal de processos que tramitam nesses órgãos colegiados.
Nas inesquecíveis palavras do Eminente Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, do STJ:
“Tenho declarado que a Justiça que tarda é fundamentalmente injusta e acaba negando e renegando sua própria razão de existir, seu fundamento de ser. Mas sem que se procure aparelhar a máquina judiciária, sem a uniformização dos procedimentos processuais, sem o fechamento dos compartimentos legais por onde os recursos se multiplicam, a maior parte das vezes sem razão ou sentido, mas apenas para delongar mais a demanda, não se conseguirá produzir resultados satisfatórios no sentido de renovar a Justiça brasileira e melhorar a efetividade da prestação jurisdicional” (Justiça que tarda é fundamental injusta. O Magistrado, São Paulo, Ano V, nº 45, páginas. 8-14, Abr./Maio 2006).
Outro não foi o lema da própria Emenda 45/2004, que a par da criação do instituto da repercussão geral, inseriu nova garantia fundamental pétrea ao cidadão no rol do artigo 5º da Constituição, em seu Inciso LXXVIII, estatuindo que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
O instituto da repercussão geral, não há dissenso, é, sim, instrumento hábil de promoção da duração razoável do processo, na medida em que a súmula vinculativa da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão orientador. E, quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral firmará o norte a ser seguido pelos demais órgãos do Poder Judiciário.
É, fundamentalmente, nesse contexto da garantia da razoável duração do processo, clamor nacional, que a Constituição e o CPC esclarecem que para efeito da repercussão geral será considerada a existência ou não de questão relevante que ultrapasse os interesses subjetivos da causa. Trata-se de um novo redirecionamento da elevada competência da Excelsa Corte, Guardiã da Carta Maior, que não se coaduna com a discussão de causas que não guardam qualquer relevo ou aplicação na estrutura da atividade estatal de entrega da prestação da tutela jurisdicional no País.
A objetivação e a transcendência das decisões relevantes da Suprema Corte Constitucional, em proveito da otimização de causas idênticas, em última análise, pode ser a salvação dos perdidos estandartes da celeridade, efetividade e economia processuais, que adormecem nos velhos manuais de Direito e apenas alimentam a fantasia de jovens estudantes das Faculdades.
O desafio da análise da repercussão geral, das questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social e jurídico para o País, que ultrapassam os interesses subjetivos da causa, no intuito sublime de garantir a todos a razoável duração do processo, fora de dúvidas, não se insere dentro de critérios de conveniência e discricionariedade da parte no processo. A isto não se presta o desbotado artigo 501 do CPC de 1973, que deve se render à nova ordem constitucional instalada, em proveito do bem comum e de uma serviente atividade jurisdicional do Estado.
Em conclusão, a desistência recursal deve importar na manutenção do dispositivo do veredicto recorrido, no que assentado na Instância anterior inter partes quanto ao pedido, mas não poderá impedir a utilidade maior do recurso extraordinário já aviado, qual seja, a fixação da tese debatida pelo Supremo Tribunal Federal a ser implementada posteriormente pelos demais órgãos do Poder Judiciário.
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