Segunda leitura

Comunicar-se passou a ser um dever do poder público

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

26 de setembro de 2010, 11h37

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Observa a juíza portuguesa Albertina Pedroso quea relação dos tribunais com a comunicação social, não sendo um assunto recente, ganha especial relevo sempre que os tribunais são chamados a decidir questões que respeitam a figuras públicas, acentua-se com os frequentes conflitos de génese política ou de natureza laboral que contendem com os direitos dos cidadãos e que o juiz é chamado a solucionar, e ainda quando, como assistimos mais recentemente, estão em causa questões que afectam os mais desprotegidos, nomeadamente as crianças.”[i]

O fortalecimento do Poder Judiciário brasileiro, após a Constituição de 1988, despertou o interesse da mídia. Assim, tal como em Portugal, acusações a figuras públicas (v.g., políticos), casos repulsivos (v.g., pedofilia) ou que inovem na ordem jurídica (v.g., adoção por casal de homossexuais), despertam interesse e recebem grande divulgação.

Há nisto dois lados, o bom e o ruim.

O lado bom é a informação dos fatos a toda sociedade. Nada mais permanece obscuro, como antigamente. Tudo é exposto com clareza e nisto os meios de comunicação dão uma enorme parcela de contribuição à sociedade e à democracia.

O lado ruim é que, por vezes, o “julgamento” dá-se pela mídia e depois é “ratificado” pelo Poder Judiciário. É o que aconteceu no recente Júri do casal Nardoni, acusados de homicídio de uma criança. A repercussão foi tamanha que ninguém poderia imaginar uma decisão absolutória.

A mídia e o Judiciário têm tempo, linguagem e interesses distintos. A mídia necessita de informação em tempo real. O Judiciário decide depois de ouvir a parte contrária e do juiz formar sua convicção. A linguagem da mídia é clara e direta. O Judiciário ainda se vale de termos medievais.

Os meios de comunicação vivem de publicidade e esta só existe se as notícias tiverem alto índice de audiência. Por tal motivo, só excepcionalmente se fará uma reportagem de uma medida judicial inovadora ou um caso de sucesso. Por exemplo, uma reportagem sobre uma Vara rigorosamente em dia teria audiência? Certamente, não.

Em paralelo ao aspecto diversidades, há a questão da importância da divulgação. Os Tribunais se dividem entre os que estão abertos à mídia e os que a ela se fecham, criando obstáculos à divulgação de suas notícias (julgamentos e política institucional). Evidentemente e em boa hora, os primeiros estão em número ascendente.

Um Tribunal deve ser transparente. Seu site deve conter todas as informações possíveis, evitando-se apenas aquelas que ponham em risco a instituição e seus membros (v.g., o endereço dos magistrados) e os casos de segredo de Justiça. Portanto, o andamento dos processos, os vencimentos de juízes e servidores, as metas institucionais, a estatística, a jurisprudência, tudo deve ser posto à disposição da mídia e da população.

Na outra face da moeda há o risco da vaidade sem controle. Juízes e agentes do Ministério Público não são artistas de TV. Como agentes políticos, cabe-lhes transmitir à população uma imagem de confiança e credibilidade. Por isso, mesmo em 2010 e com todas as mudanças sociais ocorridas, não cai bem estes profissionais saírem em fotos de coluna social com a camisa aberta, cabelo desgrenhado e um ar de galã de telenovela.

E neste tema novo em que inexistem regras escritas ou tradição oral, é preciso fazer uma distinção. O juiz, quando administrador, pode e deve falar à mídia. Por exemplo, ao presidente de um Tribunal, representando o Poder Judiciário, cumpre divulgar a sua opinião sobre temas ligados à sua atividade.

Diferente é a situação quando o juiz fala sobre casos judiciais que está processando. Aí, evidentemente, deve vigorar uma regra de discrição. Se procurado por um jornalista, deve abster-se de comentar o caso, mas ceder-lhe uma cópia de sua decisão.

Há, também, os que anseiam por aparecer nos meios de comunicação. E isto tem uma explicação. É que para o público em geral o sucesso está atrelado à divulgação da imagem na mídia. Um telefonema do amigo de infância ou daquela tia bonachona, cumprimentando-o pelo sucesso (aparecer na TV é interpretado como sucesso profissional), certamente será um alento para um ego inflado. No filme O advogado do diabo, Lúcifer, interpretado por Al Pacino, refere-se à vaidade como sendo “o meu pecado predileto”.

Finalmente, do ponto de vista institucional, os Tribunais estão se abrindo à necessidade de comunicar-se com a sociedade. Os juízes do Trabalho, de forma pioneira, em setembro de 1996 realizaram em Gramado (RS) o II Encontro Nacional dos Assessores de Comunicação Social da Justiça do Trabalho, editando uma carta com 10 itens.[ii] O Conselho da Justiça Federal vem promovendo seguidos encontros dos profissionais de comunicação social, criando um padrão de bom nível de comunicação na Justiça Federal.[iii]

A necessidade e o interesse do Poder Judiciário em comunicar-se com a sociedade e a necessidade e o interesse dos profissionais de comunicação social em inteirar-se dos problemas do Poder Judiciário, estão levando a um grau de amadurecimento nas relações entre estes profissionais de origem e formação tão diferentes.

Seminários, estudos, compreensão mútua, estão tornando estas relações mais próximas e menos conflituosas. Por parte dos órgãos de comunicação já é certo que os que tratam deste tipo de jornalismo devem ser especializados, não apenas tecnicamente, mas no modo de lidar com os profissionais da Justiça. Do lado dos magistrados e membros do MP já existe a noção de que aquele (ou aquela) jovem, com trajes informais e perguntas diretas (nem sempre simpáticas), está cumprindo seu dever profissional e deve merecer tratamento correspondente.

Em suma, como bem lembra Boaventura de Souza Santos, em “Tribunais e Comunicação Social”, “há que encontrar novas vias que nos façam sair da opção entre tribunais reality shows e tribunais socialmente distantes e incomunicáveis”.[iv] O fato é que, neste mundo mediático e com fronteiras enfraquecidas, comunicar-se passou a ser um dever do Poder Público, inclusive do Judiciário.

 


[i] http://www.justicaindependente.net/posicoes/a-relacao-dos-tribunais-com-a-comunicacao-social.html

 

[ii] http://users.elo.com.br/~ekss/carta96.htm

[iii] http://portal.cjf.jus.br/cjf/eventos/iv-encontro-nacional-dos-assessores-de-comunicacao

[iv] http://www.ces.uc.pt/opiniao/bss/091.php

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