Licença para oposição

Ameaça de extinguir DEM segue figurino venezuelano

Autor

  • Paulo Brossard

    é advogado ex-deputado federal ex-senador ex-ministro da Justiça e do Tribunal Superior Eleitoral e ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal.

24 de setembro de 2010, 14h06

Os últimos acontecimentos sediados na Casa Civil da Presidência da República tiveram como consequência próxima a demissão da ministra-chefe daquele departamento do Poder Executivo, embora dulcificado com o pseudônimo de pedido de demissão em caráter irrevogável para facilitar a defesa da envolvida, são de indisfarçável gravidade; neles nem falta o mau cheiro da corrupção; e, como não possuo o conjunto dos elementos necessários à formulação de juízos acerca de pessoas envolvidas diretamente ou indiretamente atingidas, não quero adiantar-me aos fatos. Assim, deixo em aberto a análise do chocante episódio, passo a outro, cronologicamente anterior, mas que de certa forma se liga ao da Casa Civil.

Tenho para mim que o episódio de Santa Catarina marca período distinto. O partido oficial apresentava correntes internas, que foram perdendo força e autonomia à medida que o presidente apossou-se de acervos valiosos de outras origens, que lhe asseguraram maioria antes não possuída; mediante a criação de novos ministérios seu abrigo foi fácil. Afinal, na linguagem do Chimango,

“O povo é como o boi manso,/ Quando novilho atropela,/ Bufa, pula, se arrepela,/ Escrapeteia e se zanga;/ Depois… vem a lamber a canga/ E torna-se amigo dela.

Home é bicho que se doma/ Como qualquer outro bicho;/ Tem, às vezes, seu capricho,/ Mas logo larga de mão;/ Vendo no cocho a ração,/ Faz que não sente o rabicho.”

O fato é que, com a arte na cabeça e a caneta na mão, o presidente ficou com tal domínio, que foi capaz de escolher unipessoalmente a sua sucessora, sem que ninguém piasse e em silêncio ratificasse a escolha, quando esta, por lei, competia à convenção partidária.

Não hesitou em lançar-se à órbita internacional, indicando-se modestamente a dois postos de alto relevo, a secretaria da ONU e o Banco Mundial, e ao mesmo tempo lançou vínculos no Irã, e ainda pretendeu cerzir a paz entre israelenses e palestinos, visagens que causaram dolorosa repercussão. Nada disso entibiou o bravo arauto, que, em comício em Santa Catarina, o presidente se esqueceu de que era presidente. Presidente da República é a mais alta autoridade singular da nação e não pode agir como representante de uma parcialidade. Não me recordo de um presidente que tenha procedido assim. O pior, todavia, ainda estava por vir. Decretou a extinção de um partido, quando o presidente não tem competência para fazê-lo nem mesmo pretender por via do Tribunal Superior Eleitoral. A mim, parece que ele excedeu todos os limites permissíveis no uso de seus abundantes poderes. No Brasil, os partidos, todos eles, foram extintos em 37, como um passo na instalação da ditadura, no auge do período ditatorial em 65, pelo AI-2, e mais tarde em 81, quando declinava o regime autoritário na ânsia de salvar-se. Agora, o presidente quer eliminar um partido e lança essa insana ameaça num comício eleitoral quando a vida partidária é da competência da Justiça Eleitoral, cujos poderes a respeito são marcados por lei.

Mas não é tudo. O presidente da República quer extinguir um partido que lhe faz oposição, como se esta não fosse tão necessária e útil à economia da sociedade como a ação do governo. Ou se a oposição necessitasse de licença do governo para cumprir o seu dever. Mas o presidente não ficou aí, para exorcizá-la trouxe à praça a figura de homem público que foi deputado, senador, governador, ministro, embaixador… e cuja família, faz pelo menos 80 anos, tem presença marcante naquele Estado. Lembro-me que Victor Konder foi ministro de Washington Luis desde 1926, também é sabido que durante anos disputou com os Ramos, tendo Nereu Ramos à frente, a primazia política em Santa Catarina.

Por Deus, já vi muita coisa, mas não vira coisa parecida entre nós. O figurino lembra o da Venezuela do coronel Chávez. Trata-se de importação bolivariana. É demais. Mas quem faz isso ou quem se permite fazer isso permite igualmente outras práticas pouco “republicanas”, como agora se tornou moda dizer.

[Artigo publicado originalmente no jornal Zero Hora, em 20 de setembro de 2010.]

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  • Brave

    é advogado, ex-deputado federal, ex-senador, ex-ministro da Justiça e do Tribunal Superior Eleitoral e ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal.

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