Ficha Limpa

Condição moral para função pública não é pena

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20 de setembro de 2010, 17h02

Segundo Sócrates, virtude é conhecimento, e a ignorância sobre o que é coragem torna impossível qualquer ação em concordância com a verdadeira natureza da coragem. (…) Porque o fracasso em encontrar uma definição de coragem como uma virtude entre outras virtudes revela um problema básico da existência humana. Mostra que uma compreensão de coragem pressupõe uma ompreensão do homem e de seu mundo, suas estruturas e valores Só quem sabe isto sabe o que afirmar e o que negar. A questão ética da natureza da coragem conduz de forma inevitável à questão ontológica da natureza do ser. (TILLICH, Paul, “A Coragem de Ser” (“The Courage To Be”), trad. De Eglê Malheiros, Ed. Paz e Terra, 3ª e,, Rio de Janeiro-RJ, 1976, p. 2);

A “Lei da Ficha Limpa” (Lei Complementar 135/2009) não é irretroativa simplesmente porque não impõe punição a quem quer que seja. Apenas, estabelece condições para o exercício da função pública de parlamentar, como a de exigir reputação ilibada para o exercício de função pública, máxime de cargos políticos. É por inteira constitucional, porque observa o princípio jurídico disposto no artigo 37 da Constituição Federal, máxime, tratando-se do requisito da moralidade. E, assim sendo, a sua vigência é imediata.

Não teria sentido axiológico a vacatio legis de um ano para sua entrada em vigor, de vez que a condição de moralidade não pode estar sujeita ao mero transcurso do tempo, para a sua desqualificação. Para ser claro: um candidato sem esta condição de moralidade não pode ser, pela mesma razão, considerado inelegível somente depois de um ano, e elegível hoje. Não teria o menor sentido lógico, muito menos axiológico.

A moralidade é sempre exigível a qualquer tempo, ainda que não houvesse lei impositiva, pois é condição genérica de toda norma ética social, da qual não está alheia nenhuma norma jurídica material ou processual. Da lei que impôs a Ficha Limpa como condição do exercício de qualquer função pública, principalmente de representante do povo, não há falar, juridicamente, em irretroatividade — restrita às leis que estabelecem sanções para ilícitos penais ou civis, comerciais, tributários, trabalhistas ou políticos. Essas sanções são aplicadas somente pelos poderes competentes, quer judiciários ou administrativos, por meio de decisões respectivas das autoridades competentes, para casos concretos. Vale dizer: para punir pessoas devidamente determinadas e julgadas.

Ora, a Lei da Ficha Limpa não pune ninguém antecipadamente. Trata-se não de uma inusitada e insólita sanção coletiva, mas de estabelecimento de condições de moralidade, assim como as que exigem também condições técnicas ou de especialidades de profissão, a exemplo do exercício do cargo de juiz, sujeito a comprovação de conduta ilibada, além de concurso público de provas e títulos. E que dizer dos políticos que não estão sujeitos a nada e ainda fazem força para escapar da exigência legal da demonstração de preenchimento das exigências morais da legislação que eles mesmos — pelo menos muitos deles — aprovaram.

E, mais. Apenas ad argumentandum, por amor ao debate, a se admitir a irretroatividade da juridicamente mal discutida Lei da Ficha Limpa, teríamos a singularidade da dedução que os parlamentares e o próprio STF, concessa venia, sem qualquer discussão, adotam a irretroatividade da lei inconstitucional para ferir atos jurídicos perfeitos — conforme o artigo artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal. São exemplos os decretos de aposentadoria dos juízes, assinados e publicados no Diário Oficial da União, com prejuízo para os aposentados, ou seja, para que é moralmente ilibado, se admite a continuidade do desconto previdenciário. Agora, pretendem muitos livrar os pretensos candidatos a cargos políticos já reconhecidos pelo TSE e TREs como sem as comprovadas condições de moralidade.

Noutras palavras, condenam ou prejudicam os que são corretos e absolvem os que não o são. Máxime, quando, muito antes, estes últimos já se autoincriminaram. Estranho este país. Será que algum dia se responderá a contento: que país é este?

Diz uma oração inglesa, para aqueles que têm coragem de ser, ipsis litteris:

God grant me the serenity to accept the things I cannot change… Courage to change the things I can, and Wisdom to know the difference…”

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