Ilegitimidade do MP

TJ-SP suspende bloqueio de contas de Abdelmassih

Autor

15 de setembro de 2010, 10h20

Os bens móveis e imóveis do médico Roger Abdelmassih e de seu sócio Vicente Ghilardi Abdelmassih, donos da Clínica de Andrologia São Paulo, não estão mais indisponíveis. O bloqueio de suas contas e aplicações financeiras foi suspenso. A decisão, por maioria de votos, foi tomada pela 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ainda cabe recurso (embargos infringentes) ao próprio TJ paulista.

Roger Abdelmassih é acusado pelo Ministério Público, com base no Código de Defesa do Consumidor, de danos morais e patrimoniais a pacientes que recorrem ao seu trabalho de reprodução humana assistida. O MP pede na Ação Civil Pública, além da reparação dos danos, para ter acesso aos contratos dos exames feitos nas pacientes, esclarecimentos sobre a técnica usada pelo médico e informações sobre o material excedente e o seu descarte. Em Ação Penal, Abdelmassih é acusado de crimes sexuais contra mais de 50 mulheres que se submeteram a sua técnica de fertilização.

A maioria da turma julgadora que apreciou o recurso da defesa sustentou a tese de ilegitimidade ativa do Ministério Público para propor Ação Civil Pública. A falta de legitimidade se daria na defesa dos danos eventualmente sofrido pelos pacientes do médico e da clínica. A decisão, ao mesmo tempo extinguiu a cautelar de arresto dos bens e pôs fim a Ação Civil Pública que corria em uma das varas cíveis centrais da capital.

A tese vencedora sustentou que a proteção pretendida pelo Ministério Público envolve direitos individuais disponíveis, que deve ser buscada por meio de ação própria pelas pessoas lesada. De acordo com o desembargador Donegá Morandini, relator do recurso e responsável pelo voto vencedor, o direito individual terá que ser indisponível para que sua defesa possa ser feita por meio de Ação Civil Pública.

“O eventual direito de cada paciente dos recorrentes é identificável, divisível e quantificável, comportando postulação pelo seu próprio titular, na exata medida do seu respectivo interesse, o que, per si, extrai do Ministério Público a necessária legitimidade para as demandas (cautelar e principal)”, afirmou o desembargador Donegá Morandini.

Para Morandini, quando os direitos individuais, mesmo que homogêneos, não tiverem repercussão no patrimônio social, não caberá ao Ministério Público a atribuição de defesas desses interesses e direitos. Quando é esse o caso, a tutela cabe individualmente aos seus titulares.

A tese de Morandini foi contestada pelo desembargador Beretta da Silveira. Este se valeu do Código de Defesa do Consumidor para apontar a legitimidade do Ministério Público de propor Ação Civil Pública em casos de interesses individuais homogêneos.

O voto divergente sustenta que em casos de interesses e direitos individuais homogêneos, quando seus titulares sofrem danos na condição de consumidores, só podem ser protegidos por meio de ação coletiva. Para Beretta da Silveira, não é qualquer direito individual que estaria sob o manto da Ação Civil Pública, mas apenas aquele que tenha vinculação direta com o consumidor. Segundo Beretta da Silveira, os interesses individuais homogêneos não são resultado da natureza individual, disponível e divisível, mas de sua origem comum. Segundo ele, desde que se violem direitos pertencentes a um número determinado ou determinável de pessoas ligadas pelo mesmo fato.

“Muito embora se possam individualizar tais pessoas submetidas a essa relação consumerista e homogênea, como também dimensionar em fase de execução de sentença os danos por elas experimentados, o tratamento coletivo que se lhes dá vai ao encontro do pensamento de que, sendo possível resolver o litígio com apenas uma ação que tenha reflexos para muitos, não haveria muito sentido se exigir que muitos ajuízem ações que serviria apenas para aumentar o número de processos perante um Judiciário já assoberbado”, justificou Beretta.

O recurso
Na decisão desta terça-feira, o Tribunal de Justiça atendeu recurso dos médicos contra a liminar da juíza Adriana Sachsida Garcia. Em novembro do ano passado, a magistrada havia determinado a indisponibilidade dos bens e o bloqueio das aplicações financeiras dos acusados — sócios da clínica. Foi com o intuito de garantir o pagamento de eventuais indenizações, que o Ministério Público pediu em cautela o arresto dos bens.

A defesa dos réus sustentou o descabimento do bloqueio do capital de giro da clínica e o arresto dos bens de seus clientes. Segundo os advogados, o arresto impossibilitaria o funcionamento normal da clínica e impediria a vida normal dos dois sócios. No entanto, o bloqueio determinado no despacho da juíza de primeiro grau limitou o arresto ao valor da causa, que era de R$ 100 mil.

Na liminar, a juíza de primeira instância afirmou em seu despacho que havia risco para justificaria o receio do Ministério Público de que os réus se livrassem do patrimônio ou que se sentissem tentados a adotar medidas com esse objetivo para excluir bens pessoais que possam servir para reparação das vítimas.

A juíza atendeu pedido do promotor de Justiça Roberto Senise Lisboa em ação cautelar de arresto de bens. O representante do Ministério Público alegou que os réus violaram os direitos garantidos pelo Código de Defesa do Consumidor. De acordo com o entendimento do Ministério Público, eles teriam assegurado falsamente o sucesso do tratamento de reprodução assistida, deixado de fornecer uma via do instrumento de contrato feito com os clientes e cópias de exames  das pacientes.

Ainda segundo a ação, os acusados não prestaram informações plenas e adequadas sobre as consequências dos procedimentos adotados, e constrangeram os clientes a assinar termos de consentimento informado. De acordo com o MP, os acusados se valeram da situação de inferioridade em que se encontravam os pacientes e omitiram informações relevantes quanto à utilização e destinação do material biológico excedente.

O médico responde também a ação penal na 16ª Vara Criminal da Capital. O processo é presidido pela juíza Kenarik Boujikian Felippe. Abdelmassih chegou a ficar preso de 17 de agosto a 24 de dezembro de 2009. O então presidente do Supremo Tribunal Federa, Gilmar Mendes, concedeu ao médico o direito de responder o processo criminal em liberdade.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!