Enigma da esfinge

Ficha Limpa não viola a presunção de inocência

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9 de setembro de 2010, 13h50

Ouve-se, principalmente, na linguagem popular que a Justiça Eleitoral é sazonal e que só funciona e existe nos anos que se têm pleitos. Na verdade, os Tribunais Eleitorais funcionam e existem exatamente como os demais que compõem o Poder Judiciário. Entretanto, nos anos de eleições os holofotes são todos a eles direcionados e as emoções políticas se afloram e se inflamam.

Como dizia o Saudoso Político Mineiro Tancredo de Almeida Neves, “eleição é emoção”. E é essa emoção que faz com que temas eleitorais sejam elevados a números exponenciais nas vésperas dos pleitos e depois, com a mesma velocidade, se arrefecem e dão a impressão, especialmente àqueles que não estão acostumados com a vida do direito, que submergiram para o silêncio das profundezas, podendo emergir novamente dentro de quatro anos.

E é isso que está acontecendo com a Lei Complementar 135, de 04 de junho de 2010, e publicada no Diário Oficial da União do dia 7 de junho de 2010, que atende pela alcunha de Lei da Ficha Limpa. Certamente, não fossem as eleições de 2010, as discussões sobre esta lei existiriam no seio de Poder Judiciário, mas sem sofrer as influências das emoções políticas do pleito que se avizinha.

A lei está aí, votada e aprovada pelo Legislativo e sancionada pelo Presidente da República. Faz parte do ordenamento jurídico e nenhum magistrado pode simplesmente ignorá-la, como se ela não existisse no mundo jurídico. Entretanto, qualquer magistrado pode deixar de aplicar uma lei se considerá-la inconstitucional.

Aqui, as emoções políticas inflamam, também, o debate jurídico. Há aqueles que defendem a constitucionalidade e a aplicação imediata da LC 135/10. Outros, mais radicais, entendem que ele é inconstitucional, pelos motivos e razões que serão abaixo demonstradas. Há aqueles que defendem que a lei é constitucional e que a sua aplicação para o pleito de 2010 é que seria inconstitucional.

O operador do Direito não pode se deixar inflamar pelo brado das ruas. É neste cenário, sem nos deixar influenciar pelas emoções político-eleitorais, que tentaremos demonstrar o acerto da tese defendida por aqueles que defendem a constitucionalidade e a aplicação imediata da LC 135/10.

Um breve sobrevoo
A LC 135/2010 teve sua origem na iniciativa do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e que reuniu mais de 1,6 milhão de assinaturas.

A sua tramitação foi catalisada pela abertura da “Caixa de Pandora[2]” no Governo do Distrito Federal, pela magnitude das denúncias, pela coleção de vídeos capaz de dar inveja a qualquer blockbuster e, principalmente, pelas pressões populares e da mídia.

O artigo 14 da Carta da República de 1988 estabeleceu as condições básicas de elegibilidade e inelegibilidade. Estabeleceu, porém, que, por meio de Lei Complementar, outras hipóteses de inelegibilidade poderiam ser estabelecidas.

Foi dentro deste contexto constitucional que a Lei Complementar 135/2010 foi editada, alterando a LC 64/1990, para estabelecer, de acordo com o artigo 14, parágrafo 9º, da CF/1988, outros casos de inelegibilidade, além daqueles já constantes do artigo 14, e os prazos de sua cessação, sempre a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada a vida pregressa do candidato e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração pública.

Dentre os pontos mais importantes, está o artigo 1º, inciso I, alíneas “d”, “e”, “h”, “j”, “l” e “n” da LC 64/1990, alterados pela LC 135/2010, onde estão os casos de inelegibilidade daqueles que forem condenados por um colegiado de Magistrados, ainda que a decisão final não tenha transitada em julgado.

O primeiro ponto a ser abordado neste artigo diz respeito à (in)constitucionalidade da LC 135/2010. Em seguida, abordaremos a questão da aplicabilidade da LC 135/2010 às eleições de 2010.

Da presunção de constitucionalidade
É de conhecimento geral que as disposições legais se presumem constitucionais até que o Poder Judiciário pelo Controle Difuso ou Concentrado de (IN)Constitucionalidade assim declare[3]. No Escol do Professor Inocêncio Mártires Coelho[4]: “…presumem-se constitucionais os atos do Congresso; na dúvida, decide-se pela sua constitucionalidade…”[5].

Clèmerson Merlin Clève diz que “incide sobre a lei, em princípio, uma presunção juris tantum de validez, conseqüência do atestado de seu trânsito regular por todas as fases do procedimento legislativo.”

Os projetos de lei são analisados nas duas casas legislativas (artigo 65 da CF/1988), mas antes, passam pelas Comissões de Constituição e Justiça. Após os projetos serem analisados, votados e aprovados pelo Poder Legislativo, eles são encaminhados ao Presidente de República que pode vetá-los quando entender, i.e., que a Constituição está sendo violada (artigo 66 da CF/1988).

Então, a simples existência de uma lei já demonstra que ela passou por várias esferas que analisam a sua (in)constitucionalidade e, se foi aprovada e está vigente, é porque todas as esferas concluíram pela sua constitucionalidade. Daí a presunção de constitucionalidade que paira sobre ela[6].

O ex-Presidente da Suprema Corte dos EUA, William H. Rehnquist[7], dizia que, para ele, a presunção de constitucionalidade que paira sobre toda e qualquer lei vigente “faz muito sentido”. Segundo ele, se a Suprema Corte cometesse um equívoco julgando uma lei inconstitucional como constitucional, o resultado do equívoco seria deixar toda a nação com uma lei votada e aprovada pela popularidade dos membros escolhidos pela sociedade para a Câmara dos Deputados e para o Senado Federal e sancionada pelo Presidente da República com toda a sua representatividade popular. Por outro lado, se a Suprema Corte equivocadamente entender que uma lei constitucional é, na sua visão, inconstitucional, o erro seria muito mais grave. A Corte, neste caso, estaria anulando uma lei constitucional, com representatividade popular, votada e aprovada pelos membros eleitos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, não por ser ela contrária a um princípio constitucional, mas sim pela visão particular de cada um dos membros da Corte que formaram uma maioria.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que “a lei goza, no ordenamento jurídico brasileiro, da ‘presunção de constitucionalidade, assim como os atos administrativos gozam da presunção de legalidade, que nenhum julgador pode, monocraticamente, afastar com duas ou três linhas em exame de mera delibação”[8].

A presunção de constitucionalidade da lei atrai o ônus da prova de sua inconstitucionalidade para aquele que alega[9].

Certa ou errada a Lex (gênero) deve ser cumprida e aplicada[10]. Caso seja contrária à princípios constitucionais ou normas hierarquicamente superiores, ações ou procedimentos próprios deverão ser tomados com o intuito de anulá-las, retirando-as de nosso ordenamento jurídico[11].

Arnaldo Rizzado[12] diz que “existem leis injustas, que se chocam contra princípios constitucionais. É meta suprema dos juízes fazer justiça, mesmo que se defrontando com uma lei injusta. Não lhe compete, porém, decidir se a lei apresenta-se ou não injusta. Permite-se que julgue contra a lei unicamente quando encontra um amparo superior, ou se a lei contraria uma outra lei de hierarquia mais elevada, ou a Constituição Federal”.

Alguém, então, poderia perguntar: É lícito ao Magistrado deixar de aplicar a LC 135/2010 por outro motivo que não seja a sua inconstitucionaliade? Com a resposta o já lembrado Arnaldo Rizzado[13] que, citando decisão do Supremo Tribunal Federal, diz que “é lícito ao juiz interpretar a lei, porém não lhe é facultado revogá-la ou deixar de aplicá-la”[14].

Maria Luiza Machado Granziera[15] diz que “o desrespeito à lei gera insegurança jurídica e fere o princípio da isonomia”.

Como lembra o Saudoso Geraldo Ataliba[16] “não é aos tribunais, não é ao Poder Judiciário que se vai pedir justiça contra a lei”. Logo, parafraseando Ataliba, não é aos tribunais, não é ao Poder Judiciário que se vai pedir justiça contra a Lei da Ficha Limpa.

Somente se declara a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de um ato, inclusive do legislativo, quando não houver outra alternativa, agindo, assim, por absoluta necessidade. O Juiz L. Hand, citado por John E. Nowak e Ronald D. Rotunda[17], diz que “há de se ter em mente o princípio de que o poder de uma Corte de Justiça em anular um ato de outro Poder deve ser exercitado raramente e somente quando houver absoluta necessidade. Este poder deveria ser exercitado apenas e por absoluta necessidade para se evitar a violação de um claro e importante princípio constitucional”[18]. Se a Corte puder interpretar a lei em um sentido que não seja contrário à Constituição[19], assim deve proceder para salvá-la da declaração de inconstitucionalidade: “Quando uma lei é impugnada perante o Judiciário por suposta inconstitucionalidade, a Corte deve antes verificar da possibilidade dela ser razoavelmente interpretada de maneira e evitar a sua inconstitucionalidade”[20]. Antes disso, em julgamento que data de 1811, a Suprema Corte dos EUA, em decisão de lavra do Chief Justice Tilghman, já decidia que um ato do legislativo somente deveria ser declarado nulo (inconstitucional) se não houvesse espaço para a sua interpretação conforme à Constituição[21].

A declaração de inconstitucionalidade não se confunde com a lei boa ou má[22]. John E. Nowak e Ronald D. Rotunda[23] lecionam que uma questão constitucional não se confunde com boas ou más políticas públicas e William Rehnquist[24] entende que o fato de uma lei ser tida como injusta, não deve, por si só, ser motivo para sua invalidade. Se não houver qualquer inconstitucionalidade e a questão for apenas de saber se a lei é boa ou má, o Judiciário deve se abster de declarar a lei nula ou inválida, mantendo aquilo que o Legislativo aprovou[25], conforme já decidiu a Suprema Corte dos EUA em decisão cuja relatoria coube ao Justice Black[26]. Por este motivo é que o professor Laurence H. Tribe[27], da Universidade de Harvard, diz que “a falta de inteligência da legislação ou da lei não é, de per se, uma inconstitucionalidade”.

Então, julga-se em conformidade com a lei e deixa-se de aplicá-la somente quando for o caso dela estar em contradição com preceitos de maior monta encontrados na Constituição. Nesses casos, o Judiciario deve adotar o rito dos artigos 97 da CF e 480 e 481 do CPC para o controle concreto/difuso de inconstitucionalidade ou as acoes diretas (artigos 102 e 103 da CF/1988) perante do STF.

Pede-se licença para citar o seguinte precedente do STF, verbis:

“Não pode o Juiz, sob a alegação de que a aplicação do texto da lei à hipótese não se harmoniza com o seu sentimento de justiça ou de equidade, substituir-se ao legislador para formular de próprio a regra de direito aplicável”.

Do voto do Relator, Ministro Oscar Corrêa, colhem-se as seguintes lições, verbis:

“Que não está o Juiz adstrito à letra da lei, não se nega; Que o fundamento moral da aplicação do texto legal não lhe é estranho, não se objeta; Que a equidade, os fins sociais, o bem comum devem inspirá-lo, não só se reconhece, de consciência, como se afirma em disposição expressa. Mas, por outro lado, que o Juiz não se substitui ao legislador e não julga contra-legem; Que não despreza e descumpre a norma impositiva, é tanto regra jurídica como regra moral: porque seria imoral que se autorizasse o Juiz a negar a aplicação à lei sob o fundamento moral de que sua consciência a ela se opunha. Estabelecer-se-ia o reino do arbítrio, da vontade de cada um, erigida em juízo soberano. O que equivaleria a não haver juízo que pudesse impor-se a todos”.

Em resumo, como ponderou o Ministro Oscar Corrêa, não é contrariando a lei que se constrói o Direito. O arbítrio deve sempre ser combatido, ainda que proveniente do Poder Judiciário:

“O Poder não fundado na lei, o Poder contra a lei, é o Poder discricionário. É, exatamente, o Poder que a lição da História nos ensinou a odiar, porque é o Poder dos tiranos. É o Poder que aprendemos a odiar, mesmo quando esse Poder esteja nas mãos dos juízes”[28].

Logo, como lembra Flávio Luiz Yarshell,[29] deve o julgador se submeter à lei, o que, como observou Carlos Maximiliano[30], é útil para o povo e para o juiz:

“Constitui, para este, um vínculo, um grilhão, limite ao seu império; outrora o julgador deliberava de acordo co ma sua consciência; a desconfiança popular cobriu-o com a lei; serve este de couraça, para ele, contra a maledicência, mas também o amarra e imobiliza de modo que lhe não permite o anseio da onipotência”.

Oportuna a lição de Júlio Fabbrini Mirabete[31] para quem

“deve o juiz julgar de acordo com a vontade da Lei. É ela a primeira fonte do Direito e, nas democracias, é o resultado da vontade da maioria dos cidadãos, que elegem seus representantes para, no Legislativo, elaborarem as normas destinadas a regerem a sociedade a que pertencem. Ao exercer o poder jurisdicional, o Juiz deve obedecer a vontade da lei [mens legis] porque esta é a vontade do povo. Ainda que dela discorde, mesmo que lhe pareça injusta, a lei deve ser respeitada pelo Magistrado, aquele cujo primeiro dever é acatá-la”[32].

Não se está aqui propugnando pelo respeito irrestrito à Lex (gênero), pois antes dela, há a Constituição Federal de 1988 que precisamos sempre proteger. A LC 135/2010 deve ter a sua presunção de constitucionalidade garantida e, assim sendo, deve ser aplicada pelo Poder Judiciário. Somente se admite a sua retirada do mundo jurídico se houver efetivamente colisão com princípios de maior envergadura, em estrita observância ao princípio da hierarquia das normas.

O simples afastamento ou a não aplicação da LC 135/2010 sem a adoção do rito trazido pelos artigos 480 e 481 do CPC e 97 da CF/1988 (Cláusula do “Full Bench” ou da Reserva de Plenário) e sem a sua expressa declaração de inconstitucionalidade acaba também por violar a Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal, que assim dispõe:

“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.

Em face do até aqui exposto, claro está que a Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), assim como todas as outras aprovadas pelo Poder Legislativo, possui presunção de constitucionalidade, que somente pode ser afastada se violar, direta e frontalmente, algum princípio constitucional[33], e que o Magistrado não pode, por razões pessoais, simplesmente deixar de aplicá-la.

Da suposta inconstitucionalidade da lei
Parte-se do princípio de que a eliminação e o combate a argumentos contrários a uma determinada tese representam, sempre, um grande progresso, como não cansa de dizer o professor Adrian Vermeule, da Universidade de Harvard[34].

Vozes de peso, dentre elas podemos citar a do Ministro Eros Roberto Grau[35], ecoam no sentido de que a Lei da Ficha Limpa é inconstitucional, por vilipendiar a presunção de inocência que, por imperativo Constitucional, perdura até que se tenha o trânsito em julgado final da decisão.

Data maxima venia do entendimento daqueles que defendem esta tese, creio que somente se pode assim concluir, se entendermos que o princípio da presunção de inocência é um princípio absoluto, superior aos demais.

É o próprio Ministro Eros Roberto Grau quem nos adverte, corretamente, que a Constituição e as Leis não podem ser interpretadas “em fatias”[36].

É desaconselhável um olhar fragmentado da Constituição e das Leis. Não se pode partilhar em fatias o texto constitucional para aferir a intencionalidade de seus autores, eis que estes subscreveram o todo, não os fragmentos da Carta Magna. Não será pinçando o artigo 5º, inciso LVII, da CF/1988 (locus do citado principio) e desprezando ou menosprezendo os demais, que chegaremos à vontade constitucional.

Karl Engisch[37], citando o jusfilósofo Stammler, afirma que “quando alguém aplica um artigo do Código, aplica todo o Código”[38]. Logo, quando se interpreta um artigo da Constituição, está a se interpretar “ela toda”[39].

O jurista, que nada mais é do que o lógico, o semântico e o pragmático da linguagem do direito, há de se debruçar sobre os textos, quantas vezes obscuros, contraditórios, penetrados de erros e imperfeições terminológicas[40], para construir a essência dos institutos, surpreendendo, com nitidez, a função da regra, no implexo quadro normativo[41]. Este mal também afeta a própria Constituição da República de 1988, que está repleta de supostas contradições[42] e imperfeições terminológicas[43].

A norma deve ser interpretada em função da unidade sistemática[44] da ordem jurídica[45]. Paulo de Barros Carvalho[46] alerta que a leitura de um único artigo será insuficiente para a compreensão da regra jurídica. E, quando isso acontece o exegeta se vê na contingência de consultar outros preceitos do mesmo diploma e, até, a sair dele, fazendo incursões pelo sistema[47].

Este também é o entendimento do Supremo Tribunal Federal[48], em decisão de lavra do Ministro Carlos Ayres Britto[49], para quem “é fato que, muitas vezes, o inteiro teor de uma figura de Direito não se contém em um único dispositivo de lei. Cada dispositivo, em verdade, pode não encerrar senão um fragmento de norma. O fragmento restante pode se conter em outro texto ou até mesmo em outros textos do mesmo diploma legal”[50]. Relembrem-se que o Chief Justice Marshall, no conhecido julgamento do caso Marbury v. Madison[51], enfatizou que, se a Corte de Justiça analisa um texto legal, ela deve analisar todos os artigos da lei e, inclusive, a Constituição.

Se ao hermeneuta fosse dado “fatiar” a Constituição, a Lei ou a Legislação e pinçar apenas a parte ou o artigo que lhe convém do texto, desprezando ou menosprezando as demais, a atividade do aplicador da lei certamente invadiria o espaço reservado ao legislador, violando, conseqüentemente, o artigo 2º da CF/1988 (Princípio da Separação de Poderes). “Fatiando” e “pinçando” o aplicador da lei criaria um novo texto legal que, certamente, não refletiria aquele aprovado pelo Legislativo e, até, podendo modificá-lo com os seus “pinçamentos”.

Oportuna é a lição de Francesco Carrara[52] que, sobre o tema, afirma que “nada é pior do que o intérprete colocar na lei o que na lei não está por preferência ou dela retirar o que nela está por não lhe agradar o princípio”.

O caso concreto é imbricado, mas a resposta há de ser encontrada com o ordenamento jurídico posto. Ronald Dworkin leciona:

“Somos advogados, não somos filósofos. O Direito tem sua própria disciplina, seu método próprio. Quando se cursa a Faculdade de Direito, você é ensinado a pensar como advogado e não como filósofo. Advogados não tentam decidir sobre vastas questões teóricas da Moral ou da Teoria Política. Eles decidem sobre assuntos especiais, tratados separadamente, um a um, de forma mais limitada e restrita. Os meios de argumentação dos advogados não são imponentes como aqueles do tratado filosófico, mas simples e confiáveis métodos de análise textual e analógica”[53].

O que se impõe ao intérprete, em hermenêutica construtiva, é a busca de adequada conciliação, pelo critério da razoabilidade, entre os princípios legais em aparente contradição[54].

Nenhum artigo ou princípio constitucional é absoluto[55], prevalecendo, sempre, a interpretação lógico-sistemática da Constituição, conforme nos ensina Laurence H. Tribe[56] e conforme já decidiu a Suprema Corte Norte-Americana[57].

A existência de colisões de normas constitucionais leva à necessidade de ponderação. A subsunção, por óbvio, não é capaz de resolver o problema, por não ser possível enquadrar o mesmo fato em normas antagônicas.

Tampouco, podem ser úteis os critérios tradicionais de solução de conflitos normativos – hierárquico, cronológico e da especialização – quando a colisão se dá entre disposições da Constituição originária.

Neste cenário, a ponderação de normas, bens ou valores é técnica a ser utilizada pelo intérprete, por via da qual ele fará concessões recíprocas, procurando preservar o máximo possível de cada um dos interesses em disputa ou, no limite, procederá à escolha do direito que irá prevalecer, em concreto, por realizar mais adequadamente a vontade constitucional. Conceito-chave na matéria é o princípio instrumental da razoabilidade[58].

Do ponto de vista jurídico, é forçoso admitir que não há hierarquia entre os princípios constitucionais. Ou seja, todas as normas constitucionais têm igual dignidade. Em outras palavras: não há normas constitucionais meramente formais, nem hierarquia de supra ou infra-ordenação dentro da Constituição, conforme asseverou J.J. Gomes Canotilho. Existem, é certo, princípios com diferentes níveis de concretização e densidade semântica, mas, nem por isso, é correto dizer que há hierarquia normativa entre os princípios constitucionais. Com efeito, como decorrência imediata dos princípios da unidade da Constituição (Einheit der Verfassung) e da concordância prática, tem-se como inadmissível a existência de normas constitucionais antinômicas (inconstitucionais), isto é, completamente incompatíveis, conquanto possa haver, e geralmente há, tensão das normas entre si.

O princípio da presunção de inocência do artigo 5º, inciso LVII, convive com outros, principalmente aqueles que sustentam a prisão cautelar[59] do processo penal (Incisos XLIII, XLIV, LXV, LXVI e LXVIII, todos do artigo 5º da CF/1988).

No processo penal, onde o que está em jogo é um dos bens mais importantes de qualquer pessoa[60], a sua liberdade, a presunção de inocência cede espaço a outros princípios constitucionais para possibilitar a prisão cautelar, não só antes do trânsito em julgado da sentença condenatória final, mas, antes mesmo da instauração do processo penal, pois ela é cabível ainda em sede de inquérito policial, onde nem mesmo um processo existe[61].

A interpretação da Constituição quer em processo civil, quer em processo penal deve ser a mesma, como entende a Suprema Corte Norte-Americana[62].

E, não há porque se admitir a ponderação do princípio da presunção de inocência quando se está em jogo a liberdade de uma pessoa e não admiti-lo quando o que se tem é algo muito menor[63].

Seria a consagração de um verdadeiro absurdo que se entendesse que a presunção de inocência poderia ser ponderada para justificar a prisão (forma de restrição à liberdade) de uma pessoa antes mesmo da inauguração do processo penal, ainda em sede de inquérito policial, e que essa mesma presunção de inocência seria absoluta a justificar que mesmo um condenado por um colegiado de magistrados (no Brasil, em segunda instância), não pudesse sofrer uma restrição de um direito seu que, nem de perto, afeta à sua liberadade. Nunca é demais lembrar, com Carlos Maximiliano[64], que o direito deve ser inteligível de forma a não consagrar absurdos[65].

A Constituição deve ser interpretada da mesma maneira para todos, ricos ou pobres, ou seja, para o bem ou para o “mal” de todos e não para o bem de determinadas pessoas e para o mal de outras[66]. Não há interpretação seletiva da Constituição.

A Corte Suprema dos EUA já decidiu que a Constituição pensada e aprovada sob a teoria de que todas as pessoas dos diversos Estados devem “nadar” ou se “afogar” juntas e que a prosperidade da nação, a longo prazo, somente se dará com a união de todos e não com a divisão[67].

Como se vê o princípio da presunção de inocência não é absoluto, nem muito menos tem a abrangência/amplitude propugnada por aqueles que defendem a inconstitucionalidade da LC nº 135/2010, devendo ser lembrado, como já advertiu o Juiz Brandeis, da Suprema Corte Norte-Americana, que “nossos preconceitos não devem se tornar princípios legais”[68].

Há, aqui, um outro ponto que se faz necessário abordar como forma de reforçar o posicionamento defendido no presente artigo, apesar de saber que a sua utilização isolada é de pouca (rectius: pouquíssima) importância para o hermeneuta. Esse ponto é a interpretação topográfica do princípio da presunção de inocência.

Em que pese as críticas que podem advir desse ponto, não se pode deixar de abordá-lo, pois como afirmou o tributarista José Souto Maior Borges[69], “é preferível um erro que decorra de uma tentativa ousada e comprometida com uma construção teórica grandiosa, a uma verdade elementar e até superficial”[70].

Como leciona o professor Adrian Vermeule, da Universidade de Harvard, todas as fontes de informação e de interpretação podem e devem ser usadas[71]. Consequentemente, não podemos desprezar, ainda que seja ad argumentandum tantum, a interpretação topográfica do princípio da presunção de inocência.

O artigo 5º da CF/1988 inaugura o capítulo dos direitos e das garantias constitucinonais e é composto de 78 incisos que tratam de uma verdadeira miríade de temas. O inciso XXXVII do artigo 5º fala que não haverá juízo ou tribunal de exceção. O próximo inciso (XXXVIII) já trata de matéria estritamente penal, com a instituição do júri. O inciso XXXIX diz que não há crime sem lei anteior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. A partir do inciso XXXVIII do artigo 5º da CF/1988 até o inciso LXVIII, nota-se uma feição marcadamente penal/criminal, salvo os incisos LIII ao LVI e LX que se aplicam ao genero processo.

Vê-se, claramente, que o citado preceito está envolto em incisos que tratam estritamente da questão penal, sendo, por isso, um princípio do direito constitucional penal[72] que, até pode ser aplicado aos demais processos, mas sempre lembrando de suas origens e de sua interpretação no processo penal/criminal que não pode ser desarmônica com a de outro processo.

Se a presunção de inocência fosse um princípio absoluto, qual seria a razão de o próprio Legislador Constitucional dizer, nos incisos XLIII e XLIV, em “crimes inafiançáveis” e, no inciso LXVI, em “liberdade provisória” e “fiançaa”? Pergunta-se: Após a condenação e o trânsito em julgado final da sentença condenatória, existe “liberadade provisória” ou mesmo “fiança”?

Como se não bastasse, o inciso LXI do artigo 5º fala que ninguém será preso senão em flagrante delito. Mas, se como defendem os inconstitucionalitas de plantão, a presunção de inocência vigora até o trânsito em julgado final da sentença condenatória, somos, então, obrigados a concluir que a prisão em flagrante delito viola a presunção de inocência? Claramente que não, é a única resposta possível. Ambas têm previsão constitucional.

Se no processo penal, como visto, o princípio sofre temperamentos, inclusive na fase de inquérito policial, qual razão para não sofrer também no presente caso, ainda mais quando o bem em risco, a liberdade, não está em jogo?

Em nenhum outro país o princípio da presunção de inocência tem a amplitude defendida por aqueles que pregam a inconstitucionalidade da Lei da Ficha Limpa por estar, supostamente, em desacordo com o artigo 5º, LVII da CF/1988[73].

De uma forma ou de outra, todos os países possuem em suas legislações a garantia da presunção de inocência que, na verdade, toca a uma questão básica: cabe a quem acusa provar a culpabilidade do réu e, se nada for provado contra ele perante o Judiciário, o réu deve ser considerado inocente[74]. Ou seja, na dúvida, absolve-se[75].

A Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais do Conselho da Europa, no seu artigo 6.2, diz que qualquer pessoa acusada de um crime deve ser considerada inocente até prova em contrário em conformidade com a lei[76]. O artigo 48 da Convenção de Direitos Fundamentais da União Européia repete, ipsis litteris, o citado preceito.

O artigo 11, aliena d, da Constituição Canadense, inserido em Capítulo reservado aos Direitos e Liberdades, estabelece que qualquer pessoa acusada de um crime tem o direito de ser considerada inocente até que se prove a sua culpabilidade em conformidade com a lei e em audiência pública e justa em tribunal independente e imparcial[77].

Na França, a Constituição da República não consagra expressamente a presunção de inocência. Entretanto, o artigo 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de valor constitucional, estabelece que todos são presumidos inocentes até que sejam declarados culpados[78].

O artigo 49 da Constituição Russa é tão analítico quanto o brasileiro e diz que todo acusado de um crime deve ser considerado inocente até que sua culpabilidade seja provada em conformidade com a lei federal e estabelecida por uma sentença válida exarada por uma Corte de Justiça. E, continua, que o réu não pode ser obrigado a provar a sua inocência e que a dúvida deve ser interpretada sempre em favor do réu.

Já a Declaração Universal dos Direitos dos Homens, no seu artigo 11, estabelece que toda pessoa acusada de um crime goza da presunção de inocência até que sua culpabilidade seja provada de acordo com a lei em um julgamento público, no qual ele tenha tido as garantias necessárias para a sua defesa[79].

O que se quer demonstrar é que, com mais ou menos palavras e das suas próprias maneiras, todos os países consagram a presunção de inocência e que tal princípio não veda a prisão de um acusado antes da sentença penal final, pois há outros princípios que, também, devem ser respeitados no juízo concreto de ponderação[80].

Nos EUA, assim como aqui no Brasil, a presunção de inocência é utilizada na prática para a soltura de acusados antes de suas condenações. Entretanto, a 8º Emenda Constitucional Norte-Americana, e que trata da ilegalidade da fiança excessiva, é utilizada como fundamento jurídico-constitucional para que réus que sejam acusados de crimes hediondos e que coloquem em perigo ou risco a sociedade permaneçam encarcerados antes mesmo de suas condenações definitivas. Só se fala em “fiança excessiva” (excessive bail) antes da condenação definitiva. Lá, como aqui, a presunção de inocência é relativa.

No Canadá, conforme decidido pelo Justice Lamer, no caso R v. Pearson[81], o princípio da presunção de inocência não significa que não possa sofrer restrições na sua liberdade antes de sua condenação por uma Corte de Justiça. A seção 9 da Constituição Canadense fala em “prisão arbitrária” e a 11, aliena “e”, fala do direito do preso de não ter negado o direito a fiança em valor razoável imotivadamente. Em face destes preceitos constitucionais foi que o Judiciário Canadense decidiu que há a possibilidade de se realizar a prisão de um acusado antes de sua condenação por um juiz.

Enfim, não se tem notícia de nenhum ordenamento jurídico onde o princípio da presunção de inocência seja um princípio absoluto, impedindo a restrição de liberdade do réu em todas as situações.

A experiência internacional constante do presente trabalho foi trazida como argumentação para as conclusões. Não se propugna a adesão deste ou daquele modelo de constituição. Entretanto, as experiências internacionais são sempre de grande valia, pois nossos problemas constitucionais e legais não são exclusivos e nada impedem que possamos aprender com lições de outras plagas. O próprio ex-Presidente da Suprema Corte dos EUA, William H. Rehnquist, em 1993, já observava que, considerando que o direito constitucional já estava enraizado em muitos outros países, já era hora daquela Corte Suprema começar a olhar as decisões de outras cortes constitucionais para auxiliar nas soluções dos casos por ela enfrentados e julgados[82]. Um ano após a advertência do Juiz-Presidente da Suprema Corte dos EUA, William H. Rehnquist, de que se utilizasse a experiência de cortes constitucionais de outros países na solução dos casos por ela examinados, julgou-se o caso Holder v. Hall e a decisão final se baseou em casos semelhantes julgados na Bélgica, Chipre, Líbano, Nova Zelândia, Alemanha Ocidental e Zimbábue[83].

Da não violação e da aplicação
É muito mais fácil propugnar pela aplicação do artigo 16 da CF/1988 e dizer que a LC 135/2010 somente terá validade para as próximas eleições. Entretanto, ao jurista não cabe adotar o caminho mais simples, mas sim construir o caminho constitucionalmente aceito, ainda que seja o mais espinhoso[84].

Vejamos o que diz o artigo 16 da Carta Magna de 1988, verbis: “Art. 16. A lei que altere o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

A Constituição é sobejamente clara ao restringir, no seu artigo 16, que somente a “lei” que altere o “processo eleitoral” (norma instrumental). Tudo aquilo que não for “processo eleitoral”, ainda que venha a atingir direitos políticos e as eleições, não está abrangido pelo citado artigo.

Normas de direito processual eleitoral e de direito “material” eleitoral são distintas, como bem nos presenteou o Ministro Moreira Alves na ADIN 354/1990 com brilhante lição, verbis:

“O que é certo é que processo eleitoral é expressão que não abarca, por mais amplo que seja o sentido que se lhe dê, todo o direito eleitoral, mas apenas o conjunto de atos que estão diretamente ligados às eleições.

(…)

A meu ver, e desde que processo eleitoral não se confunde com direito eleitoral, parte que é dele, deve-se entender aquela expressão não como abrangente de todas as normas que possam refletir-se direta ou indiretamente na série de atos necessários ao funcionamento das eleições por meio do sufrágio universal – o que constitui o conteúdo do direito eleitoral -, mas, sim, das normas instrumentais diretamente ligadas à eleições (…).

Note-se, porém, que são apenas as normas instrumentais relativas às eleições, e não as normas materiais que a elas de alguma forma se prendam. Se a Constituição pretendesse chegar a tanto não teria usado da expressão mais restrita que é ‘processo eleitoral’(…)”

Diferentemente seria se o legislador constitucional tivesse dito, no citado artigo 16, a lei que, de qualquer modo, afete as eleições (norma de direito material) entrará em vigor na data de sua publicação, entretanto, não se aplicará à eleição que ocorra até um ano da data da sua vigência.

Mas, o Legislador Constitucional não quis restringir. Logo, não cabe ao intérprete restringir onde o legislador não restringiu ou inserir palavras na lei[85].

Atente-se para a advertência de Carlos Maximiliano[86], isto a dosar-se a carga construtiva, cuja existência, em toda interpretação, não pode ser negada:

“Cumpre evitar não só o demasiado apego à letra dos dispositivos, como também o excesso contrário, o de forçar a exegese e deste modo encaixar na regra escrita, graças à fantasia do hermeneuta, as teses pelas quais se apaixonou, de sorte que vislumbra no texto idéias apenas existentes no próprio cérebro, ou no sentir individual, desvairado por ojerizas e pendores, entusiasmos e preconceitos”.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que: “Se é certo que toda interpretação traz em si carga construtiva, não menos correta exsurge a vinculação a ordem jurídico-constitucional. O fenômeno ocorre a partir das normas em vigor, variando de acordo com a formação profissional e humanistica do intérprete. No exercício gratificante da arte de interpretar, descabe inserir na regra de direito o próprio juízo – por mais sensato que seja – sobre a finalidade que ‘conviria’ fosse por ela perseguida”[87]. Celso Antônio Bandeira de Mello, citado por Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli[88], repete, ipsis litteris, a lição do STF citada acima[89]. Essa mesma lição também nos é fornecida por Laurence H. Tribe, e por Michael C. Dorf, em obra conjunta:

“(…) é tão ilegítimo se retirar algo que está escrito na Constituição (…) quanto é adicionar algo que lá não se encontra e que desejaríamos que lá estivesse”[90].

Como acentuou Justice Anthony Kennedy[92], da Suprema Corte dos Estados Unidos da América: “Respeitar a Constituição tem um preço. Nós pagamos o preço, alguma frustração, alguma irritação quando vemos os direitos constitucionais terem força”[93]. Neste diapasão, correta a afirmação da Juíza Jutta Limbach, como Presidente da Corte Suprema Alemã (1995) na Revista Deustchland, “só conheço uma medida com que medir: a Constituição do País”[94].

Na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão: “Ao juiz não é permitido mediante ‘interpretação conforme a Constituição’ dar um significado diferente a uma lei cujo teor e sentido resulta evidente” (1 BvL 149/52-53, 11/06/1958).

Na visão do Supremo Tribunal Federal brasileiro desponta a que segue: “Se a única interpretação possível para compatibilizar a norma com a Constituição contrariar o sentido inequívoco que o Poder Legislativo lhe pretendeu dar, não se pode aplicar o princípio da ‘interpretação conforme a Constituição’, que implicaria, em verdade, criação de norma jurídica, o que é privativo do legislador positivo” (STF, RP 1417-7/DF, Relator Ministro Moreira Alves, DJU 15/04/1998)[95].

Impõe-se, aqui, recordar as palavras de William Sutherland[96], a propósito da interpretação das cláusulas constitucionais, verbis:

“Nenhuma Corte de Justica está autorizada a interpretar uma cláusula da Constituição de maneira a contrariar ao seu significado óbvio (…). A Corte não tem o direito de inserir nada na Constituição que lá já não se encontre ou possa estar implícito e, quando o Texto Constitucional não é ambíguo, a Corte não está autorizada a ir além do significado constante do texto”[97].

Assim, não cabe ao intérprete restringir mais, onde o legislador não quis restringir, inserindo palavras no texto ou modificando as existentes por outras.

A Lei da Ficha Limpa é uma Lei Complementar (LC 135/2010) e que busca fundamento constitucional no artigo 14, parágrafo 9º, da CF/1988, sendo certo que a restrição do artigo 16 da CF/1988 se aplica tão somente à lei ordinária que, porventura, altere o “processo eleitoral” (norma instrumental).

E, esta lei é a Lei 9.504/1997 que trata do “processo eleitoral”, dispondo sobre as “coligações” (artigo 6º), as “Convenções para a Escolha de Candidatos” (artigos 7º ao 9º), o “Registro de Candidatos” (artigos 10 ao 16-A), a “Arrecadação e da Aplicação de Recursos nas Campanhas Eleitorais” (artigos 17 ao 27), a “Prestação de Contas” (artigos 28 ao 32), as “Pesquisas e Testes Pré-Eleitorais” (artigos 33 ao 35), a “Propaganda Eleitoral em Geral” (artigos 36 ao 41-A), a “Propaganda Eleitoral na Imprensa” (artigo 43), a “Propaganda Eleitoral no Rádio e na Televisão” (artigos 44 ao 57-I), o “Direito de Resposta” (artigos 58 e 58-A), o “Sistema Eletrônico de Votação e da Totalização dos Votos” (artigos 59 ao 62), as “Mesas Receptoras” (artigos 63 e 64), a “Fiscalização das Eleições” (artigos 65 a 72) e as “Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanhas Eleitorais” (artigos 73 a 78).

O único dispositivo da Lei 9.504/1997 que fala em (in)elegibilidade é o parágrafo 10 do artigo 11 ao estabelecer que: “As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade”.

Ou seja, ninguém tem direito adquirido a elegibilidade pela lei vigente em 2008 ou 2009, mas sim aquela lei vigente no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ou seja, a lei vigente às 19hs do dia 05/07/2010 (artigo 11 da Lei 9.504/1997). De nada adianta o candidato dizer que em 2008, 2009 ou que em 03/06/2010 preenchia todos os requisitos de elegibilidade e que uma nova lei, aprovada em 04/06/2010 (LC 135/2010), não lhe pode retirar esse seu suposto direito adquirido. Não há direito adquirido algum, mas, quando muito, uma mera expectativa de direito.

O fato de a Lei 9.504/1997 não tratar em nenhum momento das hipóteses de (in)elegibilidade demonstra, claramente, que tais hipóteses ou estão na Constituição ou, então, em Lei Complementar, conforme estabelece o artigo 14, parágrafo 9º, da CF/1988 e que tais condições não fazem parte do que o Legislador Constitucional quis significar como sendo o “processo eleitoral”[98].

A lei ordinária que fosse aprovada, em respeito ao artigo 16 da CF/1988, jamais poderia tratar de outras hipóteses de inelegibilidade, pois estas estão diretamente presentes na CF/1988 ou, então, em Lei Complementar, in casu, a LC 64/1990 e a LC 135/2010 (artigo 14, parágrafo 9º, da CF/1988). Isso não era dado ao legislador ordinário fazer, salvo por meio de LC[99].

Não se pode confundir as condições da ação do processo civil e as hipóteses de (in)elegibilidade eleitoral. As primeiras são questões processuais, já as segundas não fazem parte do “processo eleitoral”, pois são anteriores a ele. Somente pode participar do “processo eleitoral” os que, às 19 horas do dia 5 de julho de 2010, preenchiam os requisitos de elegibilidade constantes na CF/1988 e na LC (artigo 14, parágrafo 9º) e não se enquadravam em qualquer hipótese de inelegibilidade.

O STF já decidiu favoravelmente (decisão por maioria de 6 x 5[100] votos) ao que ora se propugna, quando da análise de ação sobre a LC 64, de 18/05/1990 e que foi utilizada nas eleições de outubro/1990[101]. Vejamos a ementa do caso citado, verbis:

“EMENTA – I. Processo eleitoral: vacatio legis (CF, art. 16): inteligência. 1. Rejeição pela maioria – vencidos o relator e outros Ministros – da argüição de inconstitucionalidade do art. 27 da LC 64/90 (Lei de Inelegibilidades) em face do art. 16 da CF: prevalência da tese, já vitoriosa no TSE, de que, cuidando-se de diploma exigido pelo art. 14, par. 9., da Carta Magna, para complementar o regime constitucional de inelegibilidades, a sua vigência imediata não se pode opor o art. 16 da mesma Constituição. II. Inelegibilidade: abuso do exercício do poder (CF, art. 14, par. 9.): inteligência. (…).”

(STF, Pleno, RE 129.392, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ. 16.04.93)

Entretanto, alguns juristas[102] dizem que a decisão data do início da década de 1990 e que a composição do tribunal hoje mudou, sustentando que isso justificaria uma mudança de posição do STF quanto ao tema.

Não se trata de fundamento jurídico-constitucional e se ignora a presunção de que os julgamentos anteriores de um Tribunal estão corretos[103] e, ainda, se ignora que a obediência aos julgamentos anteriores é uma forma de garantir os princípios da segurança jurídica e da isonomia[104].

Thomas G. Hansford e James F. Springs II lecionam que é importante notar que os Magistrados da Suprema Corte não buscam simplesmente proferir decisões que retratem suas preferências pessoais sobre determinada ação pública. Eles buscam, com suas decisões (precedentes), influenciar o modo de ser e de agir da sociedade, bem como dos demais poderes[105].

Estudos indicam que um precedente judicial influencia comportamentos das partes privadas, as ações políticas a serem implementadas pelo Poder Executivo, o Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas, a Câmara Legislativa, bem como as Câmaras de Vereadores[106].

O conhecido Juiz da Suprema Corte Norte-Americana, Justice Marshall, dizia que: “a doutrina do precedente (stare decisis) é importante não apenas pelo fato de as pessoas confiarem nas decisões do Judiciário para estruturarem suas vidas e atividades, mas, também e principalmente, pelo fato de a obediência ao precedente ser parte da concepção do nosso direito de que o Poder Judiciário é uma fonte de julgamentos impessoais e fundamentados”[107].

A doutrina do respeito aos casos julgados (precedentes ou “stare decidis”) é um ponto central do nosso sistema legal e o seu respeito traz uma variedade enorme de benefícios, tais como, clareza, estabilidade, segurança e justiça. Tanto Magistrados, quanto juristas e professores concordam que, por estas razões, as Cortes Superiores e a Corte Suprema devem ter parcimônia ao realizarem a revogação de uma tese já consagrada em um precedente[108].

O fato de o precedente igual ao que ora se analisa ter sido julgado no início da década de 1990, antes de significar uma “fraqueza”, demonstra a sua solidez. A experiência internacional aponta para o lado oposto da conclusão dos E. Juristas que defendem a “fraqueza” de precedentes “velhos”. Thomas G. Hansford e James F. Spriggs II, que se debruçaram sobre a Política dos Precedentes na Suprema Corte Norte-Americana, constataram que na medida em que os precedentes ficam “velhos”, a probabilidade de serem reformados ou revistos é reduzida significativamente[109].

Quanto à alegação de que a composição do STF mudou e que por este motivo há grandes possibilidades de a decisão da década de 1990 não ser respeitada, há de se dito que a Constituição não é um espelho onde se possa ver apenas a imagem da visão do próprio intérprete ou o reflexo que o intérprete tem do humor da sociedade[110]. A decisão do Tribunal reflete a posição da instituição e não “pessoal” de quem quer que seja.

A sociedade não pode partir do princípio de que a mudança da composição de um Tribunal gera a (grande) possibilidade de mudança nos precedentes. Se assim for, estará instaurada a insegurança jurídica, um princípio consagrado na CF/1988 (artigos 5º e 6º).

Esta tese, defendida por poucos, vai de encontro aos princípios vetores que justificaram a aprovação das Súmulas Vinculantes, das Súmulas impeditivas de recurso e do “respeito”[111] aos precedentes da Corte Suprema e dos Tribunais Superiores pelos inferiores. A prevalecer esta tese, o princípio da segurança jurídica estará sempre na berlinda quando a composição de um Tribunal for modificada, não se sabendo como, onde e quando haverá a guinada de 180º e se adotará o “voto banana-boat[112], na feliz expressão cunhada pelo Ministro Humberto Gomes de Barros, do Superior Tribunal de Justiça[113].

Bem analisada a matéria, pode-se concluir que a Lei da Ficha Limpa não viola a presunção de inocência que nunca foi um princípio absoluto, nem no direito penal/criminal que seria mais grave e onde está em risco a liberdade da pessoa humana. Nem muito menos deve a LC nº 135/2010 sofrer as restrições da “anualidade” do artigo 16 da CF/1988, pois a restrição toca apenas ao direito instrumental e as condições de (in)elegibilidade estão previstas no próprio artigo 14 da CF/1988 ou em lei complementar, conforme o artigo 14, parágrafo 9º, da CF/1988, não sendo norma que afete o direito instrumental (“processo eleitoral”).

Ao hermeneuta não lhe é dado adotar o caminho mais simples na solução dos problemas enfrentados. Antes de tudo, o caminho precisa ser o constitucionalmente correto. E, tal como Édipo, no enigma da esfinge, que, primeiro ouviu atentamente o quebra-cabeça, depois ouviu a ameaça – decifra-me ou devoro-te – e, finalmente, proferiu resposta clara e precisa, aqui, no presente caso da Lei da Ficha Limpa, não há o que decifrar, o sistema é claro e limpo, bastando a nós aceitá-lo. E, à “Esfinge”, nada mais lhe restará que, furiosa, se atirar no precipício, assim como ocorreu na mitologia grega.


[1]Esfinge” vem do grego “sphingo” que significa “estrangular”. Diz a mitologia grega que a esfinge teria sido enviada por Hera da Etiópia para Tebas. Ela perguntava a todos que passavam à sua frente sobre o mais famoso quebra-cabeça da história, conhecido como o enigma da esfinge. Dizia ela: “Que criatura pela manhã tem quatro pés, ao meio-dia tem dois e à tarde tem três?”. Depois, vinha a advertência: “decifra-me ou devoro-te”. Ela estrangulava qualquer pessoa inábil a responder. Entretanto, Édipo resolveu o quebra-cabeça, respondendo: “É o homem. Engatinha como bebê, anda sobre dois pés na idade adulta e usa uma bengala quando é ancião”. Furiosa com tal resposta, a esfinge teria cometido suicídio, atirando-se de um precipício.

[2] PANDORA vem do grego e significa “a que tudo possui”. Na mitologia grega, Pandora foi uma mulher criada por Zeus com a ajuda de todos os outros Deuses para punir os homens. Hefesto (Vulcano) moldou sua forma a partir de argila. Afrodite (Vênus) deu-lhe beleza. Febo (Apolo) incutiu-lhe talento musical. Ceres (Deméter) ensinou-lhe a arte da colheita. Atena (Minerva) concedeu-lhe a habilidade manual. Mercúrio (Hermes) dotou-a do dom da persuasão. Poseidon (Netuno) forneceu-lhe um colar de pérolas e a certeza de não se afogar. E, Zeus (Júpiter), antes de enviá-la a Terra como presente a Epimeteu, arrematou a obra e deu-lhe uma série de características pessoais.

Conta a história que Prometeu, irmão de Epimeteu, antes de tudo, lhe havia dito para jamais aceitar qualquer presente ofertados pelos Deuses.

Epimeteu, em um primeiro momento, foi presenteado pelos Deuses com uma caixa que continha todos os males. Desobedeceu seu irmão Prometeu e recebeu a caixa como presente.

Depois, foi a vez dele receber, também como presente, Pandora, a mulher criada pelos Deuses.

Encantado com todos os atributos de Pandora, Epimeteu não somente a recebeu, como também a tomou como sua esposa, descumprindo, novamente, com a recomendação feita por seu irmão Prometeu.

Epimeteu advertiu Pandora, agora sua esposa, que jamais abrisse a caixa que ele havia recebido dos Deuses, pois ela continha todos os males da humanidade. Pandora não se conteve e, por curiosidade, abriu a caixa, de onde todos os males fugiram.

Vendo aquilo, Pandora decidiu rapidamente fechar a caixa, mas, já era tarde demais e, lá dentro, ficou apenas a esperança. Todos os males já tinham saído da caixa para infligir os homens.

[3] O Juiz da Suprema Corte dos EUA, Bushrod Washington, no caso Ogden v. Saunders (25 U.S. 12 Wheat, 213, 270 (1827) dizia sobre a presunção de constitucionalidade das leis: “It is but a decent respect due to the wisdom, the integrity, and the patriotism of the legislative body, by which any law is passed, to presume in favour of its validity, until its violation of the constitution is proved beyond all reasonable doubt”.

[4] Inocêncio Mártires Coelho, in O Novo Código Civil – Estudos em Homenagem ao Professor Miguel Reale – Editora LTR, Coordenadores: Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra Martins Filho – 2003, página 52.

[5] US Supreme Court – Justice Sanford: “Every presumption is to be indulged in favor of the validity of the statute” (Gitlow v. New York, 268 U.S. 652, 45 S.Ct. 625, 69 L.Ed. 1138 (1925)).

[6] O Poder Judiciário não é mais nem menos importante que os demais. O fato dele poder declarar a inconstitucionalidade de uma lei por último não o torna mais ou menos importante que os demais. Randy E. Barnett, Professor da Universidade de Boston, diz: “Being last does not make the judiciary in any sense ‘paramount’ but merely equal to the other branches. After all, Congress may refuse to enact a law because it deems it to be unconstitutional and, because it is first, the bill never reaches the courts who may disagree. This does not render Congress paramount to the courts. By the same token, if the president vetoes a bill and his vito is sustained, the courts do not get to reverse that decision and uphold the bill as constitutional. Instead, in our system, absent a legislative supermajoritarian override of a presidential veto, all three branches must concur before it is found constitutional. Any one branch may scuttle a law because it alone deems it unconstitutional”. No vernáculo: “Ser o último não significa que o Judiciário seja superior ou mais importante, mas tão somente que ele é igual aos demais Poderes. O Congresso Nacional pode se recusar a votar e aprovar um projeto de lei por entender que ele seja inconstitucional e, assim sendo, ele jamais se tornará uma lei e jamais chegará aos tribunais. Isso não significa que o Congresso seja mais importante que o Judiciário. Da mesma forma, se o Presidente da República veta uma lei por entendê-la inconstitucional e se o veto for mantido pelo Legislativo, o Judiciário não terá a oportunidade de analisar e julgar a constitucionalidade da lei. No nosso sistema, tirante a hipótese de uma super maioria legislativa que possa rever um veto presidencial, todos os três Poderes da República precisam estar acordes para que uma lei seja aprovada e tenha vigência sem ser declarada inconstitucional. Qualquer um dos Poderes da República pode sozinho e da sua maneira fazer não aprovar um projeto de lei ou retirar do ordenamento juridico uma lei por entender estar eivado(a) de inconstitucionalidade”.

[7] William H. Rehnquist, in The Supreme Court, Vintage Books, New York , 2001, p. 279. No original: “It has always seemed to me that this presumption of constitutionality makes eminent good sense. If the Supreme Court wrongly decides that a law enacted by Congress is constitutional, it has made a mistake, but the result of its mistake is only to leave the nation with a law duly enacted by the popularly chosen members of the House of Representatives and the Senate and signed into law by the popularly chosen president. But if the Court wrongly decides that a law enacted by Congress is not constitutional, it has made a mistake of considerably greater consequence; it has struck down a law duly enacted by the popularly elected branches of government, not because of any principle in the Constitution but because of the individual views of desirable policy held by a majority of the nine justices at that time”.

[8] STF – SS nº 1.853/DF – Relator Ministro Carlos Velloso, DJ 04/10/2000.

[9] US Supreme Court – Justice Douglas: “The burden should rest heavily upon one who would persuade us to use the due process clause to strike down a substantive law or ordinance”. No vernáculo: “O ônus da prova deve recair pesadamente sobre aquele que nos requer a utilização da cláusula do devido processo legal para declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou da legislação” (Railway Express Agency Inc. v. New York, 336 U.S. 106, 69 S.Ct. 463, 93 L.Ed. 533 (1949). Em outra oportunidade, agora sob a relatoria do Justice Harlan, decidiu a Suprema Corte dos EUA: “When the validity of a statute is questioned, the burden of proof, so to speak, is upon those who assert it to be unconstitutional” . No vernáculo: “Quando a validade de uma lei é questionada, o ônus da prova recai sobre aquele que alega a sua inconstitucionalidade” (198 U.S. at 68)

[10] Justice Holmes, citado por Bernard Schwartz (in A History of the Supreme Court, Oxford Univerity Press, New York, 1993, p. 275) dizia: “the judge’s duty was to enforce even laws that I believe to embody economic mistakes”. No vernáculo: “a missão do Magistrado é aplicar a lei, mesmo aquelas que ele, pessoalmente, acredite que consagre um equívoco econômico”.

[11] No caso de controle concreto ou difuso de inconstitucionalidade, somente se admite a declaração pelos trâmites previstos no artigo 97 da CF/1988 e nos artigos 480 e 481 do CPC. Vide também Enunciado de Súmula Vinculante nº 10. Já no controle abstrato ou concentrado, as ações estão previstas nos arts. 102 e 103 da CF/1988

[12] Arnaldo Rizzado,in Parte Geral do Código Civil, Ed. Forense, 3a Edição, Rio de Janeiro, 2005, página 81.

[13] Arnaldo Rizzado, in Direito das Sucessões, Ed. Forense, 2a Edição, Rio de Janeiro, 2005, página 264.

[14] LEX – Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, 48/150.

[15] Maria Luiza Machado Granziera, in Direito de Águas, Editora Jurídico Atlas, São Paulo, 2001, página 231.

[16] Geraldo Ataliba, in Justiça Formal, Justiça Substancial e Traços Diferenciais entre Ciência das Finanças e Direito Financeiro, Revista de Direito Público nº 7, São Paulo, página 205.

[17] John E. Nowak e Ronald D. Rotunda, in Constitutional Law, Seventh Edition, Hornbook Series, Thomson West, 2004, p. 13.

[18] No original: “one should accept the principle that the power of the Court to void the acts of other branches of government should be exercised rarely and then only out of absolute necessity. The power should be exercised only when absolutely necessary to prevent the democracy from overturning a clear and paramount constitutional principle”.

[19] Interpretação conforme a Constituição.

[20]No original: “When a law is challenged as unconstitutional, this Court first ascertains whether the statute can be reasonably construed to avoid the constitutional difficulty”. Ellis v. Brotherhood of Ry., Airline & S.S. Clerks, 466 U.S. 435, 444, 104 S.Ct. 1883, 1890, 80 L.Ed.2d 428, 439 (1984), on remand to 736 F.2d 1340 (9th Cir.1984) citing Califano v. Yamasaki, 442 U.S. 682, 692-93, 99 S.Ct. 2545, 2553, 61 L.Ed.2d 176 (1979), on remand to 607 F.2d 329 (9th Cir. 1979); Ashwander v. TVA, 297 U.S. 288, 347, 56 S. Ct. 466, 483, 80 L.Ed. 688 (1936) (concurring opinion). Como muito bem lembrado por John E. Nowak e Ronald D. Rotunda, em outra passagem de seu livro Constitutional Law, o Judiciário Norte-Americano somente tem agido para invalidade uma lei aprovada pelo Poder Legislativo quando esta for contrária a algum princípio ou garantia constitucional. “The philosophy that the Justices would overturn acts of other branches only to protect specific constitutional guarantees has been the formal guide line of the US Supreme Court at every stage in its history” (John E. Nowak e Ronald D. Rotunda, in Constitutional Law, Seventh Edition, Hornbook Series, Thomson West, 2004, p. 459).

[21] Chief Justice Tilghmann: “For weighty reasons, it has been assumed as a principle in constitutional construction by the Supreme Court of the United States (…) that an Act of the legislature is not to be declared void unless the violation of the constitution is so manifest as to leave no room for reasonable doubt” (Commonwealth v. Smith, 4 Binn. 117 (1811)). No vernáculo: “Por razões de larga envergadura, a Suprema Corte dos EUA tem como princípio, em interpretação constitucional, que um ato do Legislativo somente deve ser declarado inconstitucional se a violação da Constituição for tão manifesta que não deixe nenhum espaço para dúvidas”.

[22] US Supreme Court – Chief Justice Burger: “The Constitution does not constitute us as Platonic Guardians nor does it vest in this Court the authority to strike down laws because they do not meet our standards of desirable social policy, wisdom or common sense” (Plyler v. Doe, 457 U.S. 202, 102 S.Ct. 2382, 72 L.Ed.2d 786 (1982). No vernáculo: “A Constituição não consagra os membros do Judiciário como Guardiões Platônicos, nem muito menos consagra esta Suprema Corte com a autoridade e a competência para invalidar leis pelo fato delas não estarem em conformidade com os nossos modelos desejados de politica social, sabedoria ou de senso comum”. No mesmo sentido: Justice Stewart in Dandridge v. Williams, 397 U.S. 471, 90 S.Ct. 1153, 25 L.Ed.2d 491 (1970); Justice Douglas in Griswold v. Connecticut, 381 U.S. 479, 85 S.Ct. 1678, 14 L.Ed.2d 510 (1965).

[23] John E. Nowak e Ronald D. Rotunda, in Constitutional Law, Seventh Edition, Hornbook Series, Thomson West, 2004, p. 314. No original: “the constitutional question is different than what is good or bad policy”.

[24] William H. Rehnquist, in The Supreme Court, Vintage Books, New York , 2001, p. 64. No original: “a sense that a law is unfair, however deeply felt, ought not to be itself a ground for declaring na act of Congress void”.

[25] “The Court, therefore, abandoned the role of an independent reviewer of the legislation under the due process clause (…) The Court will uphold the law even though the Justices might disagree with the wisdom of its provisions”. No vernáculo: “A Suprema Corte abandonou a função de uma casa revisora independente da legislação sob o pretexto de estar interpretando a cláusula do devido processo legal (…). A Corte irá manter a lei, apesar de os Magistrados não concordarem com a sabedoria de seus preceitos” (John E. Nowak e Ronald D. Rotunda, in Constitutional Law, Seventh Edition, Hornbook Series, Thomson West, 2004, p. 405).; “Today, the Justices have accepted the position that they are only to actively guard fundamental constitutional values and that they should allow other branches of government great latitude in dealing with issues of economic and social welfare which do not touch upon these values”. No vernáculo: “Hoje, os Magistrados tem admitido a posição de que eles devem agir exclusivamente na defesa de valores constitucionais fundamentais, devendo deixar para os demais Poderes amplos espaços para que possam tratar de questões econômicas e sociais que não tocam diretamente tais princípios constitucionais fundamentais” ((John E. Nowak e Ronald D. Rotunda, in Constitutional Law, Seventh Edition, Hornbook Series, Thomson West, 2004, p. 457).

[26] “We refuse to sit as a superlegislature to weigh the wisdom of legislation (…). Whether the legislature takes for its textbook Adam Smith, Herbert Spencer, Lord Keynes or some other is no concern of ours”. No vernaculo: “Nós, Magistrados, nos recusamos a atuar como super legisladores e analisar a sabedoria/inteligência da legislação. (…) Se o legislador acolha as teses defendidas por Adam Smith, Herbert Spencer, Lord Keynes ou qualquer outro autor, isso não é de competência do Judiciário” (372, U.S. at 731-732, 83 S.Ct. at 1032).

[27] Laurence H. Tribe, in The Invisible Constitution, Oxford University Press, New York, 2008, p. 97.

[28] Goffredo Telles Júnior, in Iniciação na Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 2001, página 365.

[29] Flávio Luiz Yarshell, in Ação Rescisória: Juízos Rescindente e Rescisório, São Paulo, Malheiros Editores, 2005, página 319.

[30] Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito, 19a Edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2001, página 65.b

[31] Júlio Fabbrini Mirabete, in Processo Penal, 13a Edição, Editora Jurídico Atlas, São Paulo, 2002, página 457.

[32] No mesmo sentido: Suprema Corte dos EUA – Justice Kennedy: “Sometimes we must make decisions we do not like. We make them because they are right, right in the sense that the law and the Constitution, as we see them, compel the result” (Texas v. Johnson, 491 U.S. 397, 109 S.Ct. 2533, 105 L.Ed.2d 342 (1989)); Ronald D. Rotunda in Modern Constitutional Law – Cases and Notes, Seventh Edition, American Casebook Series, Thomson West, p. 1261).

[33] Francisco Campos, citado por Roque Antônio Carraza, Roque Antônio Carrazza, (in Curso de Direito Constitucional Tributário, 19ª Edição, 2ª Tiragem, Malheiros Editores, 2003, p. 45) advertida que cada dispositivo legal deve ser entendido no condicional, ou seja, é válido se respeitar os princípios constitucionais.

[34] Adrian Vermeule in Judging under Uncertainty – An Institutional Theory of Legal Interpretation, Harvard University Press, 2006, p. 147: “Eliminating arguments nonetheless represents progress”.

[35] O Ministro Eros Roberto Grau se aposentou do STF em agosto/2010.

[36] Eros Roberto Grau, in Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito.

[37] Karl Engisch, in Introdução ao Pensamento Jurídico, 8ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Tradução de J. Baptista Machado, Lisboa, 2001, página 118.

[38] Karl Engisch, in Introdução ao Pensamento Jurídico, 8ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p. 38, afirma: “o Direito é, em substância, constituído por imperativos e só por imperativos. E esta teoria é correcta quando a entendamos adequadamente e sem exageros. Em primeiro lugar, ela não se refere naturalmente a cada uma das proposições gramaticais que se encontram num código. Nomeadamente estas proposições, na generalidade dos casos, e por razoes de ‘técnica legislativa’, não são autônomas. Só da combinação delas entre si resulta um sentido completo”.

[39] Roque Antônio Carrazza, in Curso de Direito Constitucional Tributário, 19ª Edição, 2ª Tiragem, Malheiros Editores, 2003, p. 36, leciona: “Sem dúvida, a Hermenêutica profliga o exame apartado de artigos da Magna Carta. Insulá-los, dissociando-os do todo harmônico a que pertencem, é encampar as idéias dos tecnocratas, que, arvorando-se em juristas, superestimam o método literal para interpretação do Direito. A Constituição, porém, não é um ajuntamento de preceptivos, cada qual girando em sua estreita órbita, sem sofrer nenhuma atração dos demais (…)”.

[40] José Souto Maior Borges (in RDDT 112:78/94) leciona que “imperfeições técnicas da linguagem-objeto, a das normas jurídico-positivas, não se comunicam à metalinguagem doutrinária que descreve e explica”.

[41] Karl Engisch, in Introdução ao Pensamento Jurídico, 8ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p. 148, afirma: “a nossa atitude em face do Direito, importa que nós juristas, ao interpretar, transcendamos o horizonte visual do simples prático e nos esforcemos por alcançar uma compreensão de puro plano espiritual-cultural. Poderemos também dizer que não se trata apenas daquilo a que o jurista do quotidiano chama ‘interpretação’, mas ainda uma verdadeira e omnímoda compreensão num sentido mais elevado, mesmo que esta nos arraste para uma posição filosófica, histórico-cultural ou política”.

[42] A Constituição Federal, no seu artigo 243, diz que as terras onde houver cultura de plantas psicotrópricas serão “imediatamente desapropriadas (…) sem qualquer indenização ao proprietário”. Ao menos no direito administrativo, “expropriação” é sinônimo de “desapropriação”, sendo sempre feita, obrigatoriamente, mediante justa e prévia indenização. Assim, um leitor desatento poderia pensar que neste caso houve uma contradição no texto constitucional, pois fala em “expropriação… sem qualquer indenização ao proprietário”. Logo, seria isto um novo “instituto jurídico”? Certamente, não, sendo oportuna, novamente, lembrarmos, com Santi Romano, que em Direito não existem os “minotauros jurídicos”. Considerando que no texto constitucional não pode haver contradição, somos levados a entender que o artigo 243 da CF/88, ao falar em “expropriação… sem qualquer indenização ao proprietário” quis dizer apenas “confisco”. Conclui-se que o Constituinte Originário foi pródigo no uso das palavras (isso para dizer o mínimo), pois antes de criticar o legislador deve o jurista tentar salvar o código, a lei e a Constituição. Mas, não podemos deixar de dizer, com Jean Rivero, que “o legislador, mesmo o Constituinte, pode dar-se ao luxo de cometer erros que reprovariam qualquer estudante de direito” (Jean Rivero, apud Roque Antônio Carrazza, in Curso de Direito Constitucional Tributario, 19ª Edição, 2ª Tiragem,Malheiros Editores, São Paulo, 2003, página 76, nota de rodapé nº 43).

[43] Na parte Tributária, onde a Constituição diz haver “isenção” quis significar “imunidade”. A imunidade opera no plano da definição da competência tributária. As regras imunizantes conferem aos beneficiários o direito público subjetivo de não serem tributados. As imunidades são as explicitadas no Texto Magno, por meio de normas jurídicas que tolhem o legislador na tarefa de criar, in abstrado, tributos, ainda que a CF/1988 tenha inadvertidamente de utilizado do termo “isenção” para se referir à “imunidade”. Lembro que o jurista jamais se fia no nome, que é mero rótulo, mas sim na natureza jurídica dos institutos. A isenção, conforme Rubens Gomes de Sousa e Amílcar de Araújo Falcão, é uma dispensa legal do pagamento do tributo. Este teoria é que acolhida pelo STF.

[44] Friedrich Muller, in Métodos de Trabalho do Direito Constitucional, Porto Alegre, Editora Síntese, 1999, pág. 68/69: (Para ele as regras tradicionais da interpretação não podem ser isoladas com métodos autônomos por si. Tais regras se dirigem a toda e qualquer norma jurídica: porque cada norma jurídica tem o seu texto da norma – a consuetudinária, um texto mutante, a escrita, um texto autenticamente fixado – ‘interpretação gramatical’; porque nenhuma norma do direito positivo representa apenas a si mesma, mas ao menos se relaciona com todo o ordenamento jurídico – ‘interpretação sistemática’; porque finalmente, cada norma pode ser questionada com vistas ao seu sentido e à sua finalidade). Armando Suárez Garcia, in Aspectos Essenciais do Fornecimento de Energia Elétrica, ABRADEE, 2006, p. 206, afirma: “a exegese da norma …[deve] ser feita mediante a aplicação de um critério sistemático, analisando a norma dentro do contexto jurídico em que está inserida e procurando harmonizar seus dispositivos específicos com as diretrizes gerais do instituto, de forma a evitar contradições e colisões com os princípios gerais que o norteiam”.

[45] Nas palavras de Niklas Luhmann, “o sistema jurídico é um sistema normativamente fechado, mas cognitivamente aberto” (Niklas Luhmann, in L’Autoriproduzione del Direitto e i suoi limiti, Política del Diritto, Volume 12, p.l 41). Para o Saudoso Norberto Bobbio “a ciência jurídica não é mais uma ilha, mas uma região entre outras de um vasto continente” (Norberto Bobbio, in Dalla Strutura Alla Funzione: Nuovi Studi di Teoria del Diritto, 1977, p. 56).

[46] Paulo de Barros Carvalho, in Direito Tributário – Fundamentos Jurídicos da Incidência, 2a Edição, Editora Saraiva, 1999, página 62.

[47] Sobre o tema: José Luiz Bulhões Pedreira (in Introdução ao Direito da Economia, Texto de Clase, 1978, 2º caderno, p. 10/11) distinguiu, excelentemente, os conceitos de “sistema” e de “agregado”. Sistema é o conjunto de elementos entre os quais se pode especificar um complexo de inter-relações ou interdependências das partes. Inversamente, o “agregado” é um conjunto em que as partes se acham justapostas, ou próximas umas das outras, mas sua unidade é exterior, contingente e subjetiva, porque não existe, entre as partes, nada que a fundamente. É noção construída subjetivamente pelo observador, já que as partes, tal como existem, não estão ligadas umas às outras por qualquer tipo de relação. Ao contrário, a unidade do sistema é necessária e objetiva, porque suas partes são inter-relacionadas, reciprocamente articuladas e interpendentes.

[48] Em outra decisão, o STF assim se pronunciou: “O ordenamento jurídico compõe um sistema, pouco importando a natureza das normas, se previdenciárias, trabalhistas, civis, penais, etc. O sistema jurídico não tolera antinomias entre as partes que o compõem. Toda lei integra o conjunto do ordenamento e deve ser entendida em consonância com as demais” (STF – MC em ADIN nº 1.721-3/DF – Relator Ministro Ilmar Galvão – Julgado em 19/12/1997 – Acórdão publicado no DJU de 11/04/2003, p. 26; Ement. Vol. 2106-01, p. 88; RB v. 18, n. 506, 2006, p. 48).

[49] STF – ADIN nº 3.020-5/DF – Relator Ministro Carlos Ayres Britto – Requerente: Procurador-Geral da República – Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional – Decisão de 11 de fevereiro de 2004 – Publicado no DJU 1 de 19/02/2004, páginas 59/60.

[50] No mesmo sentido: Contardo Ferrini, in Manuale delle Pandette, 1900, página 34: “Os autores de uma lei visam prover determinadas necessidades, com uma ou mais normas, que deverão se enquadrar no sistema geral do direito vigente. Nenhuma norma está isolada; deve cada uma adaptar-se ao sistema, modificando-se a si própria e modificando outras”. Carmelo Carbone (in L’interpretazione delle Norme Constituzionali, Pádua, 1951, página 15) e Giannini (in L’interpretazione dell’Atto Amministrativo e La Teoria Generale dell’Interpretazione, página 132) ponderam que a lei já se modificara por si mesma, em razão de sua inserção no sistema de outras leis. Norberto Bobbio (in Teoria do Ordenamento Juídico, Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos, 10ª Edição, Editora UNB, Brasília, 1997, págs. 21/22) afirma: “(…) se pode falar de Direito somente onde haja um complexo de normas formando um ordenamento, e que, portanto, o Direito não é norma, mas um conjunto coordenado de normas, sendo evidente que uma norma jurídica não se encontra jamais só, mas está ligada a outras normas com as quais forma um sistema normativo”.

[51] Marbury v. Madison, 5 U.S. (1 Cranch) 137, 2 L.Ed. 60 (1803). No original: “If the Court looks to the law, it must look to all of it, including the written Constitution”.

[52] Francesco Carrara, in Interpretação e Aplicação das Leis, 2ª Edição, Coimbra, 1963, p. 129.

[53] Ronald Dworkin, in RDE – Revista de Direito do Estado, nº 07, jul/set 2007, Editora Renovar, p. 17.

[54] Caio Tácito (RDA, 242:309) diz que, na interpretação jurídica, é dever elementar do intérprete, a indispensável conciliação dos textos.

[55] Bernard Schwartz, in A History of the Supreme Court, Oxford Univerity Press, New York, 1993, p. 220: “The Constitution was never intended to embody absolutes”. No vernaculo: “A Constituição jamais pretendeu em consagrar princípios absolutos”.

[56] Laurence H. Tribe, in American Constitutional Law, Third Edition, Volume One, New York Foundation Press, 2000, p. 33.

[57] “We have stressed in prior cases that like many other constitutional provisions, the privileges and immunities clause is not an absolute” (United Building and Construction Trades Council of Camden County and Vicinity v. Mayor and Council of the City of Camden, 465 U.S. 208, 104 S.Ct. 1020, 79 L.Ed.2d 249 (1984)).

[58] Luís Roberto Barroso, RDA, 240:11.

[59] Eugênio Pacelli de Oliveira (in Curso de Processo Penal, 3ª Edição, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2004, p. 491) leciona: “Toda prisão anterior ao trânsito em julgado deve também ser considerada uma prisão cautelar. Cautelar no que se refere à sua função de instrumentalidade, de acautelamento de determinados e específicos interesses de ordem pública. Assim, a prisão que não decorra de sentença passada em julgado, será, sempre, cautelar e também provisória”. Dentre o gênero prisão cautelar, podemos citada suas espécies: Prisão em Flagrante (art. 302 do CPP), Prisão Preventiva (art. 312 do CPP), Prisão Preventiva Ex Officio (art. 311 do CPP), Prisão Temporária (Leis nºs 7.960/1989 e 8.072/1990), Prisão Provisória por sentença condenatória e por decisão de pronúncia (artigos 408 e 594 do CPP), e, Prisão Administrativa, inexistente no CPP, mas tão só no Direito Militar.

[60] Nem mesmo a vida é um princípio absoluto, pois, no artigo 5º, XLVII, a, da CF/1988, há a possibilidade da adoção da pena de morte, quando houver guerra declarada.

[61] Não é o inquérito policial um “processo”, mas procedimento administrativo informativo, destinado a fornecer ao órgão de acusação o mínimo de elementos necessários à propositura da ação penal. O inquérito policial não é indispensável ao oferecimento da denúncia ou queixa. Não se aplicam ao inquérito policial os princípios processuais do estado de inocência, do contraditório, da verdade real, da oralidade, da publicidade, da obrigatoriedade, da oficialidade, da indisponibilidade do processo, do juiz natural, da iniciativa das partes e do impulso oficial, conforme lição de Júlio Fabbrini Mirabete, in Processo Penal, 16ª Edição, Editora Jurídico Atlas, pp. 82 e ss. (Vide, também, Eugênio Pacelli de Oliveira, in Curso de Processo Penal, 3ª Edição, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2004, pp. 31 e ss).

[62] American Trucking, Associations v. Smith, 496 U.S. at 214; Reynoldsville Casket Co. v. Hyde, 514 U.S. 749 (1995). No original: “The Court has no more constitutional authority in civil cases than in criminal cases to disregard current law or to treat similarly situated litigants differently”.

[63] É princípio jurídico de que “quem pode o mais, pode o menos” (“IN EO QUOD PLUS EST SEMPER INEST ET MINUS”).

[64] Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito, 9ª Edição, Forense, 1984, página 166: “Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que torne aquela sem efeito, inócua, ou este, juridicamente nulo”. Karl Larenz, in Metodologia da Ciência do Direito, 2ª Edição, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, página 391: “Entre várias interpretações possíveis segundo o sentido literal, deve por isso ter prevalência aquela que possibilita a garantia de concordância material com outra disposição”.

[65] Valho-me, nesta esteira, do brocardo máximo de Juliano, contido no Digesto, livro 34, título 5, fragmento 12 que diz: “Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés da que os reduza à inutilidade” (Commodissimum est, id accipi, quo res de qua agitur; magis valeat quam pereat). Adrian Vermeule in Judging under Uncertainty – An Institutional Theory of Legal Interpretation, Harvard University Press, 2006, p. 27: “Legal coherence, both in the thin sense of consistency and the thick sense of rich integration of statutory purposes, is perhaps the paramount value for the legal process interpreter”.

[66] Chief Justice Warren, citado por Bernard Schwartz (in A History of the Supreme Court, Oxford Univerity Press, New York, 1993, p. 279) decidiu: “We cannot have one rule for the rich and one for the poor”.

[67] 294 U.S. at 523, 55 S.Ct. at 500. No original: “the Constitution was framed under the dominion of a political philosophy less parochial in range. It was framed on the theory that the people of the several states must sink or swim together, and that in the long run prosperity and salvation are in union and not division”

[68] Justice Brandeis: “We must be ever on our guard, lest we erect our prejudices into legal principles” citado por Justice Stevens no caso Boy Scouts of America v. Dale (530 U.S. 640, 120 S.Ct. 2446, 147 L.Ed.2d 554 (2000)); Ronald D. Rotunda in Modern Constitutional Law – Cases and Notes, Seventh Edition, American Casebook Series, Thomson West, p. 1247.

[69] José Souto Maior Borges, in Obrigação Tributária – Uma Introdução Metodológica, 2ª Ed., São Paulo, Malheiros Editores, “Prefácio”, p. 16.

[70] No mesmo sentido é a lição de outro tributarista, o professor Roque Antônio Carrazza, que leciona que “os equívocos causados pelo arrojo intelectual são, quase sempre, mais úteis do que os acertos vulgares, justamente porque abrem espaços e propiciam novas e profundas meditações” (in Curso de Direito Constitucional Tributário, 19ª Edição, 2ª Tiragem, Malheiros Editores, 2003, p. 23).

[71] Adrian Vermeule in Judging under Uncertainty – An Institutional Theory of Legal Interpretation, Harvard University Press, 2006, p. 109: “The possibility of error hardly justifies skepticism of a particular source”.

[72] Nevertheless, the presumption of innocence is essential to the criminal process.

[73] Apesar de a Constituição Norte-Americana não citar expressamente, o princípio da presunção de inocência está consagrado nas Emendas 5ª, 6ª e 14ª. Veja, tambem, os julgados Coffin v. United States e In re Winship.

[74] A principle that requires the government to prove the guilt of a criminal defendant and relieves the defendant of any burden to prove his or her innocence. The presumption of innocence, an ancient tenet of Criminal Law, is actually a misnomer. According to the U.S. Supreme Court, the presumption of the innocence of a criminal defendant is best described as an assumption of innocence that is indulged in the absence of contrary evidence (Taylor v. Kentucky, 436 U.S. 478, 98 S. Ct. 1930, 56 L. Ed. 2d 468 [1978]). Indeed, the person is presumed by the law to be innocent. The law does not require a person to prove his innocence or produce any evidence at all. The Government has the burden of proving a person guilty beyond a reasonable doubt, and if it fails to do so the person is (so far as the law is concerned) not guilty.

[75] It’s a catchy phrase: “innocent until proven guilty”. It nicely ties in the other core principles: the burden of proof is on the State; the defendant has a Constitutional right not to testify; each and every element must be proven beyond a reasonable doubt.

[76] No original: art. 6.2: "Everyone charged with a criminal offence shall be presumed innocent until proved guilty according to law"

[77] No original: art. 11(d): "Any person charged with an offence has the right to be presumed innocent until proven guilty according to law in a fair and public hearing by an independent and impartial tribunal".

[78] No original: Art. 9: "Everyone is supposed innocent until having been declared guilty".

[79] Artigo 11: “Everyone charged with a penal offence has the right to be presumed innocent until proved guilty according to law in a public trial at which they have had all the guarantees necessary for their defence”.

[80] Ronald Dworkin, in Justice in Robes, Harvard University Press, Cambridge Massachussetts, 2006, p. 105: “What is clear is that values can clash. Values may easily clash within the breast of a single individual. And it does not follow that some must be true and other false. Both liberty and equality are among the primarily goal pursued by human beings through centuries. But total liberty for the wolves is death to the lambs”. No vernáculo: “o que é claro é que valores podem entrar em colisão. E, na colisão de princípios, não há que se falar que um princípio seja verdadeiro e os demais falsos. A liberdade e a igualdade ambas estão entre os objetivos principais perseguidos pelos seres humanos há séculos. Mas, a total liberdade para os “lobos” significa a morte dos “cordeiros” (…)”.

[81] (1992), 12 CRR 1, 17 CR(4th) 1, 77 CCC (3d) 124, 3 SCR 665 (SCC).

[82] Laurence H. Tribe, in The Invisible Constitution, Oxford University Press, New York, 2008, p. 181: “In 1993, Chief Justice William H. Rehnquist observed that inasmuch as ‘constitutional law is now firmly grounded in so many countries, it is time that the United States courts begin looking to the decisions of other constitutional courts to aid in their own deliberative process’”.

[83] Laurence H. Tribe, in The Invisible Constitution, Oxford University Press, New York, 2008, p. 181/182: “And the year after the Chief Justice William Rehnquist urged ‘looking to the decisions of other constitutional courts’ as aids in the Court’s ‘own deliberative process’, Justice Thomas, concurring in the Court’s judgment in Holder v. Hall rejecting a vote dilution challenge under section 2 of the Voting Rights Act, compared Georgia’s system of ‘safe minority seats’ to the use in Belgium, Cyprus, Lebanon, New Zealand, West Germany and Zimbabwe of devices other than separate racial registers that end up allocating power on a de facto racial basis”.

[84] Laurence H. Tribe e Michael C. Dorf, in On Reading the Constitution, Harvard University Press, EUA, 1991, p. 04: “it is easier to destroy than to create, easier to deconstruct than to construct”.

[85] O princípio de que “ubi lex non distinguit, distinguere non possumus”, da velha tradição romana, impõe o respeito à dicção legislativa, visto que impede que se transformem, os intérpretes, em legisladores positivos. Carlos Maximiliano (in Hermenêutica e Aplicação do Direito, 9ª Edição, Rio de Janeiro, 1979, p. 246), o maior mestre da hermenêutica jurídica nacional, ensina:“Quando o texto menciona o gênero, presumem-se incluídas as espécies respectivas; se faz referência ao masculino, abrange o feminino; quando regula o todo, compreendem-se também as partes. Aplica-se a regra geral aos casos especiais, se a lei não determina evidentemente o contrário”.E arrebata o Mestre:“Quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente; não tende distinguir entre as circunstâncias da questão e as outras; cumpra a norma tal qual é, sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhumas das expressas”.

[86] Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito, 2ª Edição, Editora Globo, Porto Alegre, 1933, página. 118.

[87] STF – Tribunal Pleno – Processo Recurso Extraordinário nº 166.772/RS – Relator Ministro Marco Aurélio – Processo julgado na sessão do dia 12/05/1994 – Acórdão publicado no DJU do dia 16/12/1994, página 34896 (Ement. Vol. 01771-04, pp. 00703; RTJ Vol. 00156-02, pp. 00666)

[88] Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli, in RDDT 109: 107/120.

[89] Finalizando e apenas em tom ilustrativo, porque extremamente oportuno e perfilhado às afirmações contidas neste item, para reproduzir o pensamento de Carlos Maximiliano (in Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 103), que revela o risco corrido quando se desvaloriza o texto da lei e desborba para padrões subjetivos: “Cumpre evitar, não só o demasiado apego à letra dos dispositivos, como também o excesso contrário, o de forçar a exegese e deste modo encaixar na regra escrita, graças à fantasia do hermeneuta, as teses pelas quais este se apaixonou, de sorte que vislumbra no texto idéias apenas existentes no próprio cérebro, ou no sentir individual, desvairado por ojerizas e pendores, entusiasmos e preconceitos. A interpretação deve ser objetiva, despaixonada, equilibrada, às vezes audaciosa, porém não revolucionária, aguda, mas sempre atenta respeitadora da lei”.

[90] Laurence H. Tribe e Michael C. Dorf, in On Reading the Constitution, Harvard University Press, EUA, 1991, p. 53. No original: “So too, judges, legislators, and other officials sworn to uphold the Constitution would be derelict in their duty if they were simply to ignore those parts of the document whose meaning is not crystal-clear to them. As we argued, it is no more legitimate to subtract something from the Constitution because it is out of phase with your vision of the overall plan than it is to add something that you wish it contained”

[91] Randy E. Barnett, in Restoring the Lost Constitution – The Presumption of Liberty, Princeton University Press, New Jersey, EUA, 2004, p. 354/355. No original: “Courts should not cut holes in the Constitution. Judges should not put ink blots on the provisions they do not like. (…) The construction to be preferred is the one that takes the text of the Constitution seriously. (…) Of course, one must resist the temptation to read into the Constitution everything one might want it to say. (…) One should also resist the temptation to read out of the Constitution what one does not want it to say”

[92] Justice Anthony Mcleod Kennedy (Califórnia) foi indicado para a Suprema Corte dos EUA pelo Presidente Ronald Wilson Reagan, em 19 de fevereiro de 1988.

[93] Folha de São Paulo, edição de 21/08/1990, p. 04/09.

[94] Maria Garica, in A Inconstitucionalidade da Coisa Julgada, RDCI – Revista de Direito Constitucional e Internacional nº 47, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, abril/junho de 2004, p. 54.

[95] Karl Engisch, in Introdução ao Pensamento Jurídico, 8ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p. 294, citando lições de Heck, afirma: “o limite das hipóteses de interpretação é o ‘sentido possível de letra’”.

[96] William A. Sutherland, in Notes on the Constitution of the United States, Bancroft-Whitney Company, San Francisco, 1904, p. 28/29.

[97] No original: “No court is authorized to so construe a clause of the constitution as to defeat its obvious ends, when another construction, equally accordant with the words and sense, will enforce and protect those ends (…). A Court has no right to insert anything in the constitution which is not expressed and cannot fairly be implied, and when the text of a constitutional provision is not ambiguous, the courts are not at liberty to search for its meaning beyond the instrument itself”

[98] No mesmo sentido é posição do Ministro Octávio Gallotti do STF: A propósito, como é sabido, o TSE assentou que a LC 64/90 tem aplicação imediata, “por se tratar da edição de lei complementar, exigida pela Constituição (art. 14, § 9º), sem configurar alteração do processo eleitoral vedada pelo art. 16 da mesma Carta” (Resolução 16.551, 31.5.90, Gallotti, DJ 9.7.90). Lê-se do voto do Ministro Gallotti: “O estabelecimento, por lei complementar, de outros casos, de inelegibilidade, além dos diretamente previstos na Constituição, é exigido pelo art. 14, § 9º, desta e não configura alteração do processo eleitoral, vedada pelo art. 16 da mesma Carta”.

[99] A Constituição Federal limita o poder do Estado. Ronald D. Rotunda in Modern Constitutional Law – Cases and Notes, Seventh Edition, American Casebook Series, Thomson West, p. 334: “Our Constitution governs us and we must never forget that our Constitution limits the Government to those powers specifically granted or those that are necessary and proper to carry out the specifically granted ones”.

[100] Os cinco Ministro vencidos foram: Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio Mello, Carlos Mário Velloso, Celso de Mello e Aldir Passarinho.

[101] O citado RExt foi decorrente do seguinte processo no TSE: “EMENTA: Inelegibilidade. Desincompatibilização. Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. Presidentes e demais membros das Diretorias dos Conselhos e Subseções. Vigência da Lei Complementar nº 64-90. Aplicação imediata do citado diploma (art. 1º, II, g), por se tratar da edição de lei complementar, exigida pela Constituição (art. 14, § 9º), sem configurar alteração do processo eleitoral, vedada pelo art. 16 da mesma Carta. Devem afastar-se de suas atividades, quatro meses antes do pleito, os ocupantes de cargo ou função de direção, nas entidades representativas de classe, de que trata a letra g do item II do art. 1º da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, entre as quais se compreende a O.A.B.” (TSE – CTA nº 11.173/DF, Relator Min. OCTÁVIO GALLOTTI, julgada em 31.5.90, DJ 9.7.90)

[102] Desacreditar o Jurista ou Professor não quer dizer desacreditar a sua obra (discrediting the thinker does not discredit the thought). Laurence H. Tribe, in American Constitutional Law, 3rd Edition, 1st volume, New York Foundation Press, New York, NY, USA, 2000, p. 1.343.

[103] “Judicial precedents are presumptively correct and valuable to the legal community as a whole” (Bancorp, 513 U.S. at 392; Izumi Seimitsu Kogyo Kabushiki Kaisha v. U.S. Philips Corp, 513 U.S. 27, 33-34 (1993).

[104] A desobediência aos precedentes e à jurisprudência gera incertezas e inseguranças, conforme já decidiu o Justice Scalia da Suprema Corte Norte-Americana quando afirmou, no caso Planned Parenthood of Southeastern Pennsylvania v. Casey (505 U.S. 833, 112 S.Ct. 2791, 120 L.Ed. 2d 674 (1992)) que “reason find no refuge in this jurisprudence of confusion”.

[105] Thomas G. Hansford e James F. Springs II in The Politics of Precedent on the US. Supreme Court (Princeton University Press, 2006, p. 17) afirmam “It is important to note, however, that Supreme Court justices do not merely seek to hand down decisions and set precedents that are consistent with their policy preferences. Instead, they endeavor to create legal policy that will actually influence legal and extralegal outcomes in the intended manner”.

[106] Thomas G. Hansford e James F. Springs II in The Politics of Precedent on the US. Supreme Court (Princeton University Press, 2006, p. 109) afirmam “Studies indicate, for example, that the Court’s opinions influence the behavior of private parties, the policy choices of federal bureaucratic agencies, the US Congress and state legislatures”. E, continuam (p. 124) “The rules and procedures set forth in Court opinions serve important informational functions by helping to reduce uncertainty about the likely legal outcomes of the various courses of action that societal actors could undertake. Both governmental and nongovernmental decision makers can, for example, rely on Court precedent to decide whether to settle a lawsuit, set a workplace regulation, search or seize evidence, fire an employee, restrict an individual’s ability to speak freely, or provide employment-related benefits. Simply put, Court opinions set precedents that affect the behavior of a wide range of actors”. Stephen Holmes e Cass R. Sunstein, in The Cost of Rights Why Liberty Depends on Taxes, W.W. Norton & Company, New York, 1999, p. 93 lecionam que “A Supreme Court ruling, after all, is not only the disposition of a particular case; it also broadcasts a message to the public about the basic purpose and meaning of the American social contract”.

[107] Citado por Laurence H. Tribe, in American Constitutional Law, Third Edition, Volume One, New York Foundation Press, 2000, p.244. No original: “Stare decisis is important not merely because individuals rely on precedent to structure their activity but because fidelity to precedent is part and parcel of a conception of the judiciary as a source of impersonal and reasoned judgments”.

[108] Thomas G. Hansford e James F. Springs II in The Politics of Precedent on the US. Supreme Court (Princeton University Press, 2006, p. 78) afirmam “The norm of stare decisis is central to our legal system, and adherence to precedent yields a variety of benefits, including clarity, stability, and predictability in the law, efficiency, judicial legitimacy and fairness. Both justices and legal scholars agree that, for these reasons, the Supreme Court should be reluctant to overrule one of its precedents”.

[109] Thomas G. Hansford e James F. Springs II in The Politics of Precedent on the US. Supreme Court (Princeton University Press, 2006, p. 84. No original: “As the precedent gets older (…) the likelihood of the precedent being overruled begins to decrease. Old precedents are very unlikely to be overruled (…)”.

[110] No original: “(…) To treat the Constitution as a mirror either for some favored view held by the interpreter or for the interpreter´s reflection of the public mood” (Laurence H. Tribe, in American Constitutional Law, Third Edition, Volume One, New York Foundation Press, 2000, p. 919).

[111] Trata-se de “respeito” e não de “submissão”. Entendemos que o Magistrado até pode divergir de um precedente de Tribunal Superior. Entretanto, assume o ônus da argumentação, não bastando simplesmente dizer que “não concorda e ponto final”.

[112] Tal ensinamento e expressão de indignação do Exmo Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros ocorreu por ocasião do julgamento do REsp 382736, em 08/10/2003, que cuidava da tentativa de reanálise da Súmula 276 poucos após a sua aprovação e ficou conhecido nos meios jurídicos e acadêmicos como sendo o “voto banana-boat". Disse o Ministro:

"(…) Quando chegamos ao Tribunal e assinamos o termo de posse, assumimos, sem nenhuma vaidade, compromisso de que somos notáveis conhecedores do Direito, que temos notável saber jurídico. Saber jurídico não é conhecer livros escritos por outros. Saber jurídico a que se refere a CF é a sabedoria que a vida nos dá. A sabedoria gerada no estudo e na experiência nos tornou condutores da jurisprudência nacional. Somos condutores e não podemos vacilar. (…) O Superior Tribunal de Justiça existe e foi criado para dizer o que é a lei infraconstitucional. Ele foi concebido como condutor dos tribunais e dos cidadãos. Em matéria tributária, como condutor daqueles que pagam, dos contribuintes. (…) Nós somos os condutores, e eu – Ministro de um Tribunal cujas decisões os próprios Ministros não respeitam – sinto-me, triste. Como contribuinte, que também sou, mergulho em insegurança, como um passageiro daquele vôo trágico em que o piloto que se perdeu no meio da noite em cima da Selva Amazônica: ele virava para a esquerda, dobrava para a direita e os passageiros sem nada saber, até que eles de repente descobriram que estavam perdidos. O avião com o Superior Tribunal de Justiça está extremamente perdido. Agora dizemos que está errada, porque alguém nos deu uma lição dizendo que essa Súmula não devia ter sido feita assim. Nas praias de Turismo, pelo mundo afora, existe um brinquedo em que uma enorme bóia, cheia de pessoas é arrastada por uma lancha. A função do piloto dessa lancha é fazer derrubar as pessoas montadas no dorso da bóia. Para tanto, a lancha desloca-se em linha reta e, de repente, descreve curvas de quase noventa graus. O jogo só termina, quando todos os passageiros da bóia estão dentro do mar. Pois bem, o STJ parece ter assumido o papel do piloto dessa lancha. Nosso papel tem sido derrubar os jurisdicionados".

[113] Thomas G. Hansford e James F. Springs II in The Politics of Precedent on the US. Supreme Court (Princeton University Press, 2006, p. 91: “The overruling of precedent is the most severe and dramatic form of legal interpretation”. No vernáculo: “A modificação de um precedente é a forma mais severe e drástica de interpretação legal”.

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