Relação institucional

A relação institucional entre Estado e servidor

Autor

4 de setembro de 2010, 8h16

A relação institucional entre Estado e servidor público envolve muitas questões controversas, uma delas é o ressarcimento ao erário pelo servidor, a partir da constatação do recebimento irregular de valores pecuniários.

Tal controvérsia envolve ações judiciais não transitadas em julgado, concessão irregular de benefícios, de gratificações, entre outras.

A grande celeuma resume-se a saber se a administração pode promover, em nome do Princípio da Autotutela, o ressarcimento dos valores irregularmente pagos sem a necessidade de processo judicial, bastando o simples aviso ao servidor do descontado que será efetuado.

Analisaremos a questão a partir de uma interpretação constitucional, apontando as atuais posições em torno da questão, principalmente a jurisprudencial e doutrinária.

A autotutela administrativa
Vigora no Brasil o sistema de jurisdição única, insculpido no artigo 5º, inciso XXXV, da CF, pelo qual detém o Poder Judiciário competência para decidir com força de definitividade quaisquer litígios trazidos à sua apreciação, inclusive os de caráter administrativo.

Em complemento a esse sistema existe o poder-dever de a própria Administração exercer o controle de seus atos, no que se denomina autotutela administrativa ou princípio da autotutela. No exercício deste poder-dever a Administração, atuando por provocação do particular ou de ofício, reaprecia os atos produzidos em seu âmbito, análise esta que pode incidir sobre a legalidade do ato ou quanto ao seu mérito.

Na primeira hipótese – análise do ato quanto à sua legalidade -, a decisão administrativa pode ser no sentido de sua conformidade com a ordem jurídica, caso em que será o ato terá confirmada sua validade; ou pela sua desconformidade, caso em que o ato será anulado.

Na segunda hipótese – análise do ato quanto ao seu mérito –, poderá a Administração decidir que o ato permanece conveniente e oportuno com relação ao interesse público, caso em que permanecerá eficaz; ou que o ato não se mostra mais conveniente e oportuno, caso em que será ele revogado pela Administração.

Percebe-se que a autotutela administrativa é mais ampla que a jurisdicional em dois aspectos. Em primeiro lugar, pela possibilidade de a Administração reapreciar seus atos de ofício, sem necessidade de provocação do particular, ao contrário do Judiciário, cuja atuação pressupõe necessariamente tal manifestação (princípio da inércia); por segundo, em função dos aspectos do ato que podem ser revistos, já que a administração poderá reanálisá-los quanto à sua legalidade e ao seu mérito, ao passo que o Judiciário só pode apreciar, em linhas gerais, a legalidade do ato administrativo.

O princípio da autotutela sempre foi observado no seio da Administração Pública, e está contemplado na Súmula 473 do STF, vazada nos seguintes termos:

“A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em qualquer caso, a apreciação judicial”.

Os limites da autotutela administrativa e o artigo 46 da Lei 8.112/1990
Segundo o artigo46 da Lei 8112/1990, “As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado”. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)

Ocorre que, referido poder não pode ser exercido indistintamente, pois se encontra inserido em um ordenamento jurídico, impondo-se a sua adequação a outros comandos legais.

O primeiro grande limite à Autotutela está na necessidade de se verificar o Devido Processo Legal, com Ampla Defesa e Contraditório ao interessado, sempre que a sua aplicação possa levar a restrição a direito de terceiro. No dizer de Adilson Abreu Dallari:

“Isso significa uma severa restrição ao poder de autotutela de seus atos, de que desfruta a Administração Pública. Não se aniquila essa prerrogativa; apenas se condiciona a validade da desconstituição de ato anteriormente praticado à justificação cabal da legitimidade dessa mudança de entendimento, arcando à Administração Pública com o ônus da prova. A ausência ou inconsistência da motivação acarreta a nulidade do ato de tutela”[2].

Para Romeu Felipe Bacellar Filho:
“Na esfera administrativa, não pode haver privação de liberdade ou restrição patrimonial, sem o cumprimento do seguinte pressuposto: a consagração legal do processo administrativo em sentido constitucional. A acolhida do devido processo legal administrativo assegura o contraposto para o cidadão frente ao poder da Administração de autotutela do interesse público”[3]

Desse modo, fica evidente que não obstante exista o Poder de Autotutela ele não pode se sobrepor aos interesses de terceiros, sem que a esses seja garantida a possibilidade de manifestação, aí entendida a ampla defesa e o contraditório.

Não se pode admitir que a Administração Pública tome medidas unilaterais que afetem direitos de terceiros sem que o faça mediante o Devido Processo Legal, através do qual se oportuniza a manifestação prévia do interessado, fazendo valer os princípios constitucionalmente fixados da Ampla Defesa e do Contraditório.

Afinal de contas ampla defesa no dizer de Romeu Felipe Bacellar é garantida e “não se questiona as razões para oposição, simplesmente assegura-se-lhe a oportunidade de fazê-la”[4], enquanto que o contraditório nada mais objetiva do que “assegurar às partes equivalente possibilidade de influir na formação do convencimento do órgão julgador, no curso de todo o processo. Trata-se de um conteúdo positivo, apto de ir além da mera oposição ou resistência ao agir alheio”[5]

No dizer de Carmem Lucia Antunes o processo administrativo é indispensável, pois “…o patrimônio jurídico do interessado pela prática do ato é atingido”, impondo-se, “…para a sua ciência e para que ele, inclusive, possa se contrapor ao desfazimento do ato, oferecendo argumentos no sentido de sua manutenção ou da manutenção de seus efeitos”[6]

Assim a idéia de ampla defesa e contraditório não incide apenas nos casos em que se fale em penalidade, mas pelo contrário, devem ser respeitadas sempre que o ato venha a atingir terceiro.

É o que se extrai da doutrina de Romeu Felipe Bacellar Filho, segundo a qual “As garantias constitucionais apresentam. Por sua vez, dupla funcionalidade. Atuando, subjetivamente, na tutela de direitos dos administrados, comportam-se como “garantias dos administrados”, e objetivamente, ao prevenir e remediar violações do direito objetivo vigente, como “garantias de legalidade”.[7]

Outrossim, o agir administrativo, deve buscar resguardar os direitos daqueles que de boa-fé agiram, e que não podem viver sob insegurança jurídica. Sérgio Ferraz e Adilson Dallari defendem justamente a análise da boa-fé em cada caso concreto:

A boa-fé é um elemento externo ao ato, na medida em que se encontra no pensamento do agente, na intenção com a qual ele fez ou deixou de fazer alguma coisa. É impossível perscrutar o pensamento, mas é possível, sim, aferir a boa (ou má) fé, pelas circunstâncias do caso concreto, por meio da observação de um feixe convergente de indícios (…) no processo administrativo, no tocante à decisão de validar ou invalidar um ato, de manter ou desconstituir uma situação jurídica, de aplicar ou não uma penalidade, a boa-fé do particular envolvido deve ser levada em consideração, pois sua intenção é efetivamente relevante para o Direito. Essa relevância está expressamente ressaltada no art. 2o, IV, da Lei 9.784, de 1999, e reiterada em seu art. 4o, II[8]

O recebimento de valores em caráter precário
Outra questão interessante é a possibilidade do ressarcimento ao erário em face de decisão judicial que reverteu a decisão garantidora de eventual pagamento.

Nesta hipótese, não se pode arguir a boa-fé do servidor, uma vez que desde o início era ciente da precariedade do provimento jurisdicional, tratando-se, assim, de pagamentos efetuados sem o consórcio da vontade da Administração, restando, por conseguinte, para os servidores, a submissão ao risco natural de qualquer ação judicial e seus efeitos. Entretanto, apesar da precariedade da decisão judicial, permanece a necessidade da abertura do processo administrativo em que se garanta o contraditório e a ampla defesa. Vejamos algumas decisões a respeito:

"Constitucional. Administrativo e processual civil. Servidor público federal. Reajuste de 93,54%. Sentença de procedência rescindida. Pagamento indevido. Desconto das parcelas em folha de pagamento. Lei 8.112/90. Artigo 46. Necessidade de anuência prévia. Impossibilidade de privação dos bens do devedor sem o devido processo legal. Artigo 5º, incisos LIV E LV, DA Constituição Federal. Preliminares rejeitadas.

1. O acórdão proferido em sede de ação rescisória tem cunho constitutivo negativo, não ensejando a execução, razão pela qual não se aplica o enunciado 150 da Súmula/STF.

2. É de se rejeitar a alegação de prescrição intercorrente, na forma do enunciado 264 da Súmula do STF, tendo em vista que a ação rescisória não ficou paralisada por prazo superior a cinco anos.

3. A despeito de a ação rescisória ter sido julgada procedente por esta Corte, desconstituindo, em conseqüência, a sentença para julgar improcedente o pedido do impetrante, na verdade, o acórdão proferido em sede de rescisória não determinou a reposição ao erário dos valores recebidos indevidamente. Por tal razão, impõe-se a instauração de processo administrativo, em que seja observado o devido processo legal e assegurada ao impetrante a manifestação em todas as suas fases, inclusive a respeito do valor, da forma de devolução, ou mesmo dos juros e correção monetária.

4. O desconto de quaisquer valores em folha de pagamento de servidor público pressupõe a sua prévia anuência, não podendo ser feito unilateralmente, uma vez que as disposições do art. 46 da Lei 8.112/90, longe de autorizarem a Administração Pública a recuperar valores apurados em processo administrativo, apenas regulamentam a forma de reposição ou indenização ao erário após a concordância do servidor com a conclusão administrativa ou a condenação judicial transitada em julgado (STF MS 24.182/DF, Pleno Ministro Maurício Corrêa, Informativo 337, de 16 a 20 de Fevereiro de 2.004; AI 241.428 AgR/SC, Segunda Turma, Ministro Marco Aurélio, DJ de 18.02.2000; STJ, RESP 336.170/SC, Segunda Turma, Relator para acórdão o Ministro Franciulli Neto, DJ 30.06.2003; RESP 207.348/SC, Segunda Turma, Ministro Francisco Peçanha Martins, DJ 25.06.2001)

5. Apelação a que se dá provimento".

(AMS 2003.38.01.003163-0/MG. Rel. Des. Federal Antônio Sávio de Oliveira Chaves. Juiz Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes. DJ de 10.12.2007. p. 23)

"Administrativo. Mandado de Segurança. Servidor público. IPC de março de 1990. Valores recebidos em razão de decisão judicial posteriormente rescindida. Suspensão do pagamento. Reposição ao erário. Necessidade de processo administrativo, com a garantia de contraditório e ampla defesa, no que se refere à apuração e forma de restituição.

1. Nesse caso concreto, a apuração do débito e a forma de restituição deve ser acompanhada pelo Impetrante, com garantia de contraditório e ampla defesa. Este é o entendimento desta egrégia Turma no sentido de que, “salvo comprovação de erro,apurado em processo administrativo regular, com a garantia do contraditório e da ampla defesa não pode a Administração Pública reduzir o valor de gratificação incorporada aos vencimentos de servidor público federal” (AG 2001.01.00.033057-0/DF, Rel. Des. Federal Antônio Sávio de Oliveira Chaves, DJ 12.03.2002 p. 19). E ainda: “impõe-se à Administração obedecer à regra do devido processo legal para tornar sem efeito ato administrativo que já tenha repercutido na esfera patrimonial do destinatário” (AC 1999.01.00.089520/DF. Rel. Des. Federal Plauto Ribeiro. Relator convocado João Batista Gomes Moreira, DJ de 28.08.2000 p. 35).

2. Tratando-se de pagamento de valores em cumprimento de decisão judicial e sua posterior suspensão, também em cumprimento de decisão judicial (Medida Cautelar Incidental no TST-MC – 154.816/91-3 – fls. 52/53), e ainda, pelo fato da declaração da nulidade do acórdão rescindendo proferido na Reclamação Trabalhista n. 1155/91, em que figurou o Impetrante como substituído (conf. Ofício fls. 58), não cabe a alegação de recebimento de boa fé e da impossibilidade de repetição, mesmo em face do caráter alimentar da parcela suprimida, vez que tudo foi feito por conta e risco do Impetrante na demanda levada a efeito na esfera trabalhista, não havendo, a rigor, liberalidade de pagamento pela Administração. Também não se pode desconsiderar o enriquecimento sem causa do Impetrante.

3. Não há que se falar em decadência, por não haver, a rigor, ato administrativo concessivo de vantagem, e mesmo que houvesse, somente teria seu termo inicial com o advento da Lei n. 9.784/99, conforme a reiterada jurisprudência dos Tribunais.

4. Quanto a exclusão de parcelas alcançadas pela prescrição em eventual ação da Administração pra reaver os valores pagos indevidamente, não pode esta ser decretada sem a demonstração da efetiva ocorrência, mormente pelo fato de que o Impetrante não comprovou sequer o efetivo trânsito em julgado da decisão proferida nos autos da ação rescisória trabalhista, quanto mais a ciência da Administração, presumindo-se a legalidade do ato da administração, ressaltando a necessidade de prova pré-constituída e a impossibilidade de dilação probatória nesta via estreita do mandado de segurança.

5. Apelação parcialmente provida".

(AMS 2002.34.00.007823-2/DF. Rel. Des. Federal Antônio Sávio de Oliveira Chaves. Juíza Federal Sônia Diniz Viana (convocada). DJ de 14.05.2007 p. 27).

“Administrativo. Mandado de Segurança. Servidor público. Reajuste de 84,32%. Decisão transitada em julgado em ação trabalhista posteriormente cassada. Ação rescisória procedente. Devolução dos valores indevidamente recebidos após o ajuizamento da rescisória. Boa fé. Inocorrência. Artigo 45, parágrafo 3º da Lei  8.112/90. MP N. 2.225/2001.

1. Tendo sido negado o reajuste de 84,32% nos vencimentos dos servidores em decorrência de ação rescisória julgada procedente, os valores percebidos por força da sentença trabalhista rescindida devem ser devolvidos, nos termos do art. 46, § 3º da Lei n. 8.112/90, com a redação dada pela MP n. 2.225-45/2001.

2. A devolução pretendida pelo IBAMA abrange somente o período posterior ao ajuizamento da ação rescisória. Elaboradas as planilhas e realizadas as devidas notificações dos servidores, quanto aos descontos, estes não se desincumbiram de comprovar o desrespeito ao devido procedimento legal.

3. Cassada a decisão judicial que determinou a incorporação do reajuste de 84,32%, pode a Administração proceder aos descontos do que foi percebido pelos impetrantes após o ajuizamento da ação rescisória.

4. A boa-fé que fundamenta a não devolução de valores recebidos pelo servidor ocorre quando a Administração procede voluntariamente ao pagamento de determinadas parcelas, que posteriormente se mostram indevidas, em face de sua errônea interpretação da legislação.

5. Precedentes (STJ: AgRg no REsp 870434/RN; Rel. Min. Gilson Dipp, DJ/I de 11.06.2007, p. 369; TRF/1ª: AMS 2002.30.00.000051-0/AC; Rel. Des. Federal Neuza Maria Alves da Silva, DJ/II de 21.11.2005 p. 116; AMS 1998.01.00.057974-9/DF, Rel. Juiz Federal Convocado Marcelo Dolzany da Costa, DJ/II de 04/08/2005 p. 53).

6. O valor de cada parcela devida a título de reposição ao erário não pode exercer a 10% (dez por cento) da remuneração, provento ou pensão, nos termos do art. 46, § 1º, da Lei n. 8.112/90, com a redação conferida pela Medida Provisória n. 2.225/2001.

7. Apelação dos impetrantes e Remessa Oficial improvida. Sentença mantida”.

(AMS 202.34.00.014319-9/DF. Rel. Des. Federal Luiz Gonzaga Barbosa Moreira. DJ de 12.11.2007. p. 15).

O entendimento do STJ
O Superior Tribunal de Justiça é o intérprete da legislação federal e tem posicionamento pacífico em torno do tema, no qual analisou-se todos os elementos que envolvem a questão do ressarcimento ao erário pelo Estado em face do servidor público integrante dos seus quadros. Vejamos:

"Agravo Regimental em Agravo de Instrumento. Direito Processual Civil e Administrativo. Violação do artigo 535 do Código de Processo Civil. Omissão. Inocorrência. Reposição ao erário. Incabimento. Boa fé do servidor.

1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme no entendimento de que a parte deve vincular a interposição do recurso especial à violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, quando, mesmo após a oposição de embargos declaratórios, o tribunal a quo persiste em não decidir questões que lhe foram submetidas a julgamento, por força do princípio tantum devolutum quantum appellatum ou, ainda, quando persista desconhecendo obscuridade ou contradição arguidas como existentes no decisum.

2. Decidindo o Tribunal a quo a questão posta, relativa à impossibilidade do ressarcimento ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor, não há falar em violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, à ausência de omissão qualquer a ser suprida.

3. Revendo entendimento anterior, este Superior Tribunal de Justiça passou a afirmar o incabimento da reposição dos valores pagos indevidamente pela Administração Pública em virtude de inadequadas interpretação e aplicação da lei, em face da presunção da boa-fé dos servidores no recebimento dos valores.

4. Agravo regimental improvido. AgRg no Ag 1030125 / MA AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2008/0064229-3 Relator Ministro HAMILTON CARVALHIDO.

A jurisprudência da Corte Superior de Justiça está firmada no sentido de que é obrigatória a devolução de vantagem patrimonial paga pelo erário público, em face de cumprimento de decisão judicial precária, desde que respeitado o contraditório e ampla defesa". Vejamos:

"Administração. Servidor público federal. Valores percebidos por força de liminar. Restituição. Desconto em folha. Possibilidade. Decadência. Administração pública. Não-ocorrência. Recurso conhecido e improvido.

1. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão segundo a qual os atos administrativos praticados anteriormente ao advento da Lei 9.784/99 também estão sujeitos ao prazo decadencial qüinqüenal de que trata seu art. 54. Todavia, nesses casos, tem-se como termo a quo a entrada em vigor de referido diploma legal, ou seja 1º/2/99.

2. No caso em exame, a Administração pretende reaver valores que haviam sido indevidamente pagos aos recorrentes por força de liminar revogada em 1993. Por conseguinte, não há falar em decadência na espécie, já que o recorrido passou a efetuar os descontos nos proventos dos recorrentes em 2001.

3. Assiste à Administração Pública o direito de efetuar o desconto no contracheque dos servidores de valores indevidamente pagos por força de decisão judicial liminar posteriormente revogada, desde que observados os princípios da ampla defesa e do contraditório, assim como respeitado o limite máximo de desconto previsto em lei, no caso a décima parte da remuneração nos termos do art. 46 da Lei 8.112/90. Precedentes do STJ.

4. Recurso conhecido e improvido. (REsp 953.595/RJ, 5.ª Turma, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe de 17/11/2008.)".

"Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Servidor público. Desconto em contracheque de importância recebida em razão de liminar, que não foi mantida no julgamento do mérito. Aplicação da Súmula 405 do STF.

I – "Até o advento da Lei 9.784/99, a Administração podia revogar a qualquer tempo os seus próprios atos, quando eivados de vícios, na dicção das Súmulas 346 e 473/STF" (MS nº 9.112-DF, Corte Especial, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 16.02.2005);

II – O acolhimento, em parte, de pedido de reconsideração apresentado pelos recorrentes demonstra que foi exercido o direito ao contraditório, quando da implementação do desconto das parcelas recebidas em função de liminar posteriormente cassada;

III – "É devida a restituição de vantagem patrimonial recebida por servidor público mediante provimento liminar judicial não mantido quando do julgamento da ação mandamental. Aplicação do enunciado da Súmula n. 405, do STF." (Precedentes).

Recurso ordinário desprovido. (RMS 17.853/RS, 5.ª Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 08/05/2006.)"

Conclusão
A Administração pode promover, em nome do Princípio da Autotutela, o ressarcimento dos valores irregularmente pagos sem a necessidade de processo judicial. Ratificando tal entendimento o STF editou a súmula 473, segundo a qual ”A Administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em qualquer caso, a apreciação judicial”.

Não obstante, referido poder não pode ser exercido indistintamente, pois se encontra inserido em um ordenamento jurídico, impondo-se a sua adequação a outros comandos legais.

O grande limite à Autotutela, conforme entendimento jurisprudencial e doutrinário está na necessidade de se verificar o Devido Processo Legal, com Ampla Defesa e Contraditório ao interessado, sempre que a sua aplicação possa levar a restrição a direito de terceiro, devendo o art. 46 da Lei 8.112/1990 ser interpretado a partir do artigo5, incisos II e LV da CF.

Outrossim, a Administração está impedida de repetir valores pagos e recebidos de boa-fé pelo servidor. Entretanto, na hipótese de demandas judiciais, a boa-fé é irrelevante, uma vez que desde o início era ciente da precariedade do provimento jurisdicional, devendo se submeter ao risco natural de qualquer ação judicial e seus efeitos. Todavia, apesar da precariedade da decisão judicial, permanece a necessidade da abertura do processo administrativo em que se garanta o contraditório e a ampla defesa para se garantir a legitimidade do ressarcimento ao erário.

Bibliografia
[2]DALLARI. Adilson Abreu. Os poderes administrativos e as relações jurídico-administrativas. In RTDP, São Paulo : Malheiros, 1999, v.24, p.69.

[3] BACELLAR FILHO. ROMEU FELIPE. Processo Administrativo Disciplinar. Ed Max Limoned. 1ª Ed. 1998. p. 67

[4] BACELLAR, FILHO. ROMEU FELIPE. Processo Administrativo Disciplinar. Ed Max Limoned. 1ª Ed. 1998. p. 304

[5] BACELLAR, FILHO. ROMEU FELIPE. Processo Administrativo Disciplinar. Ed Max Limoned. 1ª Ed. 1998. p.233

[6] ANTUNES, Carmem Lúcia. Princípios Constitucionais do Processo Administrativo no Direito Brasileiro. In RTDP, São Paulo : Malheiros, 1997, v. 17, p.24.

[7] BACELLAR FILHO. ROMEU FELIPE. Processo Administrativo Disciplinar. Ed Max Limoned. 1ª Ed. 1998. p. 61.

[8] Ferraz, Sérgio; Dallari, Adilson Abreu. Processo administrativo. Malheiros: São Paulo, 2000, p. 83.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!