DIREITO DE VOTO

Votar é fácil; difícil é entender as leis eleitorais

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2 de setembro de 2010, 16h48

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Mauricio Cardoso - Coluna - Spacca - Spacca

O caso da governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB),  é exemplar: ela corre o risco de não poder se candidatar para cumprir um segundo mandato no cargo que ocupa atualmente. É a lei, no caso a Lei da Ficha Limpa, que veio acrescentar mais confusão à já confusa legislação eleitoral vigente.

Como lembra o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Torquato Jardim, a perda de registro, diploma ou mandato pode ser motivada por quatro legislações diferentes. O abuso de poder econômico, por sua vez, é punido também por quatro legislações, cada um determinando um caminho diverso.

Vale lembrar que o Código Eleitoral (Lei 4.737) que ilumina nossos pleitos é de 1965, uma época em que fazer eleições não estava entre as prioridades dos detentores do poder. Desde então o código foi emendado e remendado mas continua valendo. A maior das emendas foi feita, menos de um ano após sua entrada em vigor, pela Lei 4.961 de 1966. Nos 45 anos de vigência do bravo Código Eleitoral, já foram feitas cerca de três centenas de dispositivos alterados em seus 383 artigos, boa parte delas durante a ditadura. Com o Código Eleitoral ou sem ele, o regime militar tratou muito mal as eleições e implantaram a escolha indireta de presidente, governadores e prefeitos das capitais e ainda criaram a figura eleitoral do senador biônico — o parlamentar que representava o povo sem precisar de voto.

No total, 45 leis tratam de matéria eleitoral. Como se não bastasse, a cada eleição o TSE despeja uma coleção de resoluções para fixar as normas daquele pleito especificamente. As mais relevantes, além do Código Eleitoral, são a Lei 9.096/95, a chamada Lei dos Partidos Políticos, e a Lei 9.504/97, conhecida como Lei das Eleições. Também importante é a Lei Complementar 64/90, a Lei das Inelegibilidades, que regulamenta o artigo 14 da Constituição.

As duas últimas eleições presidenciais foram brindadas com minirreformas eleitorais. A de 2006 (Lei 11.300) foi provocada pela avalanche de denúncias sobre mau uso do dinheiro nas campanhas eleitorais desencadeada pelo mensalão. Com o propósito de conter e moralizar os gastos de campanha, a minirreforma criminalizou a propaganda eleitoral.

Com a desculpa de que não se pode gastar dinheiro na campanha, foi proibido fazer camiseta, colocar outdoor ou promover showmício — aquela mistura de show com comício que levava alguma graça à militância partidária. Golpe mais duro na propaganda eleitoral só mesmo na época da ditadura, quando a legislação permitia aos candidatos dizer apenas o nome e o número durante o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão. As ideias, ora as ideias.

Já a minirreforma de 2009 (Lei 12.034) trouxe como maior contribuição ao processo eleitoral uma tentativa de disciplinar o uso da internet em campanha. Partindo do pressuposto errado de que tudo que está na internet é enquadrável no convencional conceito de imprensa, a tentativa fracassou e serviu apenas para retardar o inevitável desfrute da mais poderosa ferramenta de comunicação para fins eleitorais em toda sua potencialidade.

A maior das contribuições ao tumulto do processo eleitoral foi dada pela Lei 135/2010, a Lei da Ficha Limpa, que altera a LC 64/90, e que diz que não pode ser candidato o cidadão que tenha condenação judicial em segunda instância. A previsão é que a enxurrada de ações de impugnação de candidaturas de fichas sujas superem o segundo turno das eleições e se estenda quem sabe até depois do fim dos mandatos dos suspeitos eleitos.

Para colocar ordem no reduto eleitoral, só mesmo uma reforma política em regra. Mas diante da aparente impossibilidade de uma empreitada que reforme não apenas nas eleições mas na própria atividade política,  não faltam iniciativas para colocar ordem na legislação eleitoral.

Assim, tramita no Congresso o Projeto de Lei 2.277/99 com a finalidade de fazer a consolidação das leis eleitorais. Depois de 11 anos de gaveta, o projeto, com substitutivo do deputado Bruno Araújo (PSDB-PE), foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em março deste ao. Além do projeto de lei de consolidação, está em ação a Comissão Especial criada por iniciativa do Senado e encabeçada pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal,  encarregada de apresentar um projeto de Reforma do Código Eleitoral. Pode demorar, mas nem tudo está perdido.

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