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Corrupção prejudica a livre concorrência

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2 de setembro de 2010, 13h00

A Transparência Internacional, organização global não governamental, define corrupção como o abuso de posição, seja ela pública ou privada, com o intuito de obter vantagem pessoal. Assim, esse conceito, que abrangia apenas as relações entre o setor público e privado, vem sendo alargado para atingir as transações entre particulares, que, caso estejam distorcidas, também poderão ser caracterizadas como ato de corrupção.

A corrupção, em sentido amplo, seja nas relações entre o Estado e o particular, seja nas relações entre entes privados, traz inúmeros malefícios à sociedade, comprometendo a legitimidade política e credibilidade das instituições. Além disso, a corrupção ainda distorce a alocação de recursos, ameaça a integridade do mercado, gera um ambiente de crescente insegurança e afugenta novos investimentos.

Em razão dessa percepção, o combate a todas as formas de corrupção vem sendo tema de inúmeros estudos de entidades transnacionais e órgãos governamentais que têm, nos últimos anos, criado políticas e dispositivos legais cada vez mais abrangentes, no intuito de posicionar-se de maneira mais pró-ativa na verificação, identificação, individualização, prevenção e punição de atos ilícitos dessa natureza.

O setor privado tem especial responsabilidade nesse sentido. Antigamente, a função da empresa consistia apenas no compromisso isolado de, a todo custo, trazer retorno direto aos seus sócios e acionistas, o que ocorreria com o mero aumento de sua lucratividade. Pouco importavam os meios para obter essa almejada lucratividade, bastando apenas que as metas fossem atingidas.

Contudo, esse panorama vem sendo alterado gradativamente. Diversos países vêm demandando, por meio de legislação própria, uma postura ética dos funcionários públicos e exigido das empresas privadas atitudes similares, com a existência e difusão de códigos de conduta adaptados à sua atividade, bem como de um efetivo e bem divulgado programa anti-corrupção, para que estas disseminem – e também exijam de seus pares e stakeholders – um conjunto de condutas que se coadunem com o conceito de boas práticas corporativas.

Tais legislações têm se mostrado cada vez mais efetivas, de aplicação abrangente, com o intuito de coibir a prática de atos ilícitos, em especial aqueles relacionados à corrupção.

No exterior, a preocupação com o controle da corrupção não é recente. Nos Estados Unidos, por exemplo, encontra-se em vigor, desde 1977, o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), mundialmente conhecido como uma das mais severas legislações anti-corrupção, tendo sido criada como resposta a uma série de investigações conduzidas pela Securities and Exchange Commission (SEC) acerca do volume de pagamentos ilegais efetuados por empresas dos Estados Unidos para funcionários públicos estrangeiros, na década de 1970.

A atuação dos órgãos norte-americanos responsáveis pela aplicação do FCPA tem sido muito severa, em especial a partir de 2004, acarretando a aplicação de penalidades gravíssimas às empresas investigadas, em especial o pagamento de multas milionárias. Não só: esse tipo de investigação provoca um efeito altamente negativo na imagem e reputação destas empresas, que se vêem às voltas com a obrigação de lidar com um escândalo de proporções mundiais decorrentes da prática de condutas ilícitas, o que pode ser devastador para seus negócios, manchando sua reputação indelevelmente.

A partir da década de 1990, também em decorrência do FCPA, houve um aumento na preocupação da comunidade internacional quanto ao impacto adverso da corrupção nos negócios internacionais, tendo sido organizados inúmeros grupos de estudo, de diversos organismos internacionais, no intuito de apresentar proposituras que auxiliassem a diminuir a prática desse ilícito.

Em consequência desses esforços, resultaram, como as mais importantes, quatro convenções internacionais: a “Convenção Interamericana contra a Corrupção”, idealizada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), firmada em 1996; a “Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais”, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), firmada em 1997, e baseada em grande parte no FCPA norte-americano; a “Convenção relativa à luta contra a corrupção em que estejam implicados funcionários das Comunidades Européias ou dos Estados Membros da União Européia”, aprovada pelo Conselho da União Européia em 1997, além da Ação Comum de 22 de dezembro de 1998, relativa à corrupção no setor privado; e a “Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção”, aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2005.

Em decorrência dos compromissos assumidos perante essas organizações – tais como aqueles previstos na convenção da OCDE, diversos países, em resposta, começaram a inserir em seus respectivos ordenamentos uma série de normas voltadas ao combate à corrupção, em especial no tocante aos ilícitos relacionados a funcionários públicos estrangeiros. Muitos países, como o Brasil, decidiram inserir dispositivos em sua legislação criminal, tipificando os crimes de corrupção ativa e tráfico de influência em transação comercial internacional.

Outros países, como Bélgica, Grécia e Itália, preferiram, alternativa ou cumulativamente, organizar regramentos próprios para o combate à corrupção, no intuito de responsabilizar administrativamente pessoas jurídicas por crimes cometidos por pessoas naturais, impondo multas e outras sanções de natureza administrativa.

O Reino Unido foi ainda mais longe. Em 8 de abril de 2010, o Bribery Act 2010 recebeu aprovação real, demonstrando-se ainda mais severo do que o FCPA norte-americano.

As principais novidades do Bribery Act 2010 frente ao FCPA são (i) a possibilidade de responsabilização das empresas caso estas não tomem o cuidado necessário para impedir o pagamento de propina, direta ou indiretamente, ainda que por meio de empregados, consultores, agentes, subsidiárias, controladas ou associados; (ii) a tipificação dos pagamentos feitos a título de facilitação de negócios, de certa maneira relevados pelo FCPA; e (iii) o fato de tornar passível de punição não só a ocorrência de suborno e/ou corrupção de funcionários públicos estrangeiros, mas também punir práticas deste tipo quando realizadas entre a empresa e outras pessoas físicas ou jurídicas, em ambiente doméstico ou estrangeiro.

O Brasil, por sua vez, também vem tentando adaptar sua legislação a essas novas exigências, tendo em vista a percepção da opinião mundial sobre o nível de corrupção existente em suas instituições. Em recente pesquisa da Transparência Internacional (Corruption Perception Index, de 2009), que mede o grau de corrupção percebida, verificou-se que o Brasil se encontra em 75º lugar neste ranking, em um universo de 180 participantes. Trata-se de uma posição bastante modesta para um país que deseja alçar voos maiores e apresentar um desenvolvimento econômico consistente nos próximos anos.

Além da Lei de Improbidade Administrativa e de o Brasil ter efetuado a já referida modificação em seu Código Penal, inserindo dois novos artigos relacionados à corrupção de funcionários públicos estrangeiros, tem–se tentado apresentar outros elementos legislativos no intuito de combater a corrupção.

Por meio da iniciativa popular, foi lançado o Projeto Ficha Limpa, que tinha como intuito combater a corrupção e a impunidade no país. Referido projeto resultou na Lei Complementar 135/2010, que prescreve, entre outros, a inelegibilidade por oito anos, a partir da punição, do indivíduo condenado por crimes eleitorais, como compra de votos, fraude e falsificação de documento público, lavagem e ocultação de bens, ou improbidade administrativa.

O governo brasileiro, a seu turno, visando atender aos compromissos internacionais de combate à corrupção, assumidos pelo Brasil ao ratificar as convenções da ONU, OEA e OCDE, propôs o Projeto de Lei 6.826/2010, ainda em fase inicial de tramitação. Referido projeto tem o objetivo de suprir uma lacuna existente no sistema jurídico nacional no que tange à responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos ilícitos contra a Administração Pública, em especial por atos de corrupção e fraude em licitações e contratos administrativos.

No tocante à corrupção, citado projeto prevê que constitui ato lesivo à Administração Pública, nacional ou estrangeira, “prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada”. A responsabilidade da pessoa jurídica por esse ato ilícito será objetiva e sem a necessidade de investigar a culpa do agente, mesmo que tenha sido este praticado por qualquer agente ou órgão que a represente, ainda que não haja vínculo formal de representação nem autorização superior para a prática do ato. Ademais, serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos ilícitos as entidades integrantes do mesmo grupo econômico, as sociedades controladas ou controladoras, as coligadas e, se o caso, também as consorciadas.

O projeto prevê sanções administrativas e civis às empresas que cometerem tais atos ilícitos. Em sede administrativa, são previstas diversas sanções, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, indo desde multas, no valor de até trinta por cento do faturamento bruto do último exercício da pessoa jurídica, e reparação do dano, até a rescisão do contrato administrativo ou revogação da delegação, autorização, permissão ou licença.

Além disso, o projeto prevê que a personalidade jurídica da empresa poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos ali previstos ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração.

Na esfera judicial, poderá o Ministério Público, bem como os demais legitimados, ajuizar ação requerendo: (i) perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; (ii) suspensão ou interdição parcial de suas atividades; (iii) dissolução compulsória da pessoa jurídica. Além disso, poderão ser requeridas, cumulativamente, a aplicação das penas atinentes à esfera administrativa.

Como se vê, o Brasil vem tentando se adaptar à tendência mundial do combate à corrupção. Não é por acaso que foi realizada em São Paulo, nos dias 21 a 23 de julho, a “Conferência Latino-Americana sobre Responsabilidade Corporativa na Promoção da Integridade e no Combate à Corrupção”, promovida pela OCDE, no âmbito de seu Programa Latino-Americano anticorrupção, e pela Controladoria-Geral da União, no intuito de fomentar a discussão, junto ao setor privado e demais membros da sociedade civil, a respeito dos riscos e conseqüências associadas à corrupção nas transações comerciais, bem como contribuir para o aprimoramento da legislação dos países latino-americanos referente à responsabilização das empresas por atos de corrupção.

Neste momento, a discussão e implementação de medidas anticorrupção toma contornos importantes na economia nacional, tendo em vista que nos próximos anos haverá vultosos investimentos no setor de infra-estrutura, imprescindíveis para a realização da Copa do Mundo de 2014 e jogos Olímpicos de 2016, e que os investidores internacionais direcionam seus recursos considerando, também, o grau de corrupção do país.

Muito embora seja tarefa impossível calcular exatamente o real impacto financeiro da corrupção nas atividades do país, segundo estudo divulgado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), em março de 2010, intitulado “Relatório Corrupção: custos econômicos e propostas de combate”, estima-se que o custo médio anual da corrupção no Brasil representa de 1,38% a 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, gira em torno de R$ R$ 41,5 bilhões a R$ 69,1 bilhões. Tais valores, obviamente, poderiam ter destinação mais efetiva para economia do país, ao invés de sustentar uma “indústria” que só denigre a imagem brasileira.

O Brasil, hoje, é indicado pela opinião internacional como um país economicamente estável, que saiu fortalecido da crise mundial. Contudo, de nada adianta a estabilidade da economia se o país for desprovido de padrões éticos de conduta e fortemente suscetível à corrupção.

Para alcançar esse desenvolvimento econômico esperado, o governo brasileiro terá que aprimorar suas instituições, no intuito de reduzir o nível de corrupção existente.

O setor privado, por sua vez, deverá também investir e adaptar-se a esse novo cenário mundial. Ainda que o destino do Projeto de Lei 6.826/2010 seja incerto, dado que se encontra em estágio inicial de tramitação, as empresas devem desenvolver um programa efetivo de compliance, que contenha normas de prevenção, detecção e punição fortes e eficazes, o que certamente reduzirá o risco de corrupção e fraude em geral, além de valorizar a empresa e maximizar seu desempenho financeiro.

Um exemplo recente de adaptação às novas exigências mundiais foi dado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Cansada de enfrentar, em suas licitações, suspeitas de acordos entre empresas que as disputavam, passou a exigir uma declaração das licitantes, asseverando que estas não teriam realizado acordos prévios entre si, no intuito de dirigir o resultado do certame. Na hipótese de se constatar o descumprimento dessa declaração, a empresa contratada poderá ter seu contrato imediatamente rescindido, já que agiu em desacordo às condições do edital, tendo que lidar, ainda, com uma possível denúncia aos órgãos reguladores da concorrência, que acarretará em inúmeros prejuízos.

Assim, a falta de respeito às normas acarreta especialmente a disseminação de corrupção e fraudes em geral, encarece e burocratiza os negócios, afetando, obviamente, a livre concorrência. O seu combate, por outro lado, assume papel fundamental na viabilização do crescimento econômico e no fortalecimento das instituições democráticas. A principal lição que a sociedade deve extrair desse recente movimento é que a corrupção é um péssimo negócio para todos.

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