Dolo e prejuízo

Aplicação da Lei de Improbidade será revista no STJ

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25 de outubro de 2010, 12h44

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça está perto de pacificar o seu entendimento sobre a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92). Ao receber os Embargos de Divergência interpostos pela ex-prefeita do município de Barra do Chapéu (SP), o ministro Arnaldo Esteves Lima, relator do recurso, reconheceu as divergências na aplicação das punições do dispositivo em julgados na Seção. O recurso ainda será julgado.

A Lei de Improbidade Administrativa estabelece sanções para punir os atos irregulares praticados por agentes públicos. Entre as punições, estão o ressarcimento do prejuízo aos cofres públicos, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a dez anos, multa, proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios e incentivos fiscais.

No entanto, a legislação não apresenta um critério para a aplicação das penas, determinando que o juiz as aplique de acordo com a natureza, a gravidade e as consequências da infração. “Como esses critérios não estão pacificados, há uma série de divergências internas em relação à interpretação da lei pelo STJ, o que provoca discrepâncias nos julgamentos, além de uma série de recursos pedindo a reforma das decisões”, destacou a advogada Andréa Carvalho Ratti, do escritório LO Baptista Advogados, defensora da ex-prefeita.

Divergências
Algumas decisões determinam que, para se caracterizar o ato de improbidade administrativa, deve haver dolo do agente, ou seja, lesão ao erário público e enriquecimento ilícito. Já outros entendimentos consideram que basta o desvio de finalidade, mesmo sem a presença do dolo e do enriquecimento ilícito, para que se caracterize a improbidade.

No caso que será analisado no STJ, Maria Anunciata da Silva Leme, ex-prefeita de Barra do Chapéu, corre o risco de perder seus direitos políticos por anular um concurso público. Segundo a defesa da ex-prefeita, o procedimento foi cancelado, pois havia a suspeita de que o certame foi um “jogo de cartas marcadas”, realizado para a contratação de servidores que já atuavam na prefeitura. Com o cancelamento do concurso, dois funcionários que foram efetivados após o certame foram dispensados. Mesmo não aferindo lucro à ex-prefeita, a Justiça entendeu que houve desvio de finalidade, pois, antes do cancelamento do concurso, era necessária uma investigação do caso.

No recurso, a defesa sustenta que a sua condenação está em dissonância com julgados da 1ª Seção do STJ. As decisões, segundo os Embargos de Divergência, apontam que é imprescindível a presença do dolo do agente. A condenação da ex-prefeita se deu mesmo sem a comprovação de que houve dolo ou que ela tenha obtido alguma vantagem com o cancelamento do concurso.

Para a advogada que atua no caso, as diferentes interpretações sobre a aplicação das sanções acabam em determinações injustas e muito pesadas. Ela destacou, por exemplo, que se em alguns casos, um direitor de hospital pode perder o seu cargo por contratar funcionário sem concurso público, em outros um prefeito que favoreceu determinada empresa em uma licitação pode ser absolvido, caso não seja provada a lesão ao erário.

“Não existe uma dosemetria. Há casos em que penas pesadas, como a perda dos direitos políticos, são aplicadas em situações consideradas de baixa gravidade, e vice-versa.” Com isso, Andréa observou que as sanções têm sido aplicadas em blocos, isto é, o agente sofre todas as punições previstas na lei, independentemente da extensão do dano ou do proveito patrimonial obtido pelo servidor.

Outra divergência se refere à possibilidade de o STJ rever a aplicação das penas por meio de Recurso Especial. Há decisões no sentido de que reabrir a discussão das sanções aplicadas nas instâncias inferiores viola a Súmula 7 do STJ. De acordo com esta súmula, a corte não pode fazer a reapreciação das provas dos autos.

Mas há também decisões que afirmam que não é necessário o reexame das provas. A análise das sanções pode ser feitas por meio da interpretação dos dispositivos legais. “Nós acreditamos que o julgamento do recurso uniformize a aplicação dessas penas para os juízes de primeira instância”, diz a advogada.

Foco no dano
Entre os advogados também há divergências na interpretação da Lei de Improbidade. Na avaliação do advogado Renato Poltronieri, do escritório Demarest & Almeida, a legislação já deixa claro quais são os atos de improbidade e quais penas devem ser aplicadas. Falta ao Judiciário entender que os cargos públicos se diferenciam dos cargos da esfera privada, pois demandam maior responsabilidade dos dirigentes. “O administrador deve assumir as responsabilidades dos seus atos, mesmo que eles estejam cobertos de boas intenções. Independentemente da presença do benefício ao agente público, o que deve ser considerado é se houve dano ao erário.”

Ele destacou ainda que a falta de clareza dessa condição descaracteriza as ações, provocando um prejuízo enorme ao estado. “O julgador deve ser pautado pela ideia de erro, de falha, para responsabilizar o servidor”, diz o advogado, para quem o administrador incompetente, e não apenas aquele que pratica ato de enriquecimento ilícito, também deve ser punido. “Mesmo sem ter a intenção, o administrador pode causar prejuízos. E não deve ser considerada apenas a questão financeira, mas também nos casos em que o servidor não exerce a sua função com responsabilidade e qualidade.” A pena só não seria aplicada, segundo o advogado, se o dano for causado por um ato fora do controle do agente público.

O advogado destacou ainda que, se é permitida ao administrador incompetente não responder pelos seus atos, é aberto um precedente para que não se destine corretamente os recursos públicos.

Clique aqui para ler a decisão do ministro Arnaldo Esteves Lima.

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