Filhos da ciência

Itália debate se libera doação de esperma e óvulo

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9 de outubro de 2010, 9h37

Enquanto a imprensa mundial anuncia Prêmio Nobel para o pai do bebê de proveta, a imprensa italiana discute a luta do país para consolidar a fertilização in vitro. Na Itália, uma lei proíbe o casal que não pode ter filhos de usar espermatozoide ou óvulo alheio para fazer o seu herdeiro. Se um dos dois tem algum problema, a adoção vira a única alternativa. Ou adeus aos sonhos de criar o próprio rebanho.

Nesta semana, o Tribunal de Florença levantou um incidente de inconstitucionalidade sobre o assunto. Mandou para a Corte Constitucional do país a tarefa de julgar se a restrição aos bebês de proveta fere a Constituição da Itália. A proibição está em vigor desde o começo de 2004, quando uma lei (clique aqui para ler em italiano) criou regras no país para a reprodução assistida, prevista como última alternativa.

De acordo com a norma, o casal que procura a fertilização in vitro só pode se valer dos próprios óvulos e espermatozóides. Se há algum problema na produção, seja pela mulher ou pelo homem, não há nada mais a que o casal possa recorrer. Banco de espermas e doadores anônimos de óvulo não são permitidos na Itália.

Ao ser anunciada que a restrição à fertilização in vitro será discutida pelo Judiciário, o governo italiano se apressou a defender a lei. Em entrevista ao jornal Corriere della Sera esta semana, a subsecretária de Saúde, Eugenia Rocella, afirmou que o uso de esperma ou óvulo alheio criou um mercado internacional com conotações racistas e que provocou até a morte de mulheres doadoras. “Até mesmo a questão do anonimato na fecundação é particularmente grave porque conhecer os próprios pais biológicos é, além de um direito humano, um direito à saúde, já que assim se obtém informações preciosas”, argumentou.

A proibição, no entanto, pode cair em breve, sob a batuta da Corte Constitucional. E, se não for derrubada pelo Judiciário italiano, ainda assim, a vida da proibição pode ser curta. Isso porque, recentemente, a Corte Europeia dos Direitos Humanos considerou que norma austríaca semelhante à italiana violava direitos fundamentais do casal.

A decisão da corte europeia foi anunciada no dia 1º de abril (clique aqui para ler em inglês). Embora não tenha sido tomada por unanimidade e ainda esteja pendente de julgamento uma apelação, a posição adotada pela maioria dos juízes dá mais do que sinais claros do que entende a comunidade sobre a proibição de doadores de esperma e óvulo.

A lei austríaca admite apenas o uso de esperma de uma terceira pessoas em circunstâncias extremamente excepcionais e desde que o esperma seja introduzido direto na mulher. Ou seja, a fecundação não pode acontecer in vitro. Já a doação de óvulos é proibida em qualquer caso, assim como na Alemanha, Croácia, Suíça e Noruega.

Para a corte europeia, dispositivos da Convenção dos Direitos Humanos que tratam da não interferência do governo na vida familiar e que proíbem a discriminação são violados pela lei da Áustria. No caso concreto em discussão, a corte condenou o país a indenizar dois casais que alegavam ter sido prejudicados por não poderem ter filhos a partir de óvulos e espermatozoides de terceiros.

Saúde em harmonia
Na Itália, a lei que regulamenta a reprodução assistida continha outras dificuldades, já derrubadas, para o casal que precisa se valer da ciência para ter filhos. Da forma como foi aprovada e vigorou até começo de 2009, não podiam ser fecundados mais do que três óvulos por vez e todos tinham de ser implantados no útero. Nada de congelar ou até mesmo destruir os bebês em potencial.

Logo após a entrada em vigor da norma, associações médicas especializadas em reprodução assistida lamentaram a aprovação da lei. Ela criou, de acordo com a avaliação médica, algumas bizarrices no ordenamento jurídico italiano. Pela lei, os óvulos fecundados podem ser estudados apenas para fins terapêuticos, ou seja, para diagnosticar doenças. Mas, ainda que qualquer doença grave seja diagnosticada, não podem ser descartados. Precisam, de qualquer forma, chegar até o útero.

A soma esdrúxula se dá quando a outra parcela é a lei que permite o aborto para as grávidas italianas. A história se torna mais ou menos a seguinte: o casal procura uma clínica, fecunda óvulos, descobre que um deles tem problemas sérios, a mulher é fecundada, engravida, descobre que o bebê que ela espera tem alguma má-formação genética e aborta. É este o quadro gerado pela lei.

Ao analisar a nova norma, em abril de 2009, a Corte Constitucional considerou os trechos inconstitucionais (clique aqui para ler a decisão em italiano). Em primeiro lugar, afirmaram os julgadores, não é a lei que tem de dizer indiscriminadamente qual é o melhor tratamento médico para uma pessoa. Limitar em três o número de óvulos fecundados pode obrigar a mulher a ter de fazer o tratamento mais de uma vez, já que não é certo que um dos três vai resultar em gravidez. O repetido estímulo para produzir óvulos pode prejudicar a saúde da mulher, consideraram. Sobre a obrigação de implantar todos os óvulos fecundados, afirmaram que interfere no direito de cada um de planejar a sua família.

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