Sem critérios

Ranking de litigantes mais confunde que informa

Autor

  • Daniel Lacsko Trindade

    é advogado especialista em Direito Administrativo pela Sociedade Brasileira de Direito Público e atual em contencioso administrativo e judicial civil pelo escritório Rubens Naves - Santos Jr. - Hesketh Escritórios Associados de Advocacia.

8 de outubro de 2010, 16h49

O Tribunal de Justiça de São Paulo divulgou em 29 de setembro de 2010 uma lista com o nome das cem maiores instituições litigantes, públicas e privadas, envolvidas em processos na Justiça Estadual. Conforme notícia da assessoria de imprensa do TJ-SP, a divulgação da lista das instituições que mais recorrem à Justiça foi definida como ação estratégica do Conselho Nacional de Justiça.

Segundo o presidente do Conselho Nacional de Justiça em exercício à época da definição dessas estratégias, a divulgação dos maiores litigantes do Judiciário serviria, nas suas palavras, para que a população fosse informada e para que houvesse uma busca de alternativas na solução desses conflitos. Em que pese a boa intenção dessa iniciativa, a mera divulgação desse ranking, em números brutos, pode gerar distorções e injustiças nas relações de consumo.

Até pelo seu grande apelo jornalístico, a elaboração e a publicação de um ranking das empresas que sofrem maior número de questionamentos judiciais devem ser pautadas por critérios objetivos que permitam ao consumidor avaliar o significado de números que, desacompanhados de certas informações, podem levar a conclusões enganosas e injustas.

O Código de Defesa do Consumidor (artigo 44, da Lei 8.078/1990), por exemplo, regulamenta a publicação do Cadastro de Reclamações Fundamentadas destinada a informar os consumidores e exige, por exemplo, que as demandas do consumidor passem por análise prévia quanto à sua fundamentação. E considera-se reclamação fundamentada “a notícia de lesão ou ameaça a direito de consumidor analisada por órgão público de defesa do consumidor, a requerimento ou de ofício, considerada procedente, por decisão definitiva” (artigo 58, do Decreto 2.181/1997).

Além disso, quem conhece a realidade de qualquer setor de serviços cujas empresas figuram no ranking logo percebe que seu posicionamento não expressa a qualidade dos serviços prestados. Como o número de processos de cada empresa não é comparado ao número de clientes ou consumidores por ela atendidos, as maiores empresas ficam em evidente desvantagem, inclusive em relação a entidades sabidamente inidôneas, que tenham aplicado golpes ou falido, por exemplo.

Sem a adoção de critérios adequados, portanto, o ranking elaborado pelo TJ-SP pode prejudicar ou valorizar injustamente a imagem de boa parte das empresas nele incluídas. E dificilmente servirá para esclarecer a realidade de cada setor e orientar corretamente clientes e consumidores na escolha de fornecedores.

Em razão desses riscos e da necessidade de adoção de critérios técnicos eficazes, a atribuição de criar rankings desse gênero não é do Judiciário, mas da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), que se submete às normas gerais de organização desse sistema, consolidadas no Decreto 2.181/1997. Razão pela qual a publicação do ranking do TJ-SP mostra-se estranha à defesa e orientação dos consumidores, e pode ser interpretada como abuso de poder, suscetível de responsabilização, como disposto no artigo 44, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor. Conforme anotação do ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamim a respeito desse artigo do CDC, “vislumbra-se, nesse ponto, que os danos sofridos pelo fornecedor em decorrência do arquivo e da divulgação de dados negativos sobre ele são reparáveis, desde que o órgão tenha descumprido seus deveres legais”.

A utilização de dados da Justiça Estadual para informar o consumidor deve ser realizada pelo Procon, mediante convênio com o TJ-SP, e “conter informações objetivas, claras e verdadeiras sobre o objeto da reclamação”. E, conforme sugestão do ministro Herman de Vasconcellos, para dar uma exata proporção das reclamações do consumidor, os números referentes a reclamações e processos devem ser divulgados juntamente com os “número de negócios de consumo realizados” pelas empresas, que, por sua vez, podem ser classificadas em grupos segundo critérios justos e internacionalmente aceitos.

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  • é advogado, especialista em Direito Administrativo pela Sociedade Brasileira de Direito Público, e atual em contencioso administrativo e judicial civil pelo escritório Rubens Naves - Santos Jr. - Hesketh Escritórios Associados de Advocacia.

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