Transferência de competência

É possível converter multa de trânsito em advertência

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8 de outubro de 2010, 8h56

Diante de várias consultas recebidas a respeito da questão em epígrafe, passaremos a expor o nosso entendimento, nos termos que se seguem.

Inicialmente, cumpre lembrar que a penalidade de advertência, na vigência do revogado Código Nacional de Trânsito – CNT, podia ser aplicada verbalmente, pelo agente da autoridade de trânsito, diante de infrações dos grupos 3 e 4, ou, por escrito, pela própria autoridade de trânsito, quando o infrator fosse primário[1].

Atualmente, porém, tal penalidade pode ser aplicada somente pela autoridade de trânsito, e por escrito, quando o infrator vier a cometer qualquer infração de natureza leve ou média, passível de ser punida com multa, desde que ele não seja reincidente na mesma infração (reincidência específica), nos últimos doze meses, e quando a autoridade (e só ela[2]), considerando o seu prontuário, entender esta providência como a mais educativa, conforme prevê o artigo 267 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, nos seguintes termos:

“Art. 267. Poderá ser imposta a penalidade de advertência por escrito à infração de natureza leve ou média, passível de ser punida com multa, não sendo reincidente o infrator, na mesma infração, nos últimos doze meses, quando a autoridade, considerando o prontuário do infrator, entender esta providência como mais educativa.

§ 1º A aplicação da advertência por escrito não elide o acréscimo do valor da multa prevista no parágrafo 3º do artigo 258, imposta por infração posteriormente cometida.

§ 2º O disposto neste artigo aplica-se igualmente aos pedestres, podendo a multa ser transformada na participação do infrator em cursos de segurança viária, a critério da autoridade de trânsito.” (negritamos)

Trata-se, portanto, de ato discricionário da autoridade de trânsito, conforme, aliás, se manifestou o CONTRAN, por meio de sua Ata da 84ª Reunião Ordinária, realizada em 06.11.2009 (DOU de 26.11.2009), da seguinte forma:

“A decisão da aplicação da penalidade de advertência por escrito é discricionária da autoridade de trânsito, que se entender como mais educativa e a considerar o prontuário do condutor infrator poderá aplicá-la.”

Não há mais a figura da penalidade de advertência verbal, como ocorria no passado. Logo, diante de infrações dessa natureza, o agente da autoridade de trânsito deve lavrar o Auto de Infração, ficando ao infrator o direito de recorrer administrativamente ao órgão de trânsito competente, solicitando tal benefício, se assim o desejar, conforme, inclusive, consta de nossa obra[3].

Este, porém, não é o entendimento de Julyver Modesto de Araujo[4], para o qual:

“(…), cabe, efetivamente, ao proprietário do veículo, quando do recebimento da PRIMEIRA notificação, denominada NOTIFICAÇÃO DA AUTUAÇÃO (nos termos da Resolução do CONTRAN nº 149/03), ANTES da aplicação da multa e durante o período destinado à defesa da autuação, solicitar a substituição da sanção pecuniária pela de advertência, o que deve ser devidamente analisado pela autoridade, que verificará a gravidade da infração cometida e o histórico de infrações do solicitante. O requerimento deve, portanto, ser dirigido à autoridade de trânsito, ANTES de expedida a notificação da penalidade, não sendo possível, após o recebimento da multa, solicitar a sua “conversão”, seja em petição ao órgão autuador, seja no recurso, em 1ª instância, à JARI ou, em 2ª instância, ao CETRAN (ou CONTRANDIFE ou Colegiado especial, conforme artigo 289 do CTB). Depois de imposta a multa, perdeu-se o momento oportuno do pedido, pois já se decidiu qual a sanção a ser aplicada. Os órgãos recursais, além do mais, não têm competência legal para aplicação de penalidades. (…) Nestes casos, como não há a possibilidade legal de, em fase recursal, alterar a penalidade aplicada, o único caminho jurídico possível seria a contestação judicial, via ação anulatória da multa aplicada pelo órgão de trânsito, o que acaba sendo inviável, tendo em vista os valores referentes a honorários advocatícios e custas processuais, que superam o valor da própria multa de trânsito que se pretende evitar. (…).”

Com o devido respeito, trata-se de entendimento equivocado e contrário ao interesse público, e, o que é pior, seguido por alguns órgãos de trânsito, a exemplo do que faz o DETRAN-AC, conforme notícia veiculada em sua página eletrônica[5], nos seguintes termos:

“É importante ressaltar que, a solicitação do beneficio deverá ocorrer antes da imposição da penalidade de multa, ou seja, logo após o recebimento da Notificação da Autuação até o limite do prazo estabelecido para apresentação da defesa prévia, que consta na notificação que o proprietário do veículo irá receber.”

Ora, o CTB, como se sabe, não estabeleceu quando e como o interessado deve requerer o benefício em análise. Logo, não cabe ao intérprete limitar os meios destinados a tal fim.

Sendo assim, para demonstrar o equívoco em questão, analisemos o seguinte caso hipotético:

Imagine-se na condição de um condutor demitido e indicado (pelo seu ex-empregador) como infrator, com base no parágrafo único, do artigo 6º, da Resolução CONTRAN 149/2003[6], que assim estabelece:

“Art. 6º. O Formulário de Identificação do Condutor Infrator só produzirá os efeitos legais se estiver corretamente preenchido, assinado e acompanhado de cópia legível dos documentos relacionados no artigo anterior.

Parágrafo único. Na impossibilidade da coleta da assinatura do condutor infrator, por ocasião da identificação, o proprietário deverá anexar ao Formulário de Identificação do Condutor Infrator, cópia de documento onde conste cláusula de responsabilidade por quaisquer infrações cometidas na condução do veículo, bem como pela pontuação delas decorrentes.” (negritamos)

Considere que a autuação foi lavrada com o veículo em movimento, sem interceptação, e que o seu ex-empregador agiu assim simplesmente porque não o localizou, naquela ocasião, para cientificar-lhe do recebimento da primeira notificação, ou seja, da Notificação da Autuação[7]. Logo, você não teve o “momento oportuno”, mencionado pelo nobre articulista, para invocar a aplicação do artigo 267 do CTB.

Após o ocorrido, imagine-se recebendo a segunda notificação, vale dizer, a Notificação da Penalidade de multa[8], destinada ao seu pagamento ou à interposição de recurso.

Pois bem, diante disso, pergunta-se: na condição de condutor do veículo autuado, portanto, parte legítima para se defender[9], seria justo impedi-lo de exercer o direito de requerer a conversão da penalidade de multa em advertência por escrito, em grau de recurso, com base no artigo 267 do CTB, simplesmente porque a primeira notificação (da Autuação) não chegou às suas mãos em tempo hábil, em razão do ocorrido? Seria justo dizer que você perdeu o “momento oportuno” para praticar tal ato, mesmo sabendo que o CTB é omisso quanto ao assunto? Seria justo dizer que, em fase recursal, não há possibilidade de se alterar a penalidade aplicada? É óbvio que não. Admitir o contrário seria o mesmo que rasgar a Constituição Federal e violar os direitos nela contemplados.

O exemplo acima seria mais do que suficiente para demonstrarmos os prejuízos que o entendimento (equivocado) em questão pode acarretar ao exercício do direito constitucional à ampla defesa, notadamente em grau de recurso administrativo.

Por isso, antes de concluirmos o nosso entendimento, vejamos as informações gerais que têm sido lançadas num modelo padrão de Notificação da Autuação, pelo DSV-SP, a seguir expostas:

“INFORMAÇÕES GERAIS:

. O PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO OU O CONDUTOR RESPONSÁVEL PELA INFRAÇÃO PODEM (SIC) DEFENDER-SE DA PRESENTE NOTIFICAÇÃO APRESENTANDO DEFESA DA AUTUAÇÃO NAS HIPÓTESES DE FALHAS DE AUTUAÇÃO, TAIS COMO: ERRO FLAGRANTE DE DIGITAÇÃO; INCONSISTÊNCIA DA AUTUAÇÃO; IMPOSSIBILIDADE DO COMETIMENTO DE INFRAÇÃO COM O TIPO DE VEÍCULO; DIVERGÊNCIA DE MARCA, MODELO, ESPÉCIE OU COR ENTRE O VEÍCULO AUTUADO E O VEÍCULO CONSTANTE DO CERTIFICADO DE REGISTRO OU INCORREÇÃO NA IDENTIFICAÇÃO DO LOCAL DA INFRAÇÃO POR AUSÊNCIA DE NUMERAL OU REFERÊNCIA OU AINDA VIA, CRUZAMENTO OU INTERSEÇÃO INEXISTENTES.

. ATENÇÃO: QUAISQUER OUTROS TIPOS DE ARGUMENTOS DE DEFESA DEVERÃO SER APRESENTADOS OPORTUNAMENTE NA FORMA DE RECURSO CONTRA A PENALIDADE QUANDO DO RECEBIMENTO DA NOTIFICAÇÃO DE PENALIDADE (MULTA), PARA SEREM DECIDIDOS PELA JARI – JUNTA ADMINISTRATIVA DE RECURSOS DE INFRAÇÕES.

. A DEFESA DA AUTUAÇÃO PODERÁ SER APRESENTADA ATRAVÉS DE REQUERIMENTO A SER ENCAMINHADO PARA A CAIXA POSTAL 11.090, CEP 05422-970, OU ENTREGAR (SIC) DIRETAMENTE NO POSTO DE ATENDIMENTO DO DSV LOCALIZADO NO PRÉDIO DO DETRAN À RUA BOA VISTA, 209 – 1º ANDAR DE 2ª A 6ª DAS 08H00 ÀS 17H00, EXCETO FERIADOS, OU NA AV. DO ESTADO, 900 – TÉRREO – PRÓXIMO AO METRÔ ARMÊNIA DE 2ª A 6ª DAS 08H00 ÀS 17H00, EXCETO FERIADOS, CONTENDO AS SEGUINTES INFORMAÇÕES: – NOME, QUALIFICAÇÃO E ENDEREÇO DO REQUERENTE; (…);

. A INTERPOSIÇÃO DA DEFESA DA AUTUAÇÃO NÃO DESOBRIGA O PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO DE FAZER A INDICAÇÃO DO CONDUTOR, SE CABÍVEL.

. ACOLHIDA A DEFESA DA AUTUAÇÃO, O PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO SERÁ COMUNICADO ATRAVÉS DE AVISO DE RESULTADO A SER ENVIADO ATRAVÉS DO CORREIO.

. A ATUALIZAÇÃO DOS DADOS CADASTRAIS DO VEÍCULO, SUA TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE E/OU DE ENDEREÇO DEVEM SER FEITAS JUNTO AO DETRAN OU CIRETRAN DE SUA CIDADE, TODAS AS NOTIFICAÇÕES DEVOLVIDAS POR DESATUALIZAÇÃO DE ENDEREÇO SERÃO CONSIDERADAS COMO VÁLIDAS PARA TODOS OS EFEITOS.

. CASO O VEÍCULO TENHA SIDO VENDIDO E O NOVO PROPRIETÁRIO NÃO TENHA FEITO A ATUALIZAÇÃO DOS REGISTROS E A TRANSFERÊNCIA, O ANTIGO PROPRIETÁRIO DEVERÁ COMPARECER AO DETRAN OU CIRETRAN DE SUA CIDADE PARA AS PROVIDÊNCIAS NECESSÁRIAS PARA NÃO SER RESPONSABILIZADO POR INFRAÇÕES COMETIDAS COM O VEÍCULO E SUA RESPECTIVA PONTUAÇÃO.” (negritamos)

Como se vê, no modelo supra não há nenhuma informação explícita a respeito da possibilidade de se requerer a substituição da penalidade de multa pela penalidade de advertência por escrito, com base no artigo 267 do CTB.

Todavia, nota-se claramente que, além de restringir a utilização da Defesa da Autuação apenas para os casos de “FALHAS DE AUTUAÇÃO” (algo discutível do ponto de vista jurídico), a autoridade de trânsito admite, com todas as letras, que “QUAISQUER OUTROS TIPOS DE ARGUMENTOS DE DEFESA DEVERÃO SER APRESENTADOS OPORTUNAMENTE NA FORMA DE RECURSO CONTRA A PENALIDADE QUANDO DO RECEBIMENTO DA NOTIFICAÇÃO DE PENALIDADE (MULTA), PARA SEREM DECIDIDOS PELA JARI – JUNTA ADMINISTRATIVA DE RECURSOS DE INFRAÇÕES”.

Por óbvio, ao dizer “QUAISQUER OUTROS TIPOS DE ARGUMENTOS DE DEFESA DEVERÃO SER APRESENTADOS OPORTUNAMENTE NA FORMA DE RECURSO…”, o DSV-SP admitiu, mesmo que implicitamente, que o pedido de conversão da penalidade em questão pode ser feito inclusive em grau de recurso, o que não poderia ser diferente.

Aliás, o simples fato de não terem competência para aplicação de penalidades não significa dizer que os órgãos recursais não disponham de competência para modificar ato de autoridade de trânsito, conforme, inclusive, já se posicionou o próprio CONTRAN, por meio do Parecer 100/94[10], inserto na Ata da 3.677, da 228ª Reunião daquele órgão, realizada em 11.10.1994 (DOU de 04.11.1994), nos seguintes termos:

“PROCESSO 014/94; INTERESSADO: Jose Ignácio Sequeira de Almeida – Coordenador da JARI/SP/SP; Interpretação do artigo 108 do CNT; RELATOR: Senhor Conselheiro: ALFREDO PERES DA SILVA; o Redator apresentou o Parecer CONTRAN 100/94. Após apresentação do parecer e do voto do senhor Conselheiro Redator resolve o Plenário, à unanimidade, o acompanhar decidindo que: a) tanto as JARI’s quanto os CETRAN’S tem competência legal para modificar ato de autoridade de trânsito, incluindo, obviamente, a transformação de multa em advertência. b) é indevida a transformação de multas dos Grupos 1 e 2 em advertência, na medida em que a Lei admite essa possibilidade apenas para a primeira multa decorrente de infrações dos Grupos 3 e 4 mesmo assim, levando em conta os antecedentes do condutor. Dê-se ciência aos interessados e ao CETRAN/SP.” (negritamos)

Dito isto, mesmo que alguém possa discordar (sem razão) do Parecer supra, especialmente por ter sido publicado na vigência do revogado CNT, importa lembrar que todo recurso deve ser interposto perante a autoridade que impôs a penalidade, a qual deverá remetê-lo à JARI, nos termos do artigo 285 do CTB, com “quaisquer informações” necessárias ao seu julgamento, conforme prevê a Deliberação CETRAN-SP 1/2004, item 24, III, d.

Sendo assim, ao receber o recurso, nada impede que a autoridade de trânsito reconsidere a sua decisão, quando for o caso, e o encaminhe à JARI com parecer favorável ao pedido do infrator. Todavia, se isso não for feito, nada obsta que o próprio órgão recursal solicite informações complementares à autoridade recorrida, objetivando uma melhor análise da situação, com base no artigo 17, I e II, do CTB, para, se for o caso, deferir o pedido de conversão.

Ora, se “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”, conforme prevê a Súmula 473 do STF, com muito maior razão, pode, inclusive, modificar seus próprios atos, sem a necessidade de intervenção judicial.

Aliás, não é sem motivo que o artigo 65 da Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, assim dispõe:

“Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.” (negritamos)

O pedido a que se refere o dispositivo supra pode ser, por exemplo, o pedido de reconsideração, contemplado pelo próprio CETRAN-SP, em seu Regimento Interno, disponível em http://www.detran.sp.gov.br/cetran/, nos seguintes termos:

“Art. 12. A apreciação do recurso pelo CETRAN-SP encerra a instância administrativa de julgamento de infrações e penalidades, nos termos do artigo 290 do CTB.

§ 1º. Pedidos de reconsideração de matéria arquivada por decisão monocrática do Presidente ou votada em Plenário, somente serão admitidos em casos excepcionais, visando corrigir erros ou legalidades (sic) comprovadas.

§ 2º. O pedido de reconsideração, uma vez acolhido pelo Presidente, será distribuído, em regime de urgência, a relator diferente daquele que tenha relatado anteriormente a matéria.” (negritamos)

Da simples leitura do disposto no artigo 290 do CTB (acima mencionado), é possível inferir que até que sejam esgotados todos os meios de defesa postos à disposição do infrator, sempre haverá oportunidade para se rever e modificar a penalidade que se pretende (ou se pretendia) aplicar efetivamente. Senão, vejamos:

“Art. 290. A apreciação do recurso previsto no artigo 288 encerra a instância administrativa de julgamento de infrações e penalidades.

Parágrafo único. Esgotados os recursos, as penalidades aplicadas nos termos deste Código serão cadastradas no RENACH.” (negritamos)

Logo, enquanto a penalidade “aplicada” não for efetivamente cadastrada no RENACH (Registro Nacional de Condutores Habilitados), a autoridade de trânsito poderá, a qualquer tempo, reconsiderar a sua decisão.

Esgotados os recursos, ocorrerá a “coisa julgada administrativa” ou, segundo Hely Lopes Meirelles[11], a “preclusão de efeitos internos”. Isso porque, “exauridos os meios de impugnação administrativa, torna-se irretratável, administrativamente, a última decisão, mas nem por isso deixa de ser atacável por via judicial”, conforme bem leciona o nobre autor.

Não bastasse isso, é oportuno ressaltar que até o pedestre, se um dia for autuado, poderá ver transformada (termo utilizado no próprio CTB) a penalidade de multa na participação em cursos de segurança viária, conforme prevê o parágrafo 2º do artigo 267 (acima reproduzido). Ora, se é (ou será) assim em relação ao pedestre, por que, então, negar igual direito aos demais infratores?!

Há algo mais absurdo do que sugerir ao recorrente que ajuíze uma “ação anulatória” (sabendo-se que esse meio é contrário ao interesse público), em vez de aplicar-lhe a punição mais benéfica, mesmo que em grau de recurso, com base na lei, a pedido dele próprio?! A nosso ver, não. Aliás, na medida em que o próprio Poder Judiciário vem investindo em meios alternativos de solução de conflitos (conciliação, mediação etc.), em prol da pacificação social, chega a ser desarrazoado encaminhar infratores de trânsito às portas daquele Poder, notadamente para pedirem anulação de penalidades e, com isso, ficarem impunes, em total afronta à sua própria vontade.

Precisamos acabar urgentemente com a cultura de remeter todo e qualquer conflito de interesses ao Poder Judiciário, sobretudo para tratar de assuntos que podem ser legal e facilmente solucionados no âmbito da própria Administração Pública.

Por tais motivos, continuamos entendendo que é perfeitamente possível a conversão da penalidade de multa em advertência por escrito, com fulcro no artigo 267 do CTB, a pedido do infrator, inclusive em grau de recurso, desde que presentes os requisitos exigidos para tanto (infração de natureza leve ou média, passível de ser punida com multa; não reincidência na mesma infração nos últimos doze meses; prontuário do infrator compatível com a aplicação do benefício; e providência mais educativa ao infrator), e, por óbvio, não tenha ocorrido a “coisa julgada administrativa”.

Como não há nada mais eterno do que a mudança, esperamos que os órgãos de trânsito reflitam detidamente sobre o assunto e deixem de transferir para o Poder Judiciário (seja por ação, omissão, desconhecimento etc.) aquilo que é de sua competência resolver.

Afinal, “decisão única e irrecorrível é a consagração do arbítrio, não tolerado pelo nosso Direito”, nas sábias palavras de Hely Lopes Meirelles[12].


[1] Conforme Regulamento do Código Nacional de Trânsito – RCNT, art. 188, I e II.

[2] Conforme Código de Trânsito Brasileiro – CTB, art. 256, I.

[3] Manual Faria de Trânsito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 12ª edição, p. 153, Q-10.

[4] “Esclarecimentos sobre a substituição de multa de trânsito por advertência”, disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13870).

[5] http://www.detran.ac.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=60:transformacao-das-autuacoes-de-transito-em-advertencia-por-escrito-&catid=11:noticias&Itemid=86

[6] Disponível em http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm

[7] Resolução CONTRAN n. 149/2003, art. 3º.

[8] Resolução CONTRAN n. 149/2003, arts. 9º, §§ 2º a 4º, e 12.

[9] Nos termos da Resolução CONTRAN n. 299/2008.

[10] Disponível em http://www.in.gov.br/imprensa/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=11&data=04/11/1994

[11] Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 33ª edição, 2007, p. 682.

[12] Op. cit. p. 674.

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