Queixa-crime

Mera denúncia anônima não embasa ação penal

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28 de novembro de 2010, 16h15

Há seis anos, o Superior Tribunal de Justiça decidiu por unanimidade que a carta anônima não poderia levar à movimentação da polícia e do Judiciário, em respeito à vedação do anonimato prevista na Constituição Federal. Desde então, a jurisprudência consolidada do STJ veda o embasamento de ação penal exclusivamente em denúncia anônima.

Na época do julgamento desse processo, o então relator ministro José Delgado registrou que uma denúncia sem qualquer fundamento pode caracterizar, em si mesma, o crime de denunciação caluniosa. Por isso, dar espaço para instalação de inquéritos com base em cartas anônimas abriria precedente “profundamente perigoso”.

Entendimento do STJ coaduna com o do Supremo Tribunal Federal. No julgamento de um Habeas Corpus, o ministro Marco Aurélio Mello se voltou contra a queixa-crime instaurada no STJ envolvendo desembargadores e juiz estadual, com base em denúncia anônima.

O Ministério Público Federal não apreendia o assunto da mesma forma. Para o órgão, a denúncia apócrifa estaria conforme o ordenamento jurídico, e sua apuração atenderia o interesse público voltado à preservação da moralidade.
Porém, o ministro José Delgado afirmou que admitir a instauração da investigação com base exclusivamente em denúncia anônima daria guarida a uma prática atentatória contra a vida democrática e a segurança jurídica, incentivando a repetição do procedimento e inaugurando uma época de terror, “em que a honra das pessoas ficará ao sabor de paixões condenáveis, não tendo elas meios de incriminar aquele que venha a implementar verdadeira calúnia”.

Por isso, de acordo com o relator, o interesse público prevalecente, na hipótese, seria o de preservar a imagem dos cidadãos. O voto foi acompanhado por três dos outros quatro ministros que compunham a 1ª Turma do Supremo: Eros Grau, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence.

Consolidação da jurisprudência
Naquele mesmo ano de 2004, outras manifestações vieram do ministro Peçanha Martins. O apoio se repetiu no ano seguinte, como o ministro Nilson Naves. Ele não hesitou em arquivar uma notícia crime de mais de 1,9 mil páginas inaugurada três anos antes com base em denúncia anônima.

Em seu voto, ele declarou que “Posto que aqui haja mais de 1.900 folhas, trata-se, contudo, de natimorta notícia; daí, à vista do exposto, proponho, em questão de ordem, o arquivamento destes autos, simplesmente. Proponho o arquivamento em defesa da nossa ordem jurídica.”

A matéria não parou de ser debatida pelo STJ. Em uma questão de ordem julgada em 2009, o relator, ministro Nilson Naves, citou várias decisões convergentes com esse entendimento. “Se as investigações preliminares foram iniciadas a partir de correspondência anônima, as aqui feitas tiveram início, então, repletas de nódoas, melhor dizendo, nasceram mortas ou, tendo vindo à luz com sinais de vida, logo morreram”, afirma um dos precedentes citados nessa decisão. Outro define: “O STJ não pode ordenar a instauração de sindicância, a respeito de autoridades sujeitas a sua jurisdição penal, com base em carta anônima”. Um terceiro reitera: “Havendo normas de opostas inspirações ideológicas – antinomia de princípio –, a solução do conflito (aparente) há de privilegiar a liberdade, porque a liberdade anda à frente dos outros bens da vida, salvo à frente da própria vida”.

Mas também não exclui
O ministro Teori Albino Zavascki, em julgamento de outra Ação Penal, em 2007, ressaltou que o STJ apenas a coleta de provas dos fatos narrados em denúncia anônima. “A jurisprudência do STJ e do STF é unânime em repudiar a notícia-crime veiculada por meio de denúncia anônima, considerando que ela não é meio hábil para sustentar, por si só, a instauração de inquérito policial ou de procedimentos investigatórios no âmbito dos tribunais”, afirmou.

A investigação já estava em andamento e os fatos narrados em carta anônima foram apurados em conjunto com os demais elementos de prova em exame pela Receita Federal, oriundos de busca e apreensão determinada anteriormente. Diante do avançado da investigação, o relator entendeu que, nesse contexto, os escritos anônimos mencionados não tiveram relevo probatório autônomo, apenas servindo para orientar uma das linhas de investigação.

“As investigações empreendidas culminaram na reunião de um conjunto de elementos indiciários, formado, principalmente, por elementos que possuem valor documental, tais como extratos bancários, cheques, dados fiscais. A análise pericial procedida pela Receita Federal sobre esse conjunto de elementos indiciários e descrita no mencionado relatório constitui elemento hábil a compor o conjunto probatório que fundamenta o juízo de recebimento da denúncia”, completou.

O ministro Sepúlveda Pertence, no mesmo processo, também ressalvou que, apesar de não poder servir de base de prova ou elemento de informação para a persecução criminal, a delação anônima não isenta a autoridade que a receba de apurar sua verossimilhança ou veracidade e, em consequência, instalar o procedimento investigatório.

Com isso, ficou entendido no STF que a investigação pode, sim, existir no caso concreto, já que a denúncia anônima não teria servido de base exclusiva ou determinante para a investigação. O STJ julga na mesma linha.

Por isso, a 5ª Turma do STJ repetiu o entendimento, vedando o uso de interceptação telefônica para apuração de crime narrado em denúncia anônima. O ministro Arnaldo Esteves Lima, em 2008, declarou que “não se pode olvidar que as notícias-crime levadas ao conhecimento do Estado sob o manto do anonimato têm auxiliado de forma significativa na repressão ao crime. Essa, inclusive, é a razão pela qual os órgãos de Segurança Pública mantêm um serviço para colher esses comunicados, conhecido popularmente como disque-denúncia.”

“Não obstante, embora apta para justificar a instauração do inquérito policial, a denúncia anônima não é suficiente a ensejar a quebra de sigilo telefônico”, pondera o relator. “Note-se, porém, do procedimento criminal, que todas as demais provas surgem a partir da escuta telefônica inicial. Ela dá suporte às quebras de sigilo fiscal e à localização de testemunhas ou bens. Em verdade, toda a investigação criminal deriva daquela prova ilícita inicial, aplicando-se daí a contaminação das demais provas obtidas naquele feito investigatório”, completa.

HC: 84.827
Ação Penal 300
Inquérito 1.957
HC: 53.703
HC: 106.040

 

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