Cheque sustado

Justiça anula arrematação de fazenda da Vasp

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26 de novembro de 2010, 19h13

A compra da Fazenda Piratininga do empresário Wagner Canhedo, leiloada nesta quarta-feira (24/11) para o pagamento a 8 mil trabalhadores da empresa aérea falida Vasp, foi invalidada nesta sexta-feira (26/11). Despacho publicado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo, informou que o cheque dado pela empresa arrematante como sinal da compra foi sustado. A arrematante alegou roubo de gado incluído no negócio e abandono da propriedade. 

A Justiça do Trabalho já marcou para dezembro um novo leilão, mas a venda fracionada do bem em lotes já é cogitada tanto pelo Judiciário quanto pelos advogados dos trabalhadores.

A Conagro Participações Ltda arrematou a propriedade, na quarta-feira (24/11), pelo lance mínimo de R$ 430 milhões. No ato da arrematação, deu um cheque de R$ 63,5 milhões, equivalente a 15% do valor total, conforme previsto no edital do leilão. “Além de não ter recebido a posse, verifiquei que a fazenda está numa situação diferente da que conhecia. Então sustei o cheque”, diz o presidente da empresa, Francisco Gerval Garcia Vivoni, que, em Brasília, tem endereço vizinho ao de Wagner Canhedo, o ex-dono da Vasp e da Piratininga. 

A sustação ocorreu nesta sexta-feira. A empresa chegou a entrar em contato com a 14ª Vara do Trabalho de São Paulo, pedindo para permanecer com o bem mesmo depois da sustação, oferecendo uma carta de garantia de 500 milhões de euros. Propôs ainda abrir mão dos prazos para pagar o restante das parcelas, e quitar a dívida à vista. A proposta foi recusada e a empresa foi proibida de licitar com o TRT-2 por ter descumprido as regras do leilão.

A juíza do Trabalho Elisa Maria Secco Andreoni, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, que conduziu o leilão, ainda determinou a quebra de sigilo fiscal e bancário da empresa e do seu diretor presidente, além dos demais sócios, Andrea Cristina Nalim Garcia, Conagro Investment LLP e AFGV Participações Ltda. O cheque sustado pela empresa deve ser executado, e a penhora de bens para a satisfação do crédito já foi autorizada, de acordo com o despacho da juíza. 

Bem adjudicado
Situada em São Miguel do Araguaia, em Goiás, a fazenda pertencia à empresa Agropecuária Vale do Araguaia, do empresário Wagner Canhedo, dono da falida Vasp. Na estimativa dos sindicatos dos aeroviários e dos aeronautas, os trabalhadores teriam direito a receber R$ 1 bilhão, incluindo multas, juros e correções. A Vasp parou de voar há cinco anos e teve a falência decretada em setembro de 2008.

Esperando receber um saldo de R$ 421 milhões da companhia aérea, os sindicatos aceitaram tomar a fazenda como pagamento. Somados os valores do maquinário e das cabeças de gado na propriedade, a avaliação dos oficiais da Justiça do Trabalho chegou a R$ 615 milhões.

No entanto, diante de desentendimentos entre os sindicatos quanto à administração dos negócios, a Justiça se propôs a alienar o bem em nome dos novos donos, o que foi aceito pelos trabalhadores. 

Um conflito de competência suscitado pelo grupo Canhedo entre o Tribunal Superior do Trabalho e o Superior Tribunal de Justiça terminou com a confirmação da validade da adjudicação pelos sindicatos, e a Justiça laboral como responsável pelo leilão.

Porém, logo depois de arrematar a fazenda nesta quarta, a Conagro sustou o cheque de R$ 63,5 milhões dado como sinal. 

Gado itinerante
Para justificar a atitude, em ofício enviado à juíza da 14ª Vara, a Conagro acusou os sindicatos de abandonarem a administração da fazenda, que estaria à merce de Wagner Canhedo. O ex-dono da Vasp possui a fazenda Rio Verde, que fica ao lado da Piratininga. “Não sabemos onde começa uma fazenda, onde começa a outra. O gado e as máquinas estão espalhados pelas duas áreas”, diz Vivoni.

Segundo ele, Canhedo estaria transferindo bens ilegalmente para sua propriedade. “Quando da adjudicação, não se sabia da existência de outra fazenda pegada à Piratininga (…), o que proporcionou uma grande válvula de escape de gado vivo e máquinas”, argumentou a Conagro no ofício. 

De acordo com o presidente da Conagro, algumas das 70 mil cabeças de gado da Piratininga foram abatidas para serem comercializadas em Brasília. Ele afirmou ter visitado antes o local por diversas vezes, mas depois da arrematação, “a situação mudou do dia para a noite”. Vivoni também nega ter assinado um termo em que afirmava saber dos problemas com o gado. 

Discurso truncado
Os argumentos de Vivoni não convenceram a juíza. “No edital do leilão, ficou claro que havia a possibilidade de cabeças de gado estarem sendo retiradas da fazenda, e a Conagro assinou o auto de arrematação confirmando saber disso”, afirma Elisa Andreoni. Segundo relato de leiloeiros, os responsáveis pela Conagro foram convidados a visitar a propriedade em Goiás, mas recusaram, dizendo já conhecê-la bem. "Eles estavam cadastrados como interessados no leilão desde março", diz a juíza. "E o auto de arrematação foi assinado."

Embora Elisa já tenha pedido para o tribunal reservar data em dezembro para um novo leilão, isso não será necessário caso um novo comprador apareça. “A Justiça se ofereceu para fazer a alienação judicial, mas se um interessado oferecer o valor correspondente e os sindicatos aceitarem, a venda pode ser formalizada”, explica.

O advogado do Sindicato dos Aeroviários no Estado de São Paulo, Francisco Gonçalves Martins, informou que a entidade vai requerer ao TRT-2 um novo leilão e um novo administrador para a fazenda. “Nós queremos que a juíza nomeie um administrador até o próximo leilão. O Canhedo vai ser desapossado por bem ou por mal”, afirma. Martins afirmou que os sindicatos vão pedir o fracionamento do bem, caso não haja um interessado.

O advogado também não aceitou a argumentação da Conagro para tomar posse da fazenda. “A empresa teve bastante tempo para questionar ou sanar qualquer dúvida com relação ao edital do leilão, inclusive à adjudicação”, diz.

Segundo o presidente da Conagro, a empresa vai esperar as determinações da Justiça para realizar os pagamentos faltantes. A segunda parcela, conforme acordo feito no leilão, está marcada para o dia 19 de dezembro. Vivoni acredita que a Justiça vai determinar um novo administrador para a fazenda, que pode ser um dos leiloeiros.

Leia o despacho que anulou a venda da fazenda.

CONCLUSÃO

Partes: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO E OUTROS

M.FAL. Viação Aérea São Paulo S.A. VASP E OUTRAS

Nesta data, faço os presentes autos conclusos à MM Juíza do Trabalho Dra. Elisa Maria Secco Andreoni, tendo em vista o documento de fls. do Grupo Conagro, quanto à hasta pública, a sustação do cheque dado em sinal, conforme documento emitido pela instituição responsável, levo os autos à conclusão de V. Exa..

São Paulo, 26.11.2010.

MEYRIMAR URZÊDA DA SILVA

Coord.Juízo Aux. Execução

1- Considerando os termos do despacho exarado em 11 de novembro de 2010, que dispôs, verbis “assinado o auto, no momento da alienação e pago o sinal de que trata o item ‘a’ do edital, o comprador, será imediatamente imitido na posse…”;

2- Considerando a advertência contida no já referido despacho de 11 de novembro de 2010 quanto ao efeito do inadimplemento, qual seja, a perda do sinal para a execução;

3- Considerando os termos da missiva encaminhada por fax a este Juízo Auxiliar de em Execução, pelo arrematante, que ora se transcreve por facilidade expositória: “…estamos cancelando momentaneamente por tudo o que foi exposto acima o primeiro pagamento, até que este nobre juízo tenha, de fato, adjudicado para si, o referido imóvel…”

4- Considerando a natureza do título à vista ofertado no momento da alienação – art. 32 da Lei 7357/85 (Lei do Cheque) -, e o disposto nos artigos 171, parágrafo 6º e 358, ambos do Código Penal;

5- Considerando a referência dada e retratada para a devolução do título dado em pagamento do sinal, pela instituição bancária (“motivo 21- folhas de cheques assinadas, perdidas, extraviadas, com ou sem apresentação pelo cliente da ‘comunicação de ocorrência policial’ ou folhas de cheques roubadas, furtadas sem apresentação do ‘boletim de ocorrência policial’”);

6- Considerando a presunção de integral conformidade dos bens com o edital, segundo o disposto no despacho antes mencionado o qual claramente esclareceu aos interessados que: “tendo em vista a ampla divulgação e a possibilidade dada pelo juízo de visita aos interessados, a assinatura do auto ou da carta de alienação judicial (caso de pagamento à vista), implicará na presunção de integral conformidade dos bens com o edital publicado;

7- Considerando que o grupo arrematante já havia procedido ao seu cadastro para participar de leilão judicial do referido bem em 09 de março de 2010;

8- Considerando que, ante o valor do bem, presume-se a ocorrência da “due diligence” dos pretensos adquirentes;

9- E, por fim, considerando-se a relevância do direito aviltado, qual seja, direitos coletivos de natureza alimentar;

Determino:

A- A expedição de ofício ao Ministério Público Federal e à Superintendência da Polícia Federal para a apuração, inclusive com a tomada de medidas de urgência cabíveis, da natureza da conduta acima noticiada por este Juízo;

B- A quebra do sigilo bancário e fiscal tanto da empresa CONAGRO PARTICIPAÇÕES LTDA. (CNPJ/NF 08.730.393/0001-09), de seu Diretor Presidente Francisco Gerval Garcia Vivoni (CPF: 065.420.728-37), Andrea Cristina Nalim Garcia (CPF: 111.568.898-71), bem como dos demais sócios (Conagro Investment LLP e AFGV Participações Ltda.), devendo a Secretaria expedir ofícios aos órgãos competentes;

C- O prosseguimento da execução em face dos arrematantes autorizado, desde já, o arresto de tantos bens quanto bastem para satisfação da obrigação consubstanciada no título;

D- Que ficam as empresas, bem como seus representantes, impedidos de licitar perante o TRT da 2ª Região, nos termos do art. 244, parágrafo 3º da CP/CR nº 13/2006 do TRT da 2º Região.

E- A verificação, pela Secretaria, de data disponível no mês de dezembro de 2010, para o agendamento da alienação judicial do bem.

Nada mais.

Intimem-se.

São Paulo, 26.11.2010.

ELISA MARIA SECCO ANDREONI
Juíza do Trabalho

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