Segunda leitura

Os ônus e os bônus do bacharel em Direito

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

21 de novembro de 2010, 9h54

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Conversando com uma orientanda da graduação, quintanista do curso de Direito da PUC-PR cujo trabalho de conclusão de curso versa sobre exploração de petróleo e meio ambiente, fiz-lhe a pergunta clássica: o que você vai fazer no ano que vem? Respondeu-me ela: há um mestrado sobre esta matéria no Rio de Janeiro, mas estou em dúvida se fico em Curitiba ou se tento o mestrado, tendo daí que mudar-me.

A dúvida é comum. Mas é apenas uma das muitas com que se defronta o profissional do Direito na sua caminhada profissional. A questão é saber como administrar as encruzilhadas da vida, qual o caminho a tomar quando dois se apresentam à nossa frente.

Durante a minha vida pude ver várias situações desse tipo e eu mesmo tive que enfrentar o problema. A primeira vez que o vislumbrei foi quando um colega de turma, funcionário de uma boa companhia, recusou-se a assumir o cargo de delegado de Polícia porque teria que mudar para uma cidade pequena, há cerca de 250 km. Foi um ato de prudência? Ou de covardia? Teria sido mais feliz? É difícil a resposta.

Para quem se vê diante de tal situação, a primeira regra é a de que é mais fácil arrepender-se do que fez do que não se fez. Exatamente. O não fazer é sempre a vitória do medo e mexe com a auto-estima. Se a pessoa fez um teste, um concurso, é porque queria a nova posição. Não assumir poderá ser uma frustração a carregar pelo resto da vida.

A segunda regra é a de avaliar o que se pretende da vida. Com calma. Por no papel as vantagens e desvantagens. Compartilhar a decisão com o parceiro, seja um marido com 60 anos ou a namorada adolescente. Ambos sofrerão as consequências, logo ambos devem decidir juntos. E com isto se sela um pacto de, no futuro, nenhum dos dois reclamar que a decisão tomada não foi a melhor.

Mas, afinal, o que será decidir da melhor forma? Bem, aí é necessário olhar por dentro. Perguntar-se: o que quero da vida?

Uma pessoa ambiciosa, que quer ficar rica ─ e nisto nada há de errado ─ não deve procurar cargo público. Melhor será a advocacia. E planejar bem sua carreira. Qual a área de mais futuro, o grau de concorrência, as perspectivas reais. Fixada a meta, encaminhar suas ações no caminho proposto. Conquista de clientes, networking, relações humanas, pós-graduação e o que mais for preciso. Terá poucos dias de férias, jantares por dever. É o preço.

Ao inverso, alguém com pretensões menores pode privilegiar um horário mais folgado, viver na própria cidade, conciliar trabalho e família. E se for assim, uma advocacia menos intensa pode ser a melhor solução.

Um espírito inquieto pode querer novos horizontes. Um curso no exterior pode ser uma boa oportunidade. Ou fazer carreira pública federal ou em outro estado. Já alguém sem o gosto para aventuras pode ser feliz sem sair do quarteirão onde nasceu. Ambos estão certos, tudo a depender do temperamento. O que sai do casulo tem mais emoções e também sofrimentos. O que fica tem menos dos dois.

Um agente do Ministério Público tem uma carreira belíssima. Todas as garantias do juiz (p. ex. 60 dias de férias mais 18 de recesso por ano) e o respeito da sociedade. Mas não deve irritar-se quando o juiz não atende seus requerimentos, pois quem pede não decide. E não deve também ser empresário da educação ou professor itinerante, pois a sociedade já lhe dá muito e quer em troca, com todo o direito, dedicação absoluta. É o seu ônus.

O defensor público tem uma carreira nova e promissora. Seu papel social é da máxima relevância e isto é e deve ser, por todos, reconhecido. Mas, conquistado este espaço que é seu por direito, não deve aspirar ocupar o espaço dos outros. Para dar um simples exemplo, surpreende saber da existência de uma ação civil pública para que advogados públicos ou particulares sentem na mesa de audiências ao lado do MP e consequentemente do juiz[1].

O juiz tem todas as garantias de segurança e estabilidade. Férias longas, vencimentos acima da média, status, não tem que alugar um escritório e nem pagar o condomínio. Mas isto tem um preço. Ao assinar o termo de posse, passa a ser uma pessoa visada. Lecionando, em uma balada ou jogando futebol, continua sendo juiz.. Aceitar promoções também gera dúvidas. O que será melhor, permanecer no interior, morar em uma casa grande e criar os filhos com facilidade ou enfrentar várias mudanças na busca da ascensão ao Tribunal. É o ganha/perde inevitável.

Servidores do Judiciário não podem ser incluídos em um único bloco. Há desde os bem remunerados, vivendo na capital e recebendo vencimentos por vezes maiores do que os dos juízes, até os que ganham pouco (na Justiça dos Estados) e vivem em distantes cidades do interior. Mas, não serem responsáveis pela decisão judicial tira-lhe um peso do qual magistrados não se livram. Não ter que mudar, fazer carreira, pode ajudar na condução da vida pessoal e familiar.

O professor de Direito tem um papel de enorme relevância. Todavia, se a faculdade de Direito (ou universidade) exige-lhes muito e paga pouco, devem computar fatores positivos implícitos que acompanham o contrato de trabalho. Por exemplo, um advogado professor pode ter seu escritório fortalecido na captação de clientes. As férias são maiores do que as dos funcionários comuns. Assim, os ônus (p. ex., alunos desinteressados) devem ser analisados com os bônus.

Para as mulheres o ato de optar tem dificuldades adicionais. Em sua maioria aspiram constituir família, ter filhos. Mais do que os homens, pois esta é a sua natureza. A aprovação em um concurso público pode significar ter que mudar-se para o interior ou outro estado. Ficar distante. A opção é difícil e deve ser tomada junto com o parceiro. O afastamento pode ser temporário e pode valer a pena. O que não pode é assumir o cargo e no dia seguinte começar a fazer pedidos de toda sorte para poder voltar. Por exemplo, invocar a proteção constitucional da família.

Enfim, ninguém na vida ganha tudo e sempre. Assim é a vida. O importante é pensar bem antes de escolher o caminho e depois, tomada a decisão, aproveitar a via escolhida valorizando o que ela oferece de bom. E ponto final.

 


[1] http://jusvi.com/pecas/39197

 

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