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Intervenção da Justiça encarece fusões de empresas

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17 de novembro de 2010, 6h16

Problema estrutural do país, a morosidade do Judiciário impõe alto custo à efetivação de negócios no país, devido à incerteza constitucional. Isso porque o tempo econômico é diferente do tempo do Judiciário. A afirmativa é do advogado e ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Arthur Badin, ao falar sobre o relatório de Revisão Judicial das Decisões do Cade, divulgado no último dia 5 de novembro. O relatório final será lançado em forma de livro pela Editora Fórum, em fevereiro de 2011, na Federação das Indústrias de Estado de São Paulo.

Segundo Badin, para melhorar essa situação de incerteza constitucional, uma saída seria estruturar o Poder Judiciário de forma que os “ritos e procedimentos por ele adotados não causassem tanta demora para uma decisão”, disse.

Além disso, outra solução para melhorar as decisões que envolvem o Cade, para Badin, é a instituição da análise prévia de atos de concentração. Tal solução é prevista pelo Projeto de Lei 6/2009, que está aguardando votação no Senado. O PL propõe prazos fixos de 20 dias para avaliação de casos simples e 180 dias para casos complexos.

Atualmente, uma empresa tem até 15 dias após o fechamento do negócio para fazer a comunicação ao Cade. Para Badin, a fixação de prazos é importante, pois o Judiciário mantém o status quo quando uma empresa se funde a outra e reúne duas culturas distintas de negócios.

De acordo com Badin, “dentre as 88 maiores economias do mundo, apenas o Brasil, o Egito e o Paquistão fazem a análise pós-fusão e aquisição de empresas”. Além disso, é preciso dar clareza ao processo, diz o presidente do Cade. Um exemplo disso, ele diz, é que “a Nestlé espera há oito anos para ter certeza se mantém a fusão com a Garoto ou não”.

Para o advogado e presidente da Comissão de Estudos da Concorrência e da Regulação Econômica da OAB-SP, Eduardo Caminati, a intervenção do Judiciário nas ações de fusão de empresas é importante. "É preciso que o Judiciário desenvolva seu papel na defesa do Direito da concorrência. A aplicação do Direito concorrencial não se limita aos órgãos de defesa”, afirma.

Relatório
O trabalho foi desenvolvido por meio de uma parceria entre o Cade, a Fiesp e a Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP). O estudo foi feito com base em acórdãos dos Tribunais Regionais Federais, Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Foram analisadas as decisões administrativas tomadas pelo Cade de junho de 1994 até 2010.

O documento priorizou temas como: Termo de cessação de conduta; sobreposição de competência do Cade e do Bacen; prática de unimilitância; preços (especialmente de serviços médicos gerais); multa por intempestividade (questão com maior índice de judicialização nos atos de concentração, 9 casos do total de 17); questões institucionais; taxa processual e dever de agir do Cade.

Estão nesse contexto as decisões transitadas em julgado e as decisões que ainda estão em fase de recurso nas instâncias superiores. Dessa forma, foram analisados 52 recursos, correspondentes a 41 processos judiciais distribuídos entre os TRFs, STJ e STF, referentes a 39 decisões distintas do Cade.

De acordo com o relatório, 10 de 19 processos administrativos cujas decisões foram objeto de processos judiciais dizem respeito a condenações por prática de unimilitânica, identificada pelo Cade como forma específica de prática de cartel; as condenações por tabelamento de honorários correspondem a 5 num universo de 19 processos deste tipo. Além disso, a pesquisa também mostra que 15 das 21 decisões administrativas que deram origem a processos judiciais foram dadas no âmbito de serviços gerais de médico.

Quanto às questões decididas em atos de concentração, segundo o estudo, a maioria não diz respeito propriamente ao mérito da operação submetida ao Cade, mas sim a questões secundárias, como por exemplo, a aplicação de multa por intempestividade — 9 dos 17 processos que tratam do mesmo tema — e a obrigatoriedade do recolhimento da taxa processual de notificação ao Cade — 4 dos 17 casos.

Neste sentido, foi possível notar, por meio do relatório, que os agentes que procuraram o Judiciário para questionar decisões administrativas pertencem a setores econômicos diversos como construção civil, extração mineral, produtos fumígenos, mercado atacadista, de combustível e, principalmente, indústria mecânica de elevadores.

De acordo com Arthur Badin, esse tipo de pesquisa é importante para o país, para a indústria e para o governo. “É através de pesquisas com esse teor que se tem noção do papel do Judiciário nesses temas e dos órgãos competentes para analisar casos econômicos”, disse.

No entanto, "é preciso receber os resultados dessas pesquisas com cuidado, pois todas as pesquisas acadêmicas são feitas com base em pressupostos. E nesse caso, só foram analisadas as decisões de 1994 até agora", lembra Badin. 

Eduardo Caminati concorda com Badin, mas adverte sobre os limites do Judiciário nas questões de revisão judicial de decisões administrativas de órgãos econômicos. “Pesquisas como esse relatório são importantes, afinal de contas, o Judiciário, ao revisar uma decisão administrativa, poderá dizer se foram observados os direitos individuais ao contraditório”, diz. Em contrapartida, “essas revisões entram no mérito das decisões do Cade, e isso de certa forma, configura afronta aos posicionamentos do Conselho”, afirma Caminati.

Tramitação
De acordo com o relatório, o tempo médio de um processo no Judiciário é de cinco anos e três meses — desse total, dois anos e dois meses em primeira instância, cerca de três anos nos TRFs e um ano nos tribunais superiores. Nesse tempo, o resultado final dos processos judiciais varia pouco entre a manutenção e a revisão das decisões administrativas — revisão de decisões em 10 casos e manutenção em 11. Entre as instâncias houve uma relativa redução de reversão das decisões judiciais. Na instância inferior, dentre os 20 casos analisados, 17 decisões administrativas foram mantidas pelo Judiciário.

“Isso revela a atual inexistência, no Brasil, de uma tendência geral de sucesso ou fracasso no desfecho das demandas levadas pelos agentes econômicos ao Judiciário referentes às decisões do Cade. Isso significa ainda, ao menos sob uma perspectiva quantitativa, que o Judiciário brasileiro não tem se revelado, necessariamente, interventivo”, diz o relatório.

Segundo Badin, essa tramitação revela a “boa vontade do Judiciário”. Segundo ele, o Conselho Nacional de Justiça tem outro dado indicando que o tempo médio para decisão em processo recursal é de aproximadamente 14 anos.

Quanto aos casos não transitados em julgado, o relatório mostra um relativo aumento na revisão das decisões do Cade — 12 dentre 17 casos — “o que não oferece um parâmetro seguro para interpretações, tendo em vista que, nesses casos, a decisão ainda pode ser revertida em recurso pendente de julgamento”.

O estudo mostra que apenas em uma pequena parcela dos casos, a revisão judicial se deu em razão de vícios relativos ao procedimento desenvolvido pelo Cade ou à observância das garantias processuais da ampla defesa e do contraditório.

Pendências
Segundo Badin, com base em informações do Ministério da Justiça, o Cade possui um quórum mínimo para o julgamento de processos importantes, como Sadia-Perdigão, Ponto Frio-Casa Bahia, Marfrigue-Seara e Braskem-Quattor.

Quanto a sua substituição na presidência do Cade, Arthur Badin afirma que há uma movimentação em favor do conselheiro Fernando Furlan. No entanto, existe uma questão jurídica caso Furlan assuma a presidência do Cade. “Como só é possível ficar quatro anos no Cade, Furlan só tem mais um ano para poder ficar no cargo”.

Badin, também disse que a nomeação de um novo presidente para o órgão não esperará a nomeação da presidente eleita Dilam Rousseff. “A partir de agora ela estará presente em todas as decisões que envolveram o governo. Acredito que a nomeação só será adiada para 2011 por razões políticas, e isso se não houver consenso entre os nomes a serem indicados”, concluiu.

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