Situação de miserabilidade

Renda per capita e concessão de amparo assistencial

Autor

  • Liana Lidiane Pacheco Dani

    é defensora pública federal titular do 1º Ofício Previdenciário da Defensoria Pública da União no Distrito Federal e coordenadora do Posto da Defensoria Pública da União junto ao Juizado Especial Federal.

17 de novembro de 2010, 17h00

A Defensoria Pública da União, na condição de instituição essencial à função jurisdicional do Estado na garantia do acesso à Justiça a população de baixa renda tem atribuição de demandar contra pessoas jurídicas de direito público, dentre elas o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Considerando a renda (ou inexistência de renda) da maior parte dos assistidos da Defensoria Pública da União, observa-se uma grande demanda para concessão de Benefícios de Prestação Continuada (BPC) também denominados de benefícios de amparo assistencial ao idoso ou ao deficiente.

Em recente julgado de demanda patrocinada pela instituição, o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 672.694, o Supremo Tribunal Federal, em voto do ministro relator Joaquim Barbosa, entendeu que a Turma Recursal da Seção Judiciária do Paraná não afastou o critério estabelecido no §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, ao julgar procedente o pedido de concessão de benefício assistencial nos termos no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), estando a decisão em conformidade com o decidido pela Corte Constitucional no julgamento da ADI 1.232, tendo como relator o ministro Ilmar Galvão.

A decisão fixou que os rendimentos obtidos por idoso ou deficiente, seja benefício de amparo assistencial, seja aposentadoria, devem ser desconsiderados no cálculo da renda per capita quando do levantamento da situação de miserabilidade, critério exigido para concessão do benefício de amparo assistencial.

A relevância do julgado é percebida em todos os casos de concessão do benefício de amparo assistencial. A Lei 8.742/1993, que trata da organização da Assistência Social, prevê no artigo 20 que o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. A redação do artigo 20 da mencionada lei deve ser interpretada com o artigo 34 do Estatuto do Idoso, o qual enuncia ser idosa a pessoa a partir de 65 anos.

O benefício de prestação continuada é previsto na Constituição Federal de 1988, quando trata da Seguridade Social, em especial da Assistência Social, enunciando no artigo 203, inciso V, que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Forçoso reconhecer que o direito à concessão do benefício de amparo assistencial é medida que agrega eficácia plena à norma constitucional. A concessão do benefício de prestação continuada/amparo assistencial tem natureza de política pública da assistência social e, nos termos do artigo 29, parágrafo único, da Lei 8.742/93, o INSS é o órgão responsável pela execução e manutenção dos benefícios.

Em sede administrativa junto ao INSS, bem como em sede judicial, quando da propositura de demanda junto ao Poder Judiciário para concessão do benefício por indeferimento administrativo, o requisito de idade, em caso de amparo assistencial ao idoso, é auferido de forma documental. O requisito de incapacidade, em caso de amparo assistencial ao deficiente, é auferido por médico perito.

O requisito comum a ambos os benefícios, situação de miserabilidade, delimitada pela renda per capita de 1/4 do salário mínimo, é constatado por perito sócio-econômico, geralmente, em visita domiciliar, ou em outros estabelecimentos (casos de internação hospitalar, albergues para moradores de rua, entre outros), e na oportunidade há preenchimento de questionário com dados do beneficiário, quais sejam: (a) idade, (b) escolaridade, (c) qualificações profissionais, (d) situação de convivência familiar, (e) relação de despesa com manutenção do sustento e tratamento médicos, (f) se está integrado à rede de políticas públicas afirmativas do governo do município/estado/federal, (g) se já trabalhou/contribuiu para a previdência social, e (h) indicação das pessoas que vivem na mesma residência, com informação de idade, grau de parentesco, escolaridade e renda, dentre outras.

Pela complexidade da avaliação, tal critério de 1/4 do salário mínimo como indício de miserabilidade já foi objeto de diversas discussões no âmbito do Poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal, inclusive, confirmou a constitucionalidade da exigência da renda mínima per capita de 1/4 do salário mínimo em sede da ADI 1.232/DF, ensinando que deve ela ser considerada como um parâmetro para a aferição da necessidade, não impedindo que outros fatores sejam utilizados para comprovar a carência de condições de sobrevivência digna.

Na prática, auferir a renda per capita perpassa pela indicação de quais dos entes familiares que vivem debaixo do mesmo teto será apto a ter a renda incluída no cálculo.

A Lei 8.742/93 prevê no artigo 20 § 1o que se entende como família o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei 8.213/91, desde que vivam sob o mesmo teto. Destarte, a Lei 8.213/91, em seu artigo 16, prevê taxativamente que compõem o rol de dependentes, presumidamente, o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho e enteado não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido, e mediante prova, os pais e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido. Logo, não se pode incluir renda de filho maior que não sustente os pais, nem dos primos, tios, terceiros que morem de favor, entre outros.

O Estatuto do Idoso, artigo 34 parágrafo único, prevê que o benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.

Frente ao total desrespeito a previsto legalmente, a Defensoria Pública da União ingressou com Ação Civil Pública em 2007 junto à Seção Judiciária do Tocantins e obteve liminar em desfavor do INSS, obrigando a autarquia previdenciária a não considerar, para efeito de cálculo da renda familiar a que se refere a Lei 8.742/93, qualquer benefício previdenciário ou assistencial de valor igual ao salário mínimo concedido a outro membro da família, estendendo seus efeitos igualmente a idosos e deficientes físicos.

Neste sentido, e frente a situações de natureza sócio-econômica semelhantes, a inclusão da renda de benefício de um salário mínimo percebido tanto por pessoas idosas como por pessoas deficientes também é questionada.

O direito ao benefício assistencial pressupõe, a teor do disposto no artigo 20, da Lei 8.742/93, ser a pessoa portadora de deficiência ou idosa impossibilitada de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. Neste sentido, os benefícios percebidos por seus familiares não podem ser incluídos na renda per capita sem a devida atenção de situação específica de cada um.

Afinal, se quem pleiteia o benefício contar no meio familiar com integrante que também não reunia condições de se prover, tanto que fez jus a benefício de um salário mínimo, seja em razão da idade, seja em razão de deficiente, não é razoável exigir o sacrifício deste familiar, pois também não possui meios de prover à própria manutenção tampouco de prover seus familiares.

Destarte, a decisão em sede do Agravo Regimental no AI 672.694, confirmando que os rendimentos de benefícios obtidos por idoso ou deficiente devem ser desconsiderados no cálculo da renda per capita quando do levantamento da situação de miserabilidade, reforça o caráter Supremo na condição de guardião da Carta Magna, a qual enuncia como fundamento da República a dignidade da pessoa humana e como objetivo fundamental erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais.

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    é defensora pública federal, titular do 1º Ofício Previdenciário da Defensoria Pública da União no Distrito Federal, e coordenadora do Posto da Defensoria Pública da União junto ao Juizado Especial Federal.

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