Encargos sociais

ONGs não devem frustrar as relações de trabalho

Autor

13 de novembro de 2010, 7h00

Alguns investidores sociais manifestam espanto quando recebem planilhas de custos de projetos apresentados por entidades sem fins lucrativos e verificam a inclusão de valores relativos a “encargos sociais”. O espanto não diminui quando essas instituições explicam que querem manter uma relação formal com os empregados, tendo, portanto, a obrigação de recolher as contribuições para a seguridade social. Aparentemente, para esses que se espantam, o terceiro setor atua – ou deveria atuar – não apenas à margem, mas também fora da lei.

Será que é isso que se espera das entidades sem fins lucrativos – a precarização do trabalho, a informalidade, a desobediência às leis trabalhistas? No mundo corporativo, um dos pilares das boas práticas em governança é o compliance, um conjunto de disciplinas para fazer cumprir as normas legais e regulamentos, com políticas e diretrizes específicas visando a evitar desvios ou inconformidades que possam colocar a empresa em risco. Por que uma organização civil sem fins lucrativos deveria adotar princípios contrários a esses? Em meio às sempre bem-vindas advertências dos especialistas sobre a necessidade de profissionalização do terceiro setor, com a consequente adoção de boas práticas de gestão já consagradas na iniciativa privada, o “espanto” dos investidores sociais com o pagamento de encargos sociais pelas ONGs é um balde de água fria.

As entidades sem fins lucrativos sérias se esforçam para apagar a imagem negativa que recai sobre todo o terceiro setor sempre que surgem denúncias envolvendo instituições que, em vez de servir ao público, atendem a interesses pessoais e políticos. Não é fácil para as entidades que realizam um trabalho responsável escapar das generalizações que tentam encaixar a todas, indistintamente, no termo “pilantropia”. E fica ainda mais difícil quando se vê, da parte de quem deveria dar o exemplo, uma reação que pode ser tomada pelas entidades menos sérias como um incentivo a práticas que mancham todo o conjunto de organizações indiscriminadamente.

O que mais surpreende é a duplicidade do discurso desses investidores, que querem o título de “empresas socialmente responsáveis” para acrescentar valor a suas marcas, mas tentam convencer as associações a abrir mão da responsabilidade delas. Os especialistas em gestão ensinam que, para as empresas, o que importa é seu core business. Acontece que o core business das entidades sem fins lucrativos que atuam no terceiro setor é a própria responsabilidade social. Como podem abrir mão de algo que está no DNA delas?

A profissionalização do terceiro setor é fundamental e precisa da ajuda e fiscalização de todos os atores envolvidos com ações sociais, a começar pelos próprios investidores. A legitimidade da causa defendida pelas ONGs não legitima qualquer conduta. Elas não podem reproduzir a lógica de mercado no terceiro setor, mas podem e devem copiar os modelos de gestão baseados nas boas práticas de governança, principalmente nos quesitos transparência e obediência às leis.

O terceiro setor evoluiu muito no Brasil e não pode mais se restringir a contar apenas com a abnegação e o idealismo dos voluntários, tampouco pode frustrar as relações de trabalho regulares por meio de atalhos. Um projeto de qualificação profissional e inclusão social, por exemplo, deve envolver pessoal adequado para uma rotina diária de aulas, planejamento pedagógico e acompanhamento dos educandos, e exige capital humano, capital de talentos e capital de competências.
 

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!