Inclusão social

Judicialização de políticas públicas é nociva

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4 de novembro de 2010, 15h55

O programa Bolsa Família ficou fora do pacote de direitos sociais judicializados do Brasil. A judicialização de políticas públicas no país tem se mostrado mais nociva do que benigna. Os juízes não conseguem dimensionar o impacto das decisões coletivas que tomam. O raciocínio foi feito por Sergei Soares, pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, durante o seminário Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre os BRICs, que começou na quarta-feira (3/11) e vai até esta quinta-feira (4/11), na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.

O foco do debate esteve no rápido crescimento das economias dos países emergentes como Brasil, Rússia, Índia e China. Na mesa de Sergei Soares, a pauta foi “Inclusão Social”. A discussão encontrou amparo na pesquisa Direito nas políticas públicas brasileiras: um estudo do Programa Bolsa Família, de autoria do professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Diogo Rosenthal Coutinho, especialista em Direito Econômico. Acompanhou a conversa, ainda, a indiana Anuradha Joshi, pesquisadora do Instituto de Estudos do Desenvolvimento da University of Sussex (Inglaterra).

O trabalho de Coutinho versa sobre como o Brasil conseguiu, significativamente, diminuir as desigualdades sociais na última década por meio de políticas públicas como o Bolsa Família. Esse processo, no entanto, não começou com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas sim com a Constituição Federal de 1988. A nova legislação quebrou com uma seqüência de ações conservadoras, que “sempre serviram aos interesses da elite política, voltada para a proteção daqueles que mantêm vínculos formais de trabalho e que vivem em cidades”, explica o pesquisador.

Como lembra Coutinho, o Bolsa Família não gera direitos. A regulação, que em sua visão é "solta", faz do programa uma iniciativa mais inclusiva do que se tivesse regras rígidas. "Por isso", conta, "ele não virou objeto de discussão nos tribunais. Isso é importante na medida em que assegura a consistência financeira do programa porque os juízes tendem a ser generosos em excesso e não se atentam às consquências econômicas de suas decisões".

A desigualdade de distribuição de renda de um país pode ser auferida pelo Coeficiente de Gini, índice desenvolvido pelo estatístico italiano Corrado Gini. Expresso em pontos percentuais, consiste em um número entre zero e um, no qual o zero corresponde à completa distribuição e o um à completa desigualdade. Em 1989, o coeficiente brasileiro era de 0,63. Uma década depois, em 2009, o Brasil apresentou um coeficiente Gini de 0,54.

Se de um lado o Bolsa Família promoveu, como atesta Coutinho, uma melhor distribuição de renda, de outro, o The Mahatma Gandhi National Rural Employment Guarantee Act fomentou a mobilização social. É o que conta a professora Anuradha Joshi. Segundo ela, o programa busca garantir o emprego de pessoas nas áreas rurais indianas por cem dias no ano.

O trabalho de Coutinho pode ser enquadrado naquilo que o professor David Trubek, da University of Wiscosin-Madison chama de aprendizado horizontal. Ao contrário de outras metodologias, o método horizontal permite que se crie uma rede de especialistas vindos de países com situações semelhantes. Trubek fez a palestra principal do dia. Ele explicou que o aprendizado horizontal não busca impor soluções, mas apenas aplicar de forma adaptada ao conhecimento local práticas que já deram certo em outros países.

Quando se fala em moldar o Bolsa Família para outras localidades, Coutinho é da mesma opinião de Trubek. “Cada país faz um tipo de política social, e o importante é que os países que têm trajetórias semelhantes, mas também têm diferenças, olhem mais uns pros outros para entender o que estão fazendo e como os casos bem sucedidos podem ser adaptadas para outros contextos”.

De acordo com o professor, desde a década de 1930, com o governo Getúlio Vargas, o Direito serviu para regulamentar as corporações, como o Direito Previdenciário, e para garantir “alguns direitos para alguns”. “O Direito Social brasileiro serviu para moldar e institucionalizar uma tecnocracia que, no nível federal era centralizada, a despeito de ser nesse mesmo nível fragmentada em diferentes órgãos”. Além disso, ele foi usado como um instrumento macroeconômico e “não como objetivos individualmente identificados e com finalidades em si mesmos”.

Já a pobreza, conta Coutinho, nunca foi vista de maneira autônoma. “Até a década de 1960, o fim da pobreza foi encarado como o resultado de um desenvolvimento da economia”. Somente depois passou a ser tratada como um problema de Direito Social.

O Bolsa Família é um programa condicionante. Isso significa dizer que ele não gera direitos – para que o cidadão seja beneficiado, ele deverá cumprir os requisitos pré-estabelecidos. Cerca de 45 milhões de pessoas são beneficiadas. Os investimentos do programa equivalem a 0,35% do Produto Interno Bruto brasileiro. Segundo Coutinho, 80% dos recursos atingiram 23% da população mais pobre do país.

Para Coutinho, o Bolsa Família possui instrumentação jurídica consistente. Flexível, define regras condicionantes por meio de leis mais difíceis de serem modificadas. Por outro, valores a serem pagos são fixados por meio de portarias, por exemplo. “O Bolsa Família será apenas uma parte de um projeto mais amplo de diminuição das desigualdades sociais”, avalia.

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