Valores

Descaso com o respeito aos Direitos Humanos

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31 de março de 2010, 6h00

Gera perplexidade deparar-se, sobretudo após vinte e cinco anos do fim do regime autoritário, com algumas declarações provenientes de agentes do ‘vértice’ dos Poderes do Estado brasileiro claramente prejudiciais aos direitos humanos no país.

Recentemente, pode-se destacar três declarações que ensejam um debate sobre as práticas discursivas distorcidas do poder no Brasil e que geram perplexidade no descaso com a democracia e com o respeito aos direitos humanos. Trata-se do pronunciamento do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, de que a ditadura brasileira foi um “mal necessário”, da declaração do General Raymundo Nonato de Cerqueira Filho, eleito Ministro do Superior Tribunal Militar, contra a integração de homossexuais no exército brasileiro[1], que lamentavelmente não reflete posicionamento isolado neste tribunal[2]; e talvez da mais surpreendente das três, a declaração do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva

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, acerca da greve de fome dos prisioneiros políticos em Cuba.

Destacar tais declarações e sua relação com a efetivação dos direitos humanos é relevante dado que, em sendo um construído histórico, os direitos humanos se relacionam diretamente com a cultura da sociedade e resguardam os seus valores; mas almejam, como fim, a modificação cultural da sociedade a fim de que a dignidade humana seja totalmente respeitada.

Em função deste relacionamento íntimo com a sociedade e de seu fim aspiracional os direitos humanos sofrem influência direta das práticas de convívio social; sendo a questão do discurso exemplo relevante de tal fato.

Isso porque por meio da análise do discurso é possível vislumbrar o posicionamento político e axiológico de quem o produz. O discurso tem influência direta na percepção dos direitos e garantias que resguardam a dignidade humana e no fortalecimento do entendimento de que um Estado

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tem obrigações internas e internacionais de respeitar e fazer valer tais direitos.

A análise das recentes declarações acima mencionadas demonstra o descaso por parte de diversas autoridades brasileiras acerca da relação entre o discurso e sua repercussão na preservação dos direitos humanos.

Na declaração do Chefe do Executivo brasileiro, segundo a qual, comparando a situação dos presos políticos em Cuba com a dos presos comuns do Brasil: “greve de fome não pode ser utilizada como pretexto para libertar pessoas em nome dos direitos humanos” [3], verifica-se um descompasso com a efetivação dos direitos humanos.

A declaração não deixou de ser ditada a partir de um alienante grau de irrazoabilidade, uma vez que foi acompanhada da incoerente constatação do próprio Presidente no sentido de que ele, quando líder sindical, fazia oposição à ditadura militar por greve de fome, mas que, agora, “leia-se”, que ocupa a Presidência da República, classifica a prática como “uma insanidade”.

Ora, poder-se-ia argumentar que a racionalidade do discurso, apesar de distorcida, pode ser associada, mas não justificada (assevere-se), à adesão ideológica, mesmo que velada, aos “fins sociais” do governo cubano, como tentativa de salvar a retórica do Presidente, ou ainda pela alteração pessoal em termos de conceitos e valores ao longo da vida, mas como pode alguém que sofreu perseguição por ter opiniões políticas divergentes de um governo autoritário compactuar com violações aos direitos humanos de pessoas privadas de sua liberdade pela mesma razão, ou pior, o Chefe do Poder Executivo proferir declaração que prejudica o tema dos direitos humanos?

Sabe-se que na teoria do discurso a ausência de posicionamento, isto é, a omissão, representa quase sempre um posicionamento, no entanto, no des(caso) apreciado a declaração do Presidente poderia ter sido no sentido de se limitar a respeitar a soberania de Cuba, mas foi além externando um juízo de valor ao trazer a ideia de que a greve de fome não é instrumento legítimo a provocar uma reflexão acerca das violações aos direitos humanos. Como questão política, o silêncio poderia ter sido aceito, haja vista os protocolos da diplomacia, entretanto, a declaração colide frontalmente com o silêncio (perturbador) daqueles que, pacificamente, se insurgem contra um governo com o qual não concordam[4].

Em suma, houve a distorção do contexto, que foi associado à prática de crime comum, em seguida, ocorreu a banalização da greve de fome, sendo desclassificada como instrumento legítimo e, na sequência, ainda, minimizou-se sua potencialidade de produção de efeitos, mesmo que no âmbito internacional, uma vez que ela foi taxada de ‘ato insano’.

Ora, a greve de fome, utilizada por Gandhi na política do Satyagraha (cujo sentido original é de não-violência), representa o último recurso, e talvez o mais drástico dos instrumentos de contestação, quando o ser humano chega à conclusão de que não resta mais alternativa de questionamento da injustiça de uma situação, senão abrir mão de sua própria vida. Como é possível tornar pueril a greve de fome, caracterizando-a como uma insanidade, se esta medida pode ser vista até da perspectiva de um dos mais raros atos racionais extremados dos seres humanos?

Tanto a questão não pode ser trivializada, que existe Declaração (de Malta) que disciplina o dever médico de respeito à autonomia que o indivíduo tem como “grevista de fome”. É, portanto, incontroversa a ‘força simbólica’ da greve de fome como instrumento de contestação política, uma vez que ela transforma seres humanos em mártires e a sua projeção imagética do ponto de vista coletivo não pode ser menosprezada.

Outra declaração relevante foi a do Ministro Marco Aurélio, do STF, no sentido de que a ditadura teria sido, conforme mencionado, um “mal necessário”. Também é inadequado do ponto de vista do discurso, ainda mais de um integrante do STF – corte suprema a qual compete precipuamente a guarda da Constituição – e que mais tarde provavelmente apreciará ADI proposta pela OAB que questiona a validade da extensão dada à anistia brasileira, desconsiderar que as ditaduras são incompatíveis com os princípios basilares do Estado democrático de Direito e que, ante ao fundamento insofismável da dignidade humana, não há “mal necessário” que justifique os mecanismos de repressão que provocaram a prisão, a tortura, o exílio e a morte de militantes políticos, jornalistas, artistas, membros de Igreja e estudantes, entre outros, numa brutal desarticulação dos movimentos sociais ocorrida nos chamados, com toda a “justeza” do termo, anos de chumbo.

O que parece esquecido nesta declaração é o fato de que só se aprende democracia em um ambiente democrático. Que ditadura alguma pode preparar ou preservar a democracia (como apregoado pelos Militares no Poder, inclusive na fundamentação de seus Atos “Institucionais”[5]). “Entendemos que a cidadania é um processo (de participação política) e, tal qual a democracia, um aprendizado. Não há pré-requisitos para a cidadania”[6].

Por fim, não menos grave foi a declaração do Ministro do Superior Tribunal Militar contrariamente à integração de homossexuais no exército brasileiro[7], num discurso que desqualifica e exclui pessoas e que, por isso mesmo, ignora os mais básicos princípios dos direitos humanos, quais sejam: os voltados à igualdade e à não-discriminação[8] [9]. A sabatina no Senado Federal deve servir para que candidatos a cargos como os de Ministros de Tribunais Superiores mostrem capacidade técnico-científica, mas também revelem posições acerca de temas fraturantes. Tal declaração demonstra-se incompatível com os postulados do Estado Democrático de Direito, uma vez que a manutenção de interditos contra homossexuais nas Forças Armadas configura uma grave violação aos Direitos Humanos e, portanto, contrária àquele.

É de imperiosa urgência que o tema do respeito aos direitos humanos seja introjetado nos discursos das autoridades públicas no Brasil. No cotidiano da sociedade brasileira, já tão castigado pelas práticas reais e discursivas distorcidas e alienantes, baseadas em compromissos sociais que forçam a persuasão, na manipulação dos contextos e dos sentidos, é comum verificar-se tais inversões, que possuem desdobramentos que atrapalham o projeto de efetivação e respeito aos direitos humanos, mas tais práticas são inaceitáveis nos órgãos de cúpula de um Estado que se pretenda democrático.

Isso porque a filosofia da linguagem deu passos significativos na percepção, mormente após o chamado giro linguístico, de que o discurso não é algo que tem caráter meramente designativo, mas possui função persuasiva e, por conseguinte, legitimadora de comportamentos e posturas sociais. Hoje se sabe que, com discursos, não se apenas se “fala” algo, também se “faz” e o que os três exemplos de discursos mencionados “fazem” é reproduzir uma cultura de ausência de direitos, que parece ser a tônica de nossa história pregressa.

Além da mencionada relação intrínseca entre discurso e direitos humanos, tal fato é ainda mais complexo uma vez que na época dos regimes ditatoriais a agenda dos direitos humanos era uma agenda contra o Estado, com a democratização os direitos humanos passam a ser também uma agenda do Estado — que combina a feição híbrida de agente promotor de direitos humanos e, por vezes, agente violador de direitos[10].

Poder-se-ia tentar minimizar ainda a relevância da falha no discurso, destacando-se os avanços do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, que tanto debate provocou no início deste ano, mas tal tentativa é infrutífera, uma vez que sendo o discurso dotado de caráter pragmático pode-se argumentar que sua parte dinâmica (as declarações) teria tanta (ou mais) força do que sua parte estática encontrada nas declarações em documentos oficiais. Além disso, o governo já se demonstra favorável a alterações nas partes mais polêmicas do Plano, o que faz com que não saibamos qual será o teor final de tal documento.

Em face do descompasso entre o discurso de direitos humanos no Brasil e a relevância do discurso para o tema dos direitos humanos vis-à-vis sua efetivação e a alteração cultural da sociedade; é preciso repensar a práxis discursiva distorcida para que ela se coadune com as obrigações internas e internacionais do Brasil enquanto um Estado democrático de Direito que tem por tarefa e limite a preservação e a garantia dos direitos humanos.


[1] Cf. <http://jornalnacional.globo.com/Telejornais/JN/0,,MUL1524253-10406,00-SENADO+APROVA+RAYMUNDO+NONATO+PARA+MINISTRO.html>. Acesso em 17 de março de 2010.

[2] Veja-se, por exemplo, a reforma do tenente-coronel Osvaldo B. Sayad pelo STM em 11 de março de 2010. Cf. informações obtidas em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/superior-tribunal-militar-reforma-oficial-homossexual-539857.shtml. Acesso em 15 de março de 2010.

[3] Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL1522714-5601,00-LULA+DIZ+QUE+GREVE+DE+FOME+NAO+PODE+SER+PRETEXTO+PARA+LIBERTAR+PRESOS.html>. Acesso em 9 mar. 2010.

[4] Não se pode esquecer que foram justamente atos de “desobediência civil” como aqueles, que o próprio Presidente admite ter feito, que garantiram a volta da democracia ao País. Sobre a desobediência civil, ver SALCEDO REPOLÊS, María Fernanda. Habermas e a Desobediência Civil. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.

[5] Como o AI-1: “Assim, a revolução vitoriosa, como o Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o govêrno anterior e tem a capacidade de constituir o novo govêrno. Nela se contém a fôrça normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas, sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória. Os Chefes da Revolução vitoriosa, graças à ação das Fôrças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o Povo é o único titular” (sem itálico no original). Não é demais lembrar que, desde Carl Schmitt, qualquer ditadura sempre se apresenta como “guardadora” ou “fase preparatória” da democracia.

[6] BAHIA, Alexandre G. M. F. Recursos Extraordinários no STF e no STJ – Conflito entre Interesses Público e Privado, Curitiba: Juruá, 2009, p. 296. Apenas sendo cidadão é que se aprende, com os acertos e erros daí decorrentes. Cf. também CARVALHO NETTO, Menelick de. “Racionalização do Ordenamento Jurídico e Democracia”. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 88, dezembro, 2003, p. 81-146.

[7] Tal questão talvez haja sido levantada em razão de um recente episódio envolvendo dois militares homossexuais (Fernando Alcântara de Figueiredo e Laci Marinho de Araújo), punidos em razão de sua orientação sexual.

[8] Diz o artigo 3º da Constituição que se constituem em princípios fundamentais da República Federativa do Brasil: “IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Além disso, prescreve o artigo 5º: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.

[9] Vale lembrarmos que países como Israel e Inglaterra (e, pelo menos, outros 20 países) aceitam homossexuais nas Forças Armadas e, mesmo nos EUA, vigora a política do “don’t ask don’t tell”; política esta que está em discussão naquele País. O Presidente Obama pretende propor a abolição dessa normativa. Cf.

[10] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Estado de Direito estão ligados. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-jan-30/direitos-humanos-estado-direito-sao-termos-interdependentes#autores>. Acesso em 17 de março de 2010.

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