Reforma processual

Novo Júri é possível, mas não seria boa opção

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30 de março de 2010, 17h52

A condenação de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, no último sábado (27/3), além de evidenciar como o direito de defesa no país é mal compreendido, levanta o debate sobre a necessidade ou não de se pedir um novo Júri para o casal. Anna Carolina foi condenada a 26 anos e Nardoni a 31 anos de prisão, por homicídio triplamente qualificado pela morte de Isabella, 5 anos, em março de 2008. O casal também responde por fraude processual.

A defesa, representada pelo advogado Roberto Podval, ainda estuda se pedirá um novo Júri. O recurso, se for feito, será baseado em dispositivo do Código de Processo Penal em vigor na época do crime que garantia automaticamente um novo Júri a condenados a mais de 20 anos de prisão. A norma, contudo, deixou de existir cinco meses após o crime, devido à reforma no Código de Processo Penal. A alteração se deu com a Lei 11.689, sancionada pelo presidente Lula em junho de 2008 e que entrou em vigor em agosto do mesmo ano.

A dúvida é se valerão as normas do sistema processual antigo, que é da época do crime, ou se a norma a ser aplicada é aquela em vigor quando da sentença. Especialistas consultados pela revista Consultor Jurídico divergem sobre o tema.

A procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Luiza Nagib Eluf, ressalta que tecnicamente é possível a defesa entrar com o recurso para pedir o novo Júri, "mas como é norma híbrida (processual e penal) não há muitas chances de o pedido ser concedido". Segundo ela, a norma processual não retroage para favorecer o réu. Se fosse material, poderia retroagir, mas como é processual, não.

Para Luiza Eluf, pedir outro Júri é como patinar no gelo. "Seria absurdo refazer tudo o que foi feito nessa última semana para chegar ao mesmo resultado, com o mesmo custo material e emocional que o julgamento gerou para o país." A especialista vai além: "A anulação deste Júri traria descrédito para a Justiça".

O criminalista Jair Jaloreto Junior também reforça que norma processual penal não retroage, mas que uma possível modulação dessa norma não é inconstitucional, "não será contrária a todo o ordenamento jurídico". Entretanto, Jaloreto entende que dificilmente o Judiciário vai aderir a essa tese. "É uma tese minoritária. Não existe jurisprudência formada ainda sobe o tema", disse e acrescentou que esse pleito ainda será objeto de muito trabalho por parte dos advogados.

O jurista Luiz Flávio Gomes — que acompanhou pessoalmente todo o julgamento do casal — explica à ConJur que a supressão de um recurso, que faz parte diretamente do direito de defesa, afeta o ius libertatis dos réus. O professor destaca que não está pacificado pelos tribunais se a norma processual que cancela um recurso é uma norma genuinamente processual ou seria uma norma processual com caráter penal. Em artigo, publicado em 10 de junho de 2008, o professor escreveu: "A regra trazida pelo artigo 4º, pertinente à extinção do Protesto por Novo Júri, se evidencia prejudicial ao direito constitucional da ampla defesa, sendo impossível conferir-lhe eficácia retroativa, posto que prejudicial ao réu".

Ele  ressalta que se fosse o advogado do casal pediria novo Júri, pois entende que a norma processual que cancela um recurso tem caráter penal, porque afeta diretamente o direito de ampla defesa. De outro lado, registra que, emocionalmente e pelo desgaste, não seria uma boa opção pedir um novo Júri.

"Concordo que as normas sobre recursos são processuais, de aplicação imediata, porém, quando há o cancelamento de um deles isso ganha outra dimensão, a material. Nenhuma lei penal (ou processual com caráter penal) pode retroagir para prejudicar o réu", disse.

Ainda segundo o jurista, o crime de homicídio qualificado é classificado como hediondo, logo, o casal terá de cumprir 2/5 da pena no regime fechado. O que equivale a 13 anos para Nardoni e 11 anos para Anna Carolina. Já o tempo que ficaram presos, antes do julgamento, será descontado da pena final. Vale destacar, também, que para cada três dias de trabalho debita-se um da pena.

O Júri do casal durou cinco dias e foi marcado pelo clamor público e pelo sentimento de punição social. A condenação, na prática, se deu bem antes do julgamento. Durante o Júri, manifestantes bateram literalmente nos portões do Fórum de Santana (SP) para pedir Justiça pela morte de Isabella. Fogos de artifícios foram usados no momento em que o juiz Maurício Fossen, responsável pelo caso, fazia a leitura da sentença.

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