Fora da via

Advogada contesta quebra de sigilo bancário

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29 de março de 2010, 16h20

É permitida a quebra de sigilo fiscal e bancário longe da via judicial, em processo administrativo? A doutrina entende ser inconstitucional, com base no direito ao sigilo bancário, mas a maior parte da jurisprudência entende possível a quebra do segredo em procedimento administrativo, desde que acompanhada de autorização judicial. 

O tema foi novamente levantado pela Comissão de Prerrogativas da OAB de São Paulo. A comissão patrocinou Mandado de Segurança, com pedido de liminar, no Órgão Especial do Tribunal de Justiça estadual. O recurso tem como alvo ato do decano da corte paulista, Luiz Tâmbara. Segundo os advogados, o desembargador decretou a quebra do sigilo das contas da advogada Suzana Volpini que foi casada com o juiz de direito Alberto de Amorim Michelli. O suposto decreto foi determinado em processo administrativo disciplinar instaurado contra o ex-marido da advogada.

O relator do Mandado de Segurança, desembargador Xavier de Aquino, concedeu a liminar, entendendo que havia direito líquido e certo da advogada de não ter seu sigilo escancarado pela via administrativa. No entanto, o julgamento de mérito está parado desde outubro, aguardando manifestação do relator do processo administrativo, apontado no recurso como autoridade coatora (pessoa que ordena o ato atacado).

O desembargador Luíz Tâmbara sustenta que não determinou a quebra do sigilo da advogada e que a informação está equivocada. O relator do processo administrativo disciplinar informou que apenas oficiou ao Banco Central (BC) para que este informasse à Justiça paulista os bancos e agências onde Suzana é correntista. Ele destacou que o processo administrativo corre em segredo de Justiça e todos os procedimentos envolvendo o caso estão amparado pelo sigilo.

O advogado Daniel Bialski sustenta que a quebra não poderia ser decretada na via administrativa, pois sua cliente não é parte no processo administrativo nem tem qualquer vínculo com o Tribunal de Justiça. Além disso, a defesa reclama da demora para o julgamento de mérito do Mandado de Segurança, para confirmação ou recusa da medida liminar, concedida pelo relator. 

Retardamento
A defesa de Suzana acredita que o objetivo do desembargador Tâmbara é só julgar o Mandado de Segurança depois do processo administrativo instaurado contra o juiz. O julgamento do primeiro poderia abrir as portas para a nulidade do segundo, uma vez que este tem como alicerce a quebra do sigilo em procedimento administrativo.

Tâmabara contestou a acusação. O decano da corte paulista disse que não tem nenhum interesse em retardar o julgamento do Mandado de Segurança e que não entendia o motivo da queixa feita pela defesa da advogada. Ele acrescentou que a demora na prestação de informações se deve ao fato de conhecimento público, que é seu afastamento temporário, por motivo de doença cardiovascular grave. O desembargador implantou um marcapasso em novembro e depois teve complicações.

A defesa do juiz investigado poderia lançar mão do mesmo argumento apresentado pelo advogado de Suzana. Segundo Bialski, não há justificativa para o que acontece no processo administrativo, uma vez que o inquérito policial que havia e que o impede o juiz de reassumir o cargo foi arquivado a pedido do Ministério Público. 

A defesa sustenta que há motivação pessoal contra o juiz e que a estratégia de segurar a decisão do mandado de segurança é absurda. A defesa diz que não vai permitir que seja julgado o processo administrativo sem que antes seja apreciado o mandado de segurança. 

“Pelo princípio dos frutos da árvore envenenada, grande parte do que foi juntado no processo disciplinar estaria contaminado porque é indiscutivelmente ilegal a quebra de sigilo em sede administrativa”, afirmou o advogado Daniel Bialski. Ele contou que pediu por mais de uma vez a devolução do mandado de segurança ao relator e que agora vai alegar que a última diligência deferida não pode ser cumprida porque choca-se com a liminar dada pelo desembargador Xavier de Aquino. 

A liminar impede qualquer acesso aos dados bancários da Suzana. A Procuradoria-Geral de Justiça pediu e o relator do processo administrativo deferiu a solicitação para que fosse oficiada uma das instituições para prestar informações bancárias. Esse fato, na opinião da defesa, choca-se com a decisão liminar.

O juiz e a ex-mulher
O juiz de direito Alberto de Amorim Michelli era casado com advogada Suzana Volpini, de quem se separou judicialmente. O juiz responde a processo administrativo disciplinar onde se apura suposta conduta irregular em caso que envolve a ex-mulher.

O Judiciário investiga se o juiz foi beneficiado pelas atividades ilícitas de que é acusada Suzana e se seu padrão de vida é compatível com seus vencimentos. Esse fato motivou a decretação da quebra do seu sigilo fiscal e bancário, estendido à ex-mulher, pelo relator do processo administrativo disciplinar.

Alberto Michelli está em disponibilidade (afastado da função à disposição do Tribunal), pena imposta pelo Órgão Especial em outro processo administrativo. Em grau de rigor, a disponibilidade é a quarta pena mais severa que pode ser imposta a um magistrado (as outras três são advertência, censura e remoção compulsória). Depois da disponibilidade, estão previstos os castigos de aposentadoria compulsória e demissão. 

Mandado de Segurança foi impetrado a favor da advogada Suzana Miller Volpini contestando a quebra de seus sigilos requerida no processo administrativo aberto contra o ex-marido.  

Antes disso, o Ministério Público de São Paulo a denunciara pelos crimes de formação de quadrilha e falsidade ideológica. Em primeira instância a justiça paulista recebeu a denúncia, mas o Tribunal de Justiça trancou a ação penal com respeito ao primeiro crime e manteve sobre o segundo. A decisão foi confirmada pelo STJ.

PCC
A advogada foi acusada pelo Ministério Público de fazer parte da organização criminosa  PCC (Primeiro Comando da Capital), que atua no estado, com grande atividade nos presídios. De acordo com a promotoria, Suzana e mais algumas pessoas eram responsáveis pela transferência de detentos para outras unidades prisionais com objetivo de, posteriormente, facilitar a fuga dos presos. A advogada cobraria R$ 7 mil pelo serviço. Essa denúncia contra a advogada foi rejeitada pelo TJ-SP e pelo STJ, que consideraram insuficientes as provas apresentadas contra ela pelo MP. 

Em outra parte da denúncia, o Ministério Público acusa a advogada de falsidade ideológica. De acordo com a promotoria, Suzana entrava nos presídios usando seu nome de solteira, quando ainda estava casada com o juiz. Ainda segundo a denúncia, para entrar na Penitenciária de Iaras, ela se cadastrou com o nome de Suzana Miller Volpine, se dizendo solteira e namorada do detento Antônio Rodrigues Antonopoulus. 

De acordo com o MP, a advogada era casada com Alberto Michelli, e seu nome verdadeiro era Suzana Volpini Michelli. A declaração de informação falsa em documento público (cadastro de visitação de presos), segundo o Ministério Público tinha como objetivo acesso ao presídio para fazer contato com presos.

Relevância Penal
A advogada se defende. Sustenta que o uso do nome de solteira é fato atípico, pois, segundo ela, não há nada na legislação que obrigue ou proíba mulher casada de identificar-se com o nome de solteira. Suzana argumenta que mesmo depois da separação manteve as carteiras de identidade e de motorista com o nome de solteira, mas, nem por isso, seria falso o conteúdo dos dois documentos. 

Ao contestar a acusação de que incluiu declaração falsa em documento público afirmou que ao se cadastrar como companheira de um detendo tinha como objetivo seguir as regras de visitas. Para ela, a declaração de companheira de sentenciado não se configura conduta delituosa, sendo esse fato irrelevante do ponto de vista penal. 

A defesa de Suzana ingressou com Habeas Corpus no STJ na tentativa de trancar o processo pelo crime de falsidade ideológica. Usou a tese da atipicidade da acusação. O Ministério Público Federal contestou o argumento dizendo que o trancamento da ação penal era, no momento, prematuro. 

A Procuradoria-Geral da República reconheceu que o fato de mulher casada se identificar com o nome de solteira não revela, por si só, a prática do crime de falsidade. “Mas declarar ser solteira quando já não ostentava tal estado civil e de que era amante de determinado prisioneiro, quando não o era, apenas para ter acesso fácil ao presídio, pode, sim, ter relevância penal”, afirmou o representante do MPF. 

O STJ manteve a ação penal. O ministro Og Fernandes, relator do recurso, entendeu que o trancamento do processo, pela via do Habeas Corpus, só pode ser dada em casos excepcionais, quando se configura a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade.

[Texto alterado em 30/3/2010 para retificação de informação]

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