Direitos dos magistrados

Previdência compatível com atividades jurisdicionais

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15 de março de 2010, 7h50

É recorrente que a valorização dos inativos da magistratura deve compor uma pauta de preocupações institucionais e corporativas que não escapa à definição constitucional dos papéis a ela reservados. Nada obstante, uma conjuntura perversa que perpassa governos independentemente do colorido partidário e até mesmo ideológico, insiste em problematizar a questão de uma forma linear e cartesiana: reforma da Previdência Social (universalização de seu regime jurídico) ou estagnação!

Essa lógica, sobre não fomentar a Justiça, tampouco considera as vicissitudes das diversas categorias que custeiam a Previdência Social e, paradoxalmente, os diversos graus de risco a que estão submetidas pela sua própria natureza. Parece incontestável que o fator-conjuntura não pode e não deve superar o fator-Justiça Social.

Nesse contexto, pode-se firmemente assegurar que as carreiras de Estado não devem estar submetidas ao Regime Geral e Universal da Previdência Social para fins de aposentadoria de seus quadros, haja vista a cepa de permanentes responsabilidades que devem exercitar com os agravos decorrentes de suas próprias naturezas específicas.

No caso da magistratura e, de resto, por simetria constitucional, do Ministério Público, sucede que esses agravos traduzem um potencial de risco tão ou mais significativo quanto resulte da prática de oferecer solução aos casos concretos em que interesses divergentes se acham em disputa e da qual uma das partes, por definição, resulta sempre vencida.

A tensão emocional e física que decorre dessa estratégia de intermediação dos litígios e a permanente exposição pessoal a que está submetido nesse contexto funcional, confere ao magistrado um papel tão exigente quanto se torne capaz de perder a própria vida em razão de alguma incompreensão de momento, ante a sublevação de suscetibilidades que não se podem simplesmente aquilatar, dado ser imponderável a alma humana. Do mesmo modo, as altíssimas taxas de stress, acumulado ao longo dos anos, entre a necessidade de presteza e celeridade quanto à tarefa, repetitiva na essência, mas multifacetada na singularidade dos casos, de dizer o Direito e distribuir Justiça objetiva e a contrapartida de um contraditório nunca raramente esgrimido sem abuso ao direito de defesa a que igualmente se deve estar vigilante, sinaliza para quadros mórbidos que geram doenças e desestabilização emocional. Um necessário autocontrole, derivado das próprias responsabilidades de figurar no sistema como magistrado, acaba propiciando, também ao longo do tempo, uma sintomatologia que pode levá-lo até mesmo à morte em razão de doenças psicossomáticas que se instalam, sorrateira e traiçoeiramente, em seus corpos e mentes açoitados dia e noite. Agrava esse quadro a indefectível expectativa na própria carreira, prenhe de sinuosidades e frustrações em face dos vícios do seu sistema constitucional.

Portanto, mais do que de prerrogativa, um regime previdenciário à altura dessas altas responsabilidades atinentes à magistratura, e de suas circunstância por demais reconhecidas, há de ser concebido constitucionalmente para garantir às atuais e futuras gerações de Juízes um cenário de segurança e tranquilidade em que possam realizar-se a si mesmos, segundo a superior arte de julgar, oferecer-se em sacrifício a uma obra insubstituível de Estado para o bem social, sem que para tanto careça de sofrer iniquidades.

Tampouco transparece difícil conceber que, nessa perspectiva, um regime previdenciário realmente capaz de responder a essas necessidades garantidoras de uma perfeita captura e formação dos quadros judiciais no país, bem como de sua conservação, passa pela circunstância de que seus direitos compreendam duas categorias lógicas que resultam de uma clássica política pública compensatória que atinge e favorece à população como um todo e não, exclusivamente, àqueles que dela se beneficiam concretamente: paridade e integralidade de vencimentos e proventos da aposentadoria.

Outrossim, consoante a magistratura se constitua em grupo social, não parece desprezível o entendimento de que também esse grupo especial deva colaborar para o desate do dilema histórico que a conjuntura do país exige compor de todo modo. Como não parece justo que a magistratura se recuse a oferecer sua contribuição para a sustentabilidade do Sistema Público de Previdência Social (ainda pendente de séria auditagem de suas contas e do seu sistema atuarial), sucede que um tal tipo de contribuição pode ocorrer sob a forma de alargamento de carências e/ou do estabelecimento de mecanismos de abono de permanência no serviço público ativo. A propósito, isso já foi adequadamente positivado em face do advento das Emendas Constitucionais 20/1998 e 41/2003.

Todavia, foi no contexto dessas reformas constitucionais que também a magistratura restou agravada em seus consectários remuneratórios clássicos e que pertenciam a uma categoria de benefícios institucionais tão ou mais relevantes do que as tradicionais prerrogativas públicas da inamovibilidade, da vitaliciedade e da irredutibilidade dos próprios vencimentos; esta última podendo ser compreendida, em sentido amplo, também como irredutibilidade de proventos, eis que o magistrado preserva a dignidade funcional ainda quando esteja na inatividade.

A perda hodierna, portanto, consiste em que a magistratura sofreu vertiginoso capitis deminutio em suas expectativas jurídico-funcionais relativamente à paridade e à integralidade entre vencimentos e proventos da aposentadoria.

Estando claro que não se divisa a possibilidade de justificação de uma magistratura realmente autônoma e independente — contingência essencial e razão de ser da função julgadora no Estado Democrático e de Direito das sociedades contemporâneas — sem que para ela se encontre constitucionalmente reservados esses predicados previdenciários próprios e evidentemente insubstituíveis por estratégias de complementação hauridas do mercado, segundo as suas idiossincrasias e veleidades que um magistrado jamais foi orientado a lidar durante o tempo de sua atividade (e tampouco teria tempo para um tal exercício diletante), sucede que se impõe o redimensionamento da Ordem Constitucional estabelecida, mediante duas alternativas práticas, a saber:

1) Primária – lutar por uma reengenharia constitucional que preveja a solução preconizada, como norma autoexecutável, para um Regime Próprio da Previdência Social da Magistratura e do Ministério Público, suportado diretamente pelo Orçamento da União e dos Estados-federados e, ainda, do Distrito Federal (unidade orçamentária da União);

2) Secundária – lutar pela inclusão, no anteprojeto do Estatuto da Magistratura e da Lei Orgânica do Ministério Público, do registro de que seus quadros, no exercício das funções típicas do Estado com carga de poder, operam atividades de risco para os efeitos do Inciso II, § 4º, Artigo 40, da Constituição Federal, conforme a redação dada pela Emenda Constitucional  47/2005 (norma constitucional de eficácia limitada, dado que condicionada ao disposto em leis complementares próprias).

Eis a síntese apertada do que se defendeu no 1º Encontro dos Magistrados Estaduais da Região Norte/3º Encontro de Aperfeiçoamento dos Magistrados de Roraima, em novembro de 2008.

A matéria ainda não foi enfrentada. Por isso, continua atualíssima!

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