RedeTV no STJ

Ação é precedente para fuga de decisões trabalhistas

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15 de março de 2010, 14h27

Em maio de 1999, foram transferidas as concessões públicas da extinta TV Manchete do grupo Bloch para empresários anônimos no meio televisivo, os senhores Amilcare Dallevo e Marcelo Carvalho, dos famosos sorteios de prêmios do sistema telefônico 0900, que foram os agraciados com cinco canais nas praças do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Fortaleza.

A Lei de Telecomunicações e a própria Constituição Federal foram burladas, porque haveria, obrigatoriamente, necessidade de se abrir novas licitações em 1986, após 15 anos da outorga, ocorrida em 1981, o que não foi feito pelo governo Fernando Henrique Cardoso, à época, inclusive sob argumento de que todos os trabalhadores seriam protegidos em seus direitos, o que o tempo se encarregou de mostrar o contrário. Ou seja, após a publicação no Diário Oficial das transferências das concessões públicas, a Rede TV (nome de fantasia da TV Ômega), “se esqueceu” de cumprir suas obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais e que foram formalmente pactuadas à época.

Também não há como negar que a extinta TV Manchete foi sucedida pela TV Ômega Ltda, sob as mais variadas formas, tudo formalmente documentado, ou seja: a) em decorrência da Lei (Decreto Presidencial); b) pelo contrato firmado entre ambas com a transferência do Fundo de Comércio (atividade fim – canais de televisão); c) pela inexistência de solução de continuidade das transmissões, e a utilização de equipamentos e instalações de antenas receptoras, transmissoras de sinais de telecomunicações, geradores e torres, componentes relativos aos mesmos, através de contrato de locação; d) pelo estranho e inusitado pagamento, em se tratando de uma concessão pública, que deveria ser efetivado aos sócios da TV Manchete, de quantia monetária de mais de U$ 7 milhões, pela transferência da emissora; e) pela celebração de acordo coletivo com os sindicatos das categorias envolvidas (radialistas, jornalistas e artistas), no qual foi estabelecido de forma clara o aproveitamento de mão de obra, com estabilidade empregatícia de 90 dias e que na realidade durou cerca de 180 dias; f) pelo modo de pagamento de salários atrasados; g) pela implantação de Programa de Demissão Voluntária, entre outros aspectos relevantes, como o direito ao uso da marca TV Manchete por 15 anos.

Para que todos saibam, a sucedida (extinta TV Manchete) e sucessora (Rede TV) celebraram, em maio de 1999 (quando já caracterizada a transferência da concessão, para exploração de sinais de radiodifusão de imagens e sons, como salientado) um Acordo Coletivo. Assinaram o acordo várias entidades sindicais entre elas o Sindicato dos Radialistas do Rio de Janeiro e, entre os vários compromissos já citados, incluíam-se o pagamento dos salários atrasados,- que seriam quitados em 12 parcelas mensais e sucessivas.

Contudo, somente foram pagas seis parcelas, desrespeitando-se o contrato celebrado, repita-se, inclusive perante o Ministério das Comunicações, através dos documentos de transferência dos canais de televisão, assim como perante toda a opinião pública – comunicado publicado nos principais jornais do país naquela época.

Portanto, a TV Omega possuía e possui a obrigação de pagar todos os direitos dos empregados oriundos da extinta TV Manchete, pois firmou compromisso documental perante o Ministério das Comunicações e o próprio Congresso Nacional.

No final de novembro de 1999, como num passe de mágica, a TV Omega passou a fugir de suas responsabilidades obrigacionais, limitando-se a dizer, de forma hilária, “fale com a TV Manchete”, Ora, a ex-TV Manchete deixou de existir em 16 de maio de 1999, a não ser que viva como uma “laranja podre”, pois não possui mais os canais de televisão.

Esta situação não foi resolvida até hoje, reinando um completo silêncio das autoridades governamentais e também do parlamento brasileiro, pelos empresários da TV Ômega, que celebram contratos, se obrigam com os direitos trabalhistas, mas depois, com a chancela lamentável e "inexplicável" do Governo Federal daquela época e do Congresso Nacional, fingem que nada foi acordado. Vale destacar que, só de FGTS, a dívida, em 1999, era de mais de R$ 40 milhões e as contribuições previdenciárias devidas alcançavam mais de R$ 100 milhões. Nada disso foi pago, sem falar do imposto de renda, que também alcançava uma cifra milionária.

Os trabalhadores, cansados de esperar, ajuizaram ações trabalhistas, sendo certo que houve o reconhecimento, passados mais nove anos, de forma unânime, da sucessão trabalhista em todos os Tribunais do Trabalho. No fim de 2007, surpreendentemente, os controladores da TV Ômega buscaram no STJ – violando e usurpando escandalosamente a competência da Justiça do Trabalho e a Constituição Federal – dois processos judiciais denominados conflitos de competência alegando divergência entre todos os juízos trabalhistas e uma Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro, na qual discutiu tão-somente questões comerciais entre os adquirentes da Rede TV e o grupo Bloch. O objetivo é dar o calote em mais de dois mil e quinhentos processos sentenciados, mais de 90% (noventa) por cento deles já transitados em julgado e todos já sentenciados em primeira e segunda instâncias, inclusive com o reconhecimento unânime da sucessão trabalhista pelo próprio TST, em todos aquelas centenas de processos que lá foram julgados de forma definitiva.

Esses dois processos que estão no STJ, relacionando mais de 800 processos trabalhistas, e que foram aceitos, até o momento, de forma inusitada e surpreendente, com o deferimento de medida liminar, ferem inclusive a jurisprudência daquele próprio Tribunal, pela Súmula 59, que impediria a tramitação de quaisquer conflitos de competência, quando existentes processos com trânsito em julgado, sem falar que foi utilizado como absurdo precedente a Lei 11.101/2005, no processo da antiga Varig, sem base legal para utilizá-lo nos processos da TV OMEGA LTDA., que foi adquirente dos canais de televisão da extinta TV MANCHETE LTDA em maio de 1999. Nenhuma destas empresas nunca esteve sob o regime da recuperação judicial que alude tal norma legal, o que mostra a gravidade da situação descrita.

Enfim, estamos todos lutando, o Sindicato dos Radialistas, dos Jornalistas, a Fitert e os demais trabalhadores, com ações trabalhistas individuais, pelos seus advogados, para se tentar evitar mais uma lamentável tentativa de apagar todos os compromissos assumidos e confessados pela TV OMEGA (REDE TV!), ou seja, busca-se concretamente efetivar um calote em milhares de trabalhadores e também no Tesouro Nacional, como salientado.

Precisamos, portanto, de uma ampla mobilização de outras entidades da sociedade brasileira, tais como a OAB, as associações de magistrados trabalhistas, as associações do Ministério Público do Trabalho, as Centrais Sindicais, Federações e outras entidades representativas, a fim de denunciar estes fatos ao TST e ao STF, pois estamos correndo um enorme risco destes “conflitos de competência” no STJ se transformar num gravíssimo precedente para outras tantas empresas negarem a sucessão trabalhista e suas obrigações legais. O que se busca, lamentavelmente, é desferir um golpe mortal não só em relação aos direitos dos trabalhadores, ao instituto da coisa julgada, mas também, e de forma preocupante, em face da própria Justiça do Trabalho, quanto a usurpação concreta da sua competência material consagrada no artigo 114 da Constituição Federal.

Daí, teremos o absurdo da Justiça Estadual passar a julgar pedidos de aviso prévio, férias, horas extras, 13º salário e FGTS, por exemplo, como já decidido, mesmo que provisoriamente, pelo STJ, nos dois conflitos de competência, o que seria teratológico, no nosso universo jurídico brasileiro.

Aguardamos, ansiosamente, que o governo federal também cumpra o seu papel de credor e fiscalizador, nesta novela sem fim, esperando que o direito e a justiça se façam presentes e que não se perpetue uma vergonhosa “crônica de uma morte anunciada”.

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