Gestão 2010

Desembargador fala de seus planos para o TJ mineiro

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10 de março de 2010, 14h10

A partir de julho, o desembargador Cláudio Costa vai presidir o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, com a aposentadoria do atual presidente do TJ mineiro, desembargador Sérgio Resende. Em entrevista à Revista Viver Brasil, Costa afirma acreditar que a informatização pode tornar a Justiça mais ágil e defende a mudança nas leis para dar mais celeridade aos processos.

"Eu não gosto do lugar comum sobre a morosidade da Justiça, pois isto ocorre no mundo inteiro. Penso que com a informatização a Justiça pode ser mais ágil", disse o desembargador.

Para o desembargador, não adianta aumentar o número de juízes e desembargadores, antes de revisar o Código de Processo Civil. O desembargador também alerta para os tribunais que atuam como substituto do Executivo, principalmente em casos contra o estado para fornecimento de remédios e tratamentos de saúde.

Questionado se o julgar é com a voz das ruas ou com base na lei, Costa disse que cada juiz pensa de um jeito. Mas deu sua opinião a respeito: "o magistrado quando julga com base na lei, ele faz Justiça com base na lei. Quando ele julga com base na voz do povo ou no próprio entendimento dele, está aplicando o paradireito, está bancando o justiceiro. Ele às vezes fala que a lei é injusta. Mas que autoridade o juiz tem para falar que a lei é injusta?"A Justiça, diz, decorre da lei. "Se as leis são imperfeitas, vamos aperfeiçoar as leis."

Leia a entrevista:
O senhor tem algum plano de atuação para enfrentar, por exemplo, a morosidade da Justiça?
Eu não tenho nenhum plano especial. Penso em prosseguir, basicamente, a mesma linha do atual presidente. É lógico que, em um dado momento, a gente desenvolve um plano próprio de trabalho, visando a alguns ajustes. Pode-se dizer que durante a minha gestão vai prevalecer o respeito ao jurisdicionado e ao julgador que são os magistrados. Vou tentar resgatar um pouco, pelo menos, algumas perdas dos magistrados, tanto no aspecto do desenvolvimento de sua atividade, quanto ao aspecto material que se acumularam durante algum tempo. Eu não gosto do lugar comum sobre a morosidade da Justiça, pois isto ocorre no mundo inteiro. Penso que com a informatização a Justiça pode ser mais ágil. Culpa-se muito o Judiciário pela morosidade da aplicação da Justiça. Mas são as leis brasileiras que precisam ser mudadas para que juízes, advogados e membros do Ministério Público possam trabalhar de maneira que os processos possam ser julgados com rapidez. Pelas estatísticas do tribunal, cada desembargador recebeu, em média, 1,5 mil processos no ano de 2009. São 120 desembargadores.

Estamos falando então em algo próximo a 200 mil processos?
É, são 25 câmaras de julgamento e cada uma recebeu em torno de 8 mil processos. São então 200 mil processos julgados no ano passado. Alguns desembargadores criam sistemas para agilizar seus serviços. A desembargadora Albergaria Costa, por exemplo, implantou, com recursos próprios, um sistema que recebeu o ISO 9.000, que agiliza o andamento dos processos. Eu acho até que este esforço é, na realidade, um tiro no pé, já que ela, todos os anos é auditada para que a certificação seja mantida.

Alguns especialistas dizem que, após a Constituição de 88, o brasileiro ficou mais cidadão, aprendeu a lutar pelos seus direitos e está demandando mais. O Judiciário estava preparado para este aumento?
Não. Veja por exemplo o Juizado Especial, criado para atender, com rapidez, as demandas das causas de pequeno valor. Hoje eles estão abarrotados por uma razão muito simples: o excesso de demanda. Só estas empresas de telefonia têm uma média de 15 mil processos tramitando. O tribunal não está preparado para este volume de serviço por falta de recursos financeiros e material.

Em cada município deveria existir uma vara, cada município deveria ser uma comarca?
Não. Alguns municípios não precisam ser comarca, mas há quem defenda que cada cidade deve ter pelo menos um juiz. Não concordo com este pensamento. Considero também uma utopia pensarmos em ser uma Alemanha, onde para cada 20 mil pessoas há um juiz. Não vamos conseguir isto nunca. Em Minas nós temos aproximadamente 800 juízes o que significa, em números redondos, 200 mil jurisdicionados por cada juiz. É muita coisa.

Os tribunais estaduais, assim como os tribunais superiores, também têm os governos como grandes clientes?
Aqui em Minas os governos também são grandes clientes. Temos oito câmaras, cada um com cinco desembargadores que estão quase que exclusivamente — mais ou menos 90% — voltadas para atender às demandas do estado e dos municípios. O estado é o grande cliente do Judiciário.

Já tramita no Congresso projeto que reformula o Código de Processo Penal. O Código de Processo Civil também necessita de novas adequações?
Precisa, especialmente, reduzir o número de recursos. Em primeiro e segunda instância nós temos uma média de dez recursos por ação. Isto atrasa, em muito, o andamento dos processos.

Qual o tempo ideal de tramitação de um processo?
Em primeira instância, não podemos falar num tempo ideal porque ali o processo se forma. Ninguém consegue prever quais os fatos que serão discutidos, o número de testemunhas a serem ouvidas, etc. Aqui no tribunal, se não fosse a ida do processo à Procuradoria de Justiça ele poderia ser julgado em 45 dias.

E esta ida à Procuradoria representa um acréscimo grande de tempo?
Eu não posso calcular este tempo. Ele fica na Procuradoria e ela é um outro órgão, mas no mínimo dobra o prazo. Lá, como aqui, uns trabalham com mais rapidez que os outros. E lá também há excesso de trabalho. Mas, apenas como exemplo, na unidade que tem competência para o Direito Privado um processo é julgado tranquilamente em 45 dias. Em Minas, a segunda instância tem conseguido atender à demanda que é crescente. Os magistrados têm encontrado formas para isto. Nos últimos quatro anos, a demanda tem aumentado em média 20% ao ano e nós continuamos com o mesmo número de desembargadores. Claro que teremos que abrir vagas para novos desembargadores, mas a solução está na reforma das leis processuais para que o processo possa fluir com mais rapidez.

O senhor falou, ao comentar o funcionamento dos Juizados Especiais, sobre o grande número de causas envolvendo operadoras de telefonia. O senhor considera que faltam regras mais claras para impedir os abusos cometidos por concessionárias da área pública?
Eu acho que em relação a elas as agências reguladoras poderiam resolver este problema. Soluções poderiam ser dadas na área administrativa, sem precisar vir ao Judiciário. Mas tudo acaba desaguando no Judiciário que tem que discutir questões menores para estas empresas, mas que são importantes para o povo.

Com a superlotação dos juizados especiais, a conciliação passa a ser o caminho?
Eu considero que pode ser um bom caminho, mas eu faço a ressalva de que a conciliação deveria ser do Executivo, não do Judiciário. Assim como a mediação, que está sendo implantada. A conciliação não é parte do Judiciário. O Executivo deveria criar um órgão onde as partes compareceriam e fariam o acordo. Isto desafogaria o Judiciário que ficaria como uma instância para resolver possíveis pendência na execução do acordo.

Mas a conciliação não é da cultura do brasileiro. O senhor acha que o brasileiro acreditaria num órgão que não seja do Judiciário para dirimir suas pendências?
Teria que ser criada uma cultura. Quando os juizados especiais foram criados, não se acreditavam muito neles. Hoje a grande parte das demandas deságuam nos juizados especiais. É um problema cultural. Antes o brasileiro se sentia lesado e ficava calado. Agora corre para os juizados.

Mas hoje também se demanda por qualquer coisa.
Isto é verdade. Mas é um direito do cidadão. Os juizados foram criados para decidirem rapidamente, por serem informais. Penso que os juizados especiais precisam de gente mais experiente para julgar na hora, no momento. Nas demandas na Justiça comum e nas varas especializadas, o Código de Processo dá as coordenadas para o juiz. Ele não pode sair dali. No informal não. O juiz tem mais liberdade para agir e pode decidir na hora. Daí a importância de se ter uma pessoa com mais experiência, que possa decidir na hora, após ouvir as partes, as testemunhas.

O estado também virou um grande freguês do Juizado Especial. Pelo menos dos federais.
É, principalmente o Instituto Nacional de Previdência Social, que é o grande freguês da Justiça Federal. Às vezes uma demanda já decidida, inclusive no Supremo Tribunal Federal, continua sendo trazida ao Judiciário, com nítido sentido protelatório. Demandas que poderiam ser decididas administrativamente.

E isto acaba sufocando os tribunais.
Pois é. Mais no início do ano eu li entrevista de um ministro do Supremo jogando a culpa de todas as mazelas da Justiça no Poder Judiciário. Isto não é verdade. Nós temos todos os tipos de problema, especialmente na Justiça Comum. É preciso conhecer a organização judiciária para se fazer uma crítica. O que me ficou claro é que ele não tem a mínima noção do que seja a Justiça de primeira instância no interior do país. As pessoas não conseguem mensurar a responsabilidade de um juiz do interior. O erro está na estrutura. A mazela da morosidade não pode ser imputada apenas ao Judiciário.

Por falar em mazelas, como solucionar os problemas dos precatórios que não são pagos?
Eu não vejo solução a curto prazo. A União, os estados e os municípios não têm dinheiro. Mas aí você vai me perguntar: por que então eles fazem dívidas? Fazem porque são obrigados. Precisam fazer uma obra, têm, por exemplo, que gastar com desapropriação. Aqui um parênteses, pouca gente percebe que uma das melhores aplicações que temos é a desapropriação. O imóvel é avaliado pelo preço de mercado e os encargos são muito maiores do que as aplicações de mercado de capitais, pois nas ações expropriatórias, além dos juros compensatórios são pagos também os moratórios. O problema é que demora muito.

Julgar com a lei ou julgar ouvindo a voz do povo?
Cada magistrado pensa de uma maneira. Eu chamo isto de filosofia ou política de julgar. Eu tenho muito receio do julgamento com a voz das ruas, porque aí entra a emoção. O magistrado quando julga com base na lei, ele faz Justiça com base na lei. Quando ele julga com base na voz do povo ou no próprio entendimento dele, está aplicando o paradireito, está bancando o justiceiro. Ele às vezes fala que a lei é injusta. Mas que autoridade o juiz tem para falar que a lei é injusta? A Justiça decorre da lei. Se as leis são imperfeitas, vamos aperfeiçoar as leis. Hoje existe um problema muito sério. É a questão do fornecimento de remédio. Chega uma ação aqui, redigida de uma maneira pelo advogado que sensibiliza o juiz. Então o juiz dá uma liminar, obrigando o estado ou o município a comprar o medicamento. E muitas vezes ele não tem os recursos, mas está obrigado a comprar. É o Poder Judiciário substituindo o Poder Executivo. Há casos de municípios que tiveram que vender as ambulâncias para comprar os remédios que foram determinados. Em alguns casos medicamentos ainda em fases experimentais, caríssimos, mas, que mesmo assim o Judiciário determina a compra. Muitas vezes as situações são dolorosas para o juiz. Há um caso aqui em que uma desembargadora deu, do próprio bolso, o remédio pedido numa ação. E ela fez isto, até que o processo fosse a julgamento, por entender que o Judiciário não pode ficar substituindo o Executivo.

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