Território desconhecido

Foro em ação por dano moral preocupa a imprensa

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7 de março de 2010, 9h05

O Supremo Tribunal Federal vai decidir se os casos de dano moral provocado por texto jornalístico, impresso ou online, devem ser analisados no estado do ofensor ou no foro do ofendido. A decisão dos ministros pode facilitar ou complicar a vida de jornalistas e veículos de comunicação, que hoje respondem a processos em diversas regiões do país. Os entendimentos existentes são tão diversos, que nem a própria imprensa tem opinião formada sobre o assunto, provando a urgência da discussão.

Advogados especialistas, que já sofreram com a questão, dizem que a dúvida provoca uma grande insegurança jurídica entre jornalistas, blogueiros e grandes veículos. O recurso que será analisado pelo Supremo, impetrado pelo advogado Miguel Nagib, pede que seja afastado o dispositivo do Código de Processo Civil que prevê como foro competente o local de domicílio da pessoa que sofreu o dano. Para ele, deve prevalecer o artigo 220 da Constituição, dispondo que nenhuma lei poderá constituir “embaraço à plena liberdade da informação”.

“Essa regra representa um embaraço para os jornalistas e veículos, já que ele pode ter que responder a diferentes ações em lugares diferentes”, afirma Nagib. O advogado ainda espera que o STF leve em conta o princípio da ampla defesa, que, segundo ele, é abalado quando obriga o réu a se deslocar para responder ao processo. O Recurso Extraordinário  teve a sua Repercussão Geral reconhecida, mas ainda não há data para entrar em pauta. No dia 27 de janeiro, a Procuradoria-Geral da República opinou pelo não conhecimento do recurso.

No caso a ser analisado pelo Supremo, Nagib é processado por publicar em seu site um artigo escrito por outra pessoa. O advogado mantém o site Escola Sem Partido, dedicado a combater escolas que seguem uma orientação pedagógica com forte contéudo político-ideológico. Em 2007, o site publicou um artigo de uma leitora  apontaando a conotação ideológica dos livros do colégio COC, de Ribeirão Preto (SP). Ao colégio, foi dado espaço para rebater as críticas e o COC exerceu o direito de resposta. Mesmo assim, entrou com processo por danos morais em Ribeirão Preto, a 750 quilômetros de distância de Brasília, onde Nagib tem seu domicílio. Na Justiça paulista, o mérito do caso ainda não foi analisado.

Para demonstrar o quanto o assunto abala as estruturas da liberdade de imprensa, Nagib diz que blogueiros chegam a desistir de publicar um texto com medo de responder ao mesmo processo em regiões diferentes. “O texto publicado no blog Escola Sem Partido, que foi motivo de processo, deixou de ser replicado em outros páginas porque os autores afirmam não ter condições de levar as ações na Justiça adiante”, afirma Nagib.

Impresso e online
Segundo Tais Gasparian, advogada do diário Folha de S. Paulo, a polémica atinge a imprensa do mundo físico ou eletrônico. A recomendação é que o processo tramite no foro do réu, mas há a possibilidade de que seja no local onde ocorreu o fato. “Sou da opinião de que o assunto merece a análise do Supremo, para estancar um problema que pode prejudicar a defesa e, ainda mais, servir de fator inibitório à atividade desenvolvida pelo réu”, defende Tais.

E isso não ocorre apenas no mundo virtual, onde a própria localização da sede do veículo pode também ser virtual. A própria Folha de S. Paulo, jornal defendido pela advogada, sofreu com cerca de uma centena de ações praticamente idênticas mas espalhadas pelos mais diferentes pontos do Brasil, por conta de uma reportagem publicada sobre a Igreja Universal do Reino de Deus. Junto com o jornal foi processada também a autora da reportagem, a jornalista Elvira Lobato. “Como as ações foram movidas nos Juizados Especiais Cíveis, optamos por não deslocar a competência. Nos pareceu, à época, que seria um trabalho dobrado: deslocar a competência e acompanhar a eventual união de todos os processos, e depois contestá-los. Foram mais de 100 ações, nos locais mais distintos do país, o que causou enorme transtorno, sobretudo à jornalista”, conta Tais. Nesse caso, as ações foram extintas pela Justiça pelo entendimento de que o texto publicado não causou danos aos autores das ações, todos eles fiéis seguidores da igreja.

Há ainda outras polêmicas envolvendo o foro competente. Juízes alegam que o processo deve tramitar na comarca do ofendido em casos de hipossuficiência, principalmente quando o réu é uma grande empresa. Há ainda entendimentos diferentes sobre empresas de comunicação que possuem sucursais em diferentes localidades. Surge a dúvida: o foro pode ser na cidade onde a notícia repercutiu ou onde ela foi produzida? Um exemplo de como a Justiça tem entendimentos diferentes é o processo movido contra a TV Globo em São Paulo, por uma mulher residente em Alagoas. A emissora pediu a transferência de competência para o Rio de Janeiro, sede da matriz da companhia. O juiz acolheu o pedido de mudança de competência, mas enviou o processo para Maceió, indo contra o pedido das duas partes.

RE 601.220

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