Validade vencida

Prescrição intercorrente extingue execução fiscal

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6 de março de 2010, 16h52

Se os sócios de uma empresa ainda não tiverem sido citados da execução fiscal, mas a pessoa jurídica sim, e há mais de cinco anos, o processo prescreveu e o fisco não pode mais cobrar a dívida nem da empresa, nem dos administradores. Foi a chamada prescrição intercorrente — aquela que ocorre durante o curso do processo — que levou o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com sede em São Paulo, a dar ganho de causa ao ex-sócio de uma empresa executada pela União. Em decisão monocrática, o relator do caso na 4ª Turma e presidente do TRF, desembargador federal Roberto Haddad, extinguiu a execução devido à letargia da Procuradoria da Fazenda Nacional.

A questão, que costuma gerar controvérsia, foi resolvida em Agravo de Instrumento ajuizado pela advogada Fátima Pacheco Haidar, conselheira da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil. Publicada nesta sexta-feira (5/3) no Diário de Justiça Eletrônico do TRF, a decisão beneficia o ex-sócio da Blend Veículos Ltda, Jaci Manoel de Oliveira, que desde o dia 4 de fevereiro, quando o despacho foi assinado, não tem mais de se preocupar com a cobrança, pelo menos por enquanto. Ainda cabe recurso.

Haddad reformou a decisão de 1º grau, que havia rejeitado a exceção de pré-executividade demonstrada por Oliveira. De acordo com o executado, a contagem do prazo prescricional deve começar a partir do dia seguinte ao do vencimento de cada tributo declarado e não pago. O mais recente, segundo a advogada Fátima Haidar, venceu em 1996, o que daria à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional até 2001 para citar o devedor. Como a citação só aconteceu em 2009, o prazo prescricional venceu.

“A execução fiscal foi ajuizada em 12/03/97 e o pedido de inclusão dos sócios da empresa executada no polo passivo da lide ocorreu em 17/10/2006, ao passo que a citação do ora agravante efetivou-se tão somente em 12/ 02/2009, restando caracterizada a ocorrência da prescrição intercorrente quanto aos sócios da empresa Blend Veículos Ltda”, disse o desembargador ao deferir a extinção da execução fiscal.

Leia a decisão.

00254 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2010.03.00.002442-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal ROBERTO HADDAD
AGRAVANTE : JACI MANOEL DE OLIVEIRA
ADVOGADO : FATIMA PACHECO HAIDAR e outro
AGRAVADO : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO : MIRIAM APARECIDA P DA SILVA E LÍGIA SCAFF VIANNA
PARTE RE´ : BLEND VEICULOS LTDA e outro : JOAO BATISTA RODRIGUES MONTEIRO
ORIGEM : JUIZO FEDERAL DA 5 VARA DAS EXEC. FISCAIS SP
No. ORIG. : 97.05.37507-0 5F Vr SAO PAULO/SP

DECISÃO

Vistos, etc.

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a r. decisão proferida pelo MM. Juízo a quo, em execução fiscal, que rejeitou a exceção de pré-executividade oposta. Inconformado com a decisão, a agravante interpõe o presente recurso, inclusive para valer-se da possibilidade de deferimento da antecipação de tutela recursal, à luz da atual disciplina traçada nos artigos 558 e 527, inciso III, do Código de Processo Civil, aduzindo, em síntese, que a contagem do prazo prescricional iniciou-se no dia seguinte ao vencimento de cada tributo declarado e não pago, sendo que o mais recente deles data de 10/01/1996, devendo a execução ser extinta em razão de ter sido o agravante citado em 12/02/2009 ou porque o crédito tributário foi fulminado pela prescrição em 10/01/2001.

Decido:

Nos termos do artigo 558 do CPC, para deferimento da tutela pleiteada, tal como autoriza o artigo 527, inciso III, do mesmo diploma legal, é necessário que, sendo relevante a fundamentação do agravante, haja evidências de que tal decisão esteja a resultar em lesão grave e de difícil reparação. Neste juízo de cognição sumária, verifico plausibilidade de direito nas alegações do agravante a justificar o deferimento da tutela pleiteada. Por primeiro, sabe-se que a denominada "exceção de pré-executividade" admite a defesa do executado sem a garantia do juízo somente nas hipóteses excepcionais de ilegitimidade de parte ou pagamento documentalmente comprovados, cancelamento de débito, anistia, remissão e outras situações reconhecíveis de plano, ou seja, a sua admissibilidade deve basear-se em prova inequívoca não sendo cabível nos casos em que há necessidade de produção de provas ou mesmo quando o magistrado entender ser pertinente ouvir a parte contrária para o seu convencimento.

Pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que "Na execução fiscal, com o título revestido de presunção de liquidez e certeza, a exeqüente nada tem que provar. Opondo embargos, o devedor terá que desconstituir o título. Se nada provar, a pretensão resistida será desmerecida e, com o prosseguimento da execução, será agasalhada a pretensão satisfeita. Não é a embargada que irá robustecer o seu título, mas o embargante que terá que enfraquecê-lo …" (v. Acórdão da 5ª T. do extinto E. Tr ibunal Federal de Recursos, na Apel.Cív. nº 114.803-SC; rel. Min. Sebastião Reis- ´Boletim AASP nº 1465/11´).

A questão da prescrição intercorrente no âmbito tributário tem causado uma certa polêmica na prestação da tutela jurisdicional, mormente com o advento da Lei nº 11.051/04 e Lei nº 11.280/06, que criaram a possibilidade de seu reconhecimento de ofício. Para a equalização e solução da questão em face das inúmeras possibilidades que se abrem com a aplicação das sobreditas normas, de forma lógica e sem ofensa às garantias constitucionais e aos princípios basilares do direito tributário, seja em proteção do interesse público da Fazenda ou do sujeito passivo das obrigações tributárias, necessário equalizar a aplicação das inovações trazidas ao ordenamento.

A Lei nº 11.280/06 alterou de modo direto e substancial o artigo 219, § 5º , do Código de Processo Civil, passando a ter a seguinte redação: " O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição". O juiz pode, a partir desta nova redação, decretar de ofício a prescrição quando verificar sua ocorrência, independentemente de tratar-se ou não de direitos patrimoniais , sendo desnecessária a oitiva da Fazenda Pública. Trata- se, portanto, de matéria de ordem pública, com aplicação imediata. Já a Lei de Execução Fiscal, com o § 4º do art. 40 acrescentado pela Lei nº 11.051/04, assim dispõe: "Art. 40. O juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. § 1º Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública. § 2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis o juiz ordenará o arquivamento dos autos. § 3º Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados ou autos para prosseguimento da execução. § 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato." Assim, com o advento da Lei nº 11.051/04, o juiz já estava autorizado a reconhecer de ofício a prescrição intercorrente contra a Fazenda, porém nas hipóteses de não localização do devedor ou de bens penhoráveis, e condicionado à observância do procedimento especifico do art. 40 e §§. Nesse sentido o enunciado da Súmula nº 314 do STJ: "Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente".

Assim sendo, tratando-se de prescrição intercorrente reconhecida de ofício, distinguem-se duas situações: a) os casos em que houve a suspensão do processo pela não localização do executado ou de bens para penhora, com a aplicação da lei especial, a Lei de Execuções Fiscais, caso em que se torna obrigatória a aplicação e a observância do art. 40 e §§; b) e as demais hipóteses com a aplicação do art. 219, § 5º, do CPC, com a redação dada pela Lei nº 11.280/06, de abrangência geral.

Do mesmo modo:

"TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPE CIAL. IPTU. NOTIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ENTREGA DO CARNÊ. PRESCR IÇÃO. PRAZO. TERMO INICIAL. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. VIABILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento segundo o qual a entrega do carnê do IPTU no endereço do contribuinte é meio juridicamente eficiente para notific ar a constituição do correspondente crédito tributário. 2. Transcorridos mais de cinco anos entre a constituição do crédito tributário e a pr opositura da execução fiscal, configura-se a prescrição da pr etensão à cobrança do tributo. 3. O § 4º do art. 40 da Lei 6.830/80 disc iplina hipótese específica de declaração de ofício de prescrição: é a prescrição intercorrente contra a Fazenda Pública na execução fisc al arquivada com base no § 2º do mesmo artigo, quando não localizado o devedor ou não encontrados bens penhoráveis. Nos demais casos, a prescrição, a favor ou contra a Fazenda Pública, pode ser decretada de ofíci o com base no art. 219, § 5º, do CPC. 4. Não se conhece de recurso especial pela alínea a quando o dispositivo apontado como violado não contém comando capaz de infirmar o juízo formulado no acórdão recorrid o. Incidência, por analogia, a orientação posta na Súmula 284/STF. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa par te, desprovido." (STJ, RESP 983293/RJ, PRIMEIRA TURMA, REL. MIN. TEORI ALBINO ZAVASCKI, J. 18/10/2007, DJ 29/10/2007, PÁG. 201).

Há que se lembrar que as normas supracitadas devem ser interpretadas e aplicadas em harmonia com o Código Tributário Nacional e princípios processuais gerais e específicos, sob pena de se quebrar a logicidade do sistema. Saliento, ainda, que a prescrição intercorrente, mesmo antes das inovações legislativas em análise, era e é instituto perfeitamente aplicável no âmbito tributário, desde que por via de exceção, destacando-se que a imprescritibilidade tributária não se coaduna com o nosso sistema legal bem como não encontra escora nas exceções previstas na Constituição Federal, mantendo-se, pois, o prazo geral fixado no art. 174 do CTN.

Na espécie, consoante ressalta o magistrado às fls. 15/17 destes autos, a execução fiscal foi ajuizada em 12/03/97 e o pedido de inclusão dos sócios da empresa executada no polo passivo da lide ocorreu em 17/10/2006, ao passo que a citação do ora agravante efetivou-se tão somente em 12/ 02/2009, restando caracterizada a ocorrência da prescrição intercorrente quanto aos sócios da empresa Blend Veículos Ltda.

Neste sentido, entendimentos deste Egrégio Tribunal:

AGRAVO LEGAL. EXECUÇÃO FISCAL. EXCLUS ÃO DO SÓCIO NO PÓLO PASSIVO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE PARA REDIRECIONAMENTO EM FACE DO SÓCIO. IMPROVIMENTO. 1. É pacífico o entendimento na Seção de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual o redirecionamento da execução contra o sócio deve dar-se no prazo de cinco anos da citação da pess oa jurídica, tendo ocorrido, portanto, a prescrição intercorrente para os sócios, co-executados. 2. Agravo legal improvido. (AI – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 358713 Processo: 2008.0 3.00.049717-1 UF: SP Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento: 12/05/2009 Fonte: DJF3 CJ2 DATA:17/06/2009 PÁGINA: 308 Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI ).

PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. REDIRECIONAMENTO. ADMISSIBILIDADE. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a citação da empresa interrompe a prescrição em relação aos responsáveis tributários, de modo que a Fa zenda Pública deve promover a citação destes dentro do prazo prescricional correspondente. Não obstante, esse entendimento vinha sendo ultimamente mitigado, sob o fundamento de que não se poderia punir a Fazenda Pública co m a prescrição na hipótese desta não se quedar inerte, isto é, quando desse regular andamento ao feito. Sucede que, melhor analisando os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, verifica-se que a mera continuidade da execução fiscal contra a pessoa jurídica não é circunstância apta para impedir a prescrição em relação aos responsáveis tribut ários. Com efeito, a prescrição atinge o direito de ação que, a rigor, já se encontra exercido contra a socied ade na execução fiscal, de modo que, por mais que a Fazenda Pública nela pratique atos processuais, naquela exclusiv a ação surtem efeitos. Para impedir a prescrição, tem a Fazenda Pública o ônus de promover a ação contra os sóci os, providenciando sua oportuna citação, sem que para isso se faça necessário aguardar a inutili dade do processo intentado contra a soci edade. O mero andamento da ação contra a sociedade resolve-se em inércia quanto à ação cujo prazo prescricional está a fluir em relação aos responsáveis tributários . Confiram-se os precedentes do Superior Tribunal de Justiça que reconhecem a prescrição intercorrente com relação aos responsáveis tributários não obstante te nha a Fazenda Pública promovido o regular andamento da execução fiscal contra a sociedade (S TJ, REsp n. 652.483-SC, Rel. Luiz Fux, j. 05.09.06; REsp n. 388.000-RS, Rel. Min. José Delgado, j. 21.02.02). 2. Agravo legal provido. (AI – AGRAVO DE INSTRUMEN TO – 343899 Processo: 2008.03.00.029942-7 UF: SP Órgão Julgador: QUINTA TURMA Data do Julgamento: 06/04/2009 Fonte: D JF3 DATA:29/04/2009 PÁGINA: 1305 Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW).

Ante o exposto, presentes os requisitos do art. 558 do CPC, defiro a antecipação dos efeitos da tutela recursal , para reconhecer a ocorrência da prescrição intercorrente quanto ao sócio agravante. Comunique-se a presente decisão ao MM. Juízo a quo. Intime-se a agravada, nos termos do artigo 527, V, do CPC. Int.

São Paulo, 04 de fevereiro de 2010.

Roberto Haddad
Desembargador Federal Relator

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