Processo contaminado

Pela segunda vez, STJ manda anular escutas indevidas

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31 de maio de 2010, 8h05

Alvo de discussões desde o ano passado, escutas telefônicas feitas por tempo excessivo foram finalmente tiradas do processo criminal contra empresário acusado de desfalcar em R$ 10 milhões o fisco federal por meio de contrabandos na fronteira com o Paraguai. No mês passado, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela segunda vez que os grampos prorrogados por 16 vezes pela Justiça Federal paranaense excederam o mínimo de razoabilidade. A decisão foi publicada no início de maio.

Coube ao ministro Napoleão Nunes Maia Filho insistir para que as provas fossem desentranhadas do processo criminal. Em abril, o ministro rejeitou um recurso do Ministério Público Federal do Paraná contestando decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A corte sulista reconheceu que a Justiça de 1º grau exagerou ao renovar por tantas vezes as autorizações quinzenais de escutas sem dar explicações específicas em cada caso. O MPF discordou e levou o caso ao STJ pela segunda vez desde outubro.

No ano passado, a 5ª Turma do STJ já havia julgado as escutas ilegais. Em Habeas Corpus pedido pelos advogados Jacinto Coutinho e Edward Carvalho, do escritório J. N. Miranda Coutinho & Advogados, relatado também pelo ministro Napoleão Maia, a corte entendeu que a gravidade dos crimes dos quais o empresário Osni Muccellin Arruda é acusado não era, por si só, motivo suficiente para que os grampos fossem renovados perpetuamente. Segundo a decisão, é “inaceitável a violação das garantias constitucionais dos cidadãos sob o pretexto da aplicação do princípio da proporcionalidade”.

Osni foi preso em 2006 em uma operação da Polícia Federal e da Receita Federal. Segundo a acusação, ele chefiava um grupo que vendia produtos eletrônicos paraguaios pela internet e lavava o dinheiro. Os crimes imputados foram de descaminho, falsificação de documentos, falsidade ideológica, uso de documento falso e formação de quadrilha. A polícia afirmou que a quadrilha movimentou mais de R$ 100 milhões apenas em 2005, driblando o fisco federal em mais de R$ 10 milhões.

Para apurar as denúncias, a Justiça Federal de Foz do Iguaçu (PR) aceitou o pedido de interceptação de linhas telefônicas dos envolvidos feito pelo Ministério Público. As escutas, no entanto, duraram quase um ano. As 16 renovações de autorizações estenderam o período de maio de 2005 até fevereiro de 2006. A lei prevê que o procedimento seja feito durante apenas 15 dias, com possibilidade de prorrogação em caso de necessidade comprovada perante o juiz.

Em abril de 2009, o TRF-4 considerou os grampos provas ilícitas. No entanto, não determinou que fossem retiradas do processo, motivo que levou o primeiro HC ao STJ. A corte de segunda instância entendeu que a manipulação correta das provas no processo ficaria a cargo do juiz responsável pela sentença. Para o STJ, no entanto, as transcrições das escutas feitas por meio das prorrogações deveriam ser excluídas do processo, “o que, no caso, ante a existência de outros elementos probatórios válidos, não inviabiliza a continuidade da Ação Penal”, disse o ministro Napoleão Nunes Maia, da 5ª Turma do STJ. Os demais ministros seguiram o voto, em acórdão publicado em outubro.

Apesar de o STJ já haver se posicionado sobre o tema, o MPF, em fevereiro, recorreu à corte da decisão do TRF-4 que considerou as provas inúteis. A procuradoria reafirmou que as renovações foram necessárias, mas esbarrou em um novo adversário: o próprio Ministério Público Federal com sede em Brasília. Em parecer enviado ao ministro relator, a Procuradoria-Geral da República destacou quatro das decisões de primeira instância que autorizaram as renovações, todas alavancadas “pelos mesmos fundamentos já declinados” na primeira permissão.

“Não restou atendido o dever de motivação. Somente a primeira e a quinta decisões apresentaram alguma fundamentação, mas, ainda assim, a última nada mais fez do que repetir os motivos lançados naquela deliberação”, observou o subprocurador-geral da República Eitel Santiago de Brito Pereira. “Não se deve permitir a devassa da intimidade de qualquer cidadão com base em afirmações genéricas e abstratas.” Os argumentos convenceram o ministro Napoleão Maia a negar seguimento ao Recurso Especial, que sequer teve o mérito julgado.  

Efeito dominó
Poucos dias depois de o ministro Napoleão Maia dar sua segunda decisão no mesmo sentido em relação ao caso, a Justiça Federal paranaense cumpria a primeira, e com largueza. A juíza federal substituta Ana Lúcia Andrade de Aguiar, da 1ª Vara Federal Criminal de Foz do Iguaçu, estendeu aos e-mails interceptados os efeitos do entendimento do STJ quanto às gravações telefônicas, e mandou excluir do processo as mensagens grampeadas no mesmo período.

Ana Lúcia também ordenou a liberação de bens apreendidos pela polícia com base em informações tomadas nas escutas consideradas ilegítimas. Segundo ela, “sem a existência do monitoramento telefônico, ao menos a princípio, não seriam expedidas as ordens de busca”. Também foram riscados do processo depoimentos tomados em interrogatórios e oitiva de testemunhas decorrentes dos grampos.

A juíza avisa, na decisão tomada em 29 de abril e publicada no último dia 7 de maio, que a supressão dos elementos que se basearam nos grampos anulados pode tornar toda a Ação Penal inútil. Segundo ela, a mudança pode fazer com que, “em relação a alguns réus, desapareçam todos os elementos que indiquem o seu envolvimento no suposto esquema criminoso, ou, quiçá, que a peça acusatória resulte em um emaranhado de frases soltas, das quais, eventualmente, não se poderá depreender nenhum sentido, tornando-a inepta”. Por isso, sugeriu que o MPF aditasse a denúncia. Nesta quinta-feira (27/5), o MPF ajuizou Embargos de Declaração contra a decisão, que ainda não foram julgados.

Clique aqui para ler a decisão do STJ.
Clique aqui para ler o parecer da PGR.
Clique aqui para ler a decisão de 1º grau que desentranhou as provas.
Clique aqui para ler o voto do relator no STJ que considerou as provas nulas.
Clique aqui para ler o acórdão do TRF-4.
Clique aqui para ler o HC ajuizado pela defesa no STJ.

REsp 1.177.289
Ação Penal 2005.70.02.003256-0 (PR)

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