Cinzas das operações

É inadmissível prisão para concluir investigações

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29 de maio de 2010, 11h40

Dizia a marchinha de Vinicius e Carlos Lyra: “saudades e cinzas foi o restou”. Da mesma forma que um carnaval, a Operação Jurupari acaba pateticamente como tantas outras — em cinzas. Nessa quarta-feira, sobraram cinzas de outro carnavalesco espetáculo. Em Copacabana, os fogos duram mais do que os holofotes das operações que se deflagram e os estrondos nos céus são mais duradouros do que as prisões decretadas. As decisões são uma espécie de tiro de bacamarte.

E agora? Decisão falha? Juiz incompetente? Operação anulada? Distribuição equivocada? E os presos, e as famílias, e a imagem? Como ficam os prejuízos públicos e particulares de mais uma operação que mobilizou milhares de agentes públicos, paralisou a atividade de centenas de cidadãos e empresas, maculou a honra de outros tantos, estampou nas colunas policiais gente honesta, sem qualquer relação com o caso? Vai ficar por isso mesmo? Quem paga essa conta?
Estranhamente, uma parcela da sociedade insiste em colocar a frustração nos tribunais superiores. E ainda miram os relatores das ordens de Habeas Corpus.

Estupenda ignorância. Da Operação Arca de Noé para cá (Currupira, Rio Pardo, Sanguessuga, Pacenas, Mapinguari, Jurupari, Hygéia etc), o que se tem visto? As ilegalidades são uma constante excessiva. Realizando um apanhado, todos os desembargadores que foram relatores soltaram acusados detidos preventivamente: Ítalo Mendes, Tourinho Neto, Cândido Ribeiro, Olindo Menezes, Hilton Queiróz. E se não o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o Superior Tribunal de Justiça ou ainda o Supremo Tribunal Federal.

Uns indeferindo liminares e outros concedendo. Mas todos acolhendo o mérito de vários recursos, mandados de segurança e Habeas Corpus. Contra a ilegalidade, não há muita diferença. Até quando esse carnaval vai perdurar? Será impossível realizar uma substancial investigação, com gravações e afastamentos de sigilos, sem que haja necessariamente fogos de artifícios? Será que não podemos expor menos a imagem de cidadãos que são absolvidos, anos após sofrerem humilhações públicas em camburões policiais? Não será possível economizar algemas e investir em inteligência?

Quando foi deflagrada a Operação Arca de Noé, muita gente incensava os responsáveis pela investigação e processo. Imagino que o cheiro da fama tenha se impregnado tanto que é impossível desvestir esse traje gasto. Poucos eram aqueles que denunciavam excessos, preocupava-se com ilegalidades. Naquele tempo, parece que os fins justificavam os meios, não interessando que esta ou aquela prerrogativa constitucional fosse ignorada. Não raras vezes, advogados foram tachados como os “do contra”.

O tempo passou e o cordão carnavalesco se profissionalizou. Uma dezena de prisões já não é mais suficiente. Centenas de policiais federais fortemente armados em incontáveis camburões são necessários para puxar o coro. O aparato ficou sofisticado: dia e hora para prestar esclarecimentos, vazamento de trechos de gravações, locação de espaços para presos, cópia do inquérito digitalizado, enfim, digamos que o corso dos carros antigos virou um trio elétrico.

Precisamos urgentemente aprender, de uma vez por todas, ponderar os valores constitucionais: segurança e liberdade. Não é possível suprimir direitos individuais em nome da segurança pública. É inadmissível a prisão para concluir investigações. Os magistrados não podem simplesmente repetir as conclusões de delegados e promotores para decretar prisões às dúzias. Devem se dar ao trabalho de justificar uma a uma a situação de cada suspeito e não fazer uso do Ctrl+C, Ctrl+V do computador.

A sociedade fica frustrada. Compreensivelmente! Mas uma razoável parcela da opinião pública ainda não entendeu que a impunidade é muito grata ao excesso, à ilegalidade, à fanfarronice. Daí que surge uma profunda inversão: a prisão é comemorada e a liberdade é lastimada. Garimpo triste. Ignorância pura. Não sabem os críticos que a falta de eficácia dessas operações é proporcional ao estardalhaço e não compreendem que os fogos de artifícios não duram mais do que o delírio momentâneo.

Foi feita justiça. A liberdade continua sendo regra. E para as famílias aviltadas, cantamos a última parte da marchinha de Lyra e Vinicius: “a tristeza que a gente tem, qualquer dia vai se acabar; todos vão sorrir, voltou a esperança, é o povo que dança, contente da vida, feliz a cantar”. Aí está: até o carnaval tem um limite. A quarta-feira de cinzas não tarda a chegar.

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