Invasão de competência

Município não pode taxar uso do solo e espaço aéreo

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28 de maio de 2010, 11h59

Os municípios não podem cobrar tributos sobre o uso do solo e do espaço aéreo pelas concessionárias de energia para instalação das redes elétricas. Ao criar lei municipal que institui taxa sobre as redes de transmissão e distribuição de energia, o município invade a competência tributária da União, além de cobrar tributo sobre bem público de uso comum. O entendimento é do Plenário do Supremo Tribunal Federal, que acompanhou por unanimidade o relatório do ministro Eros Grau e negou provimento ao Recurso Extraordinário.

No recurso, a Prefeitura de Ji-Paraná (Rondônia) defendeu a constitucionalidade da Lei Municipal 1.199/02. Alegou que o objetivo final da norma é a instituição de taxa para licenciar o uso de bens públicos para a instalação de redes de transmissão e distribuição de energia elétrica. E ainda, a fiscalização para que não haja conflito com outros bens públicos e particulares. A companhia concessionária, representada pelos advogados Carla Simonsen e Gustavo De Marchi, do escritório Décio Freire & Associados, argumentou que a referida taxa trata-se de prestação pecuniária incidente sobre o fornecimento de energia elétrica, que é de competência exclusiva da União. Não há contrapartida de serviços específicos e indivisíveis prestados pela municipalidade. 

Embora os ministros tenham rejeitado a tese do município em decisão unânime, a questão não restou pacificada. O ministro Ayres Britto disse que acompanhou o voto do relator, mas não ficou “de todo convencido sobre os fundamentos” e vai “prosseguir meditando em busca da verdade científica sobre o tema”. Já o ministro Gilmar Mendes prevê o momento de uma decisão mais clara. “Os municípios não conseguiram fazer essa lei apreender o objeto do serviço prestado, mas, certamente, pode haver o exercício do poder de polícia referente a uma série de serviços”, disse.    

Ricardo Lewandowski admitiu a possibilidade do município criar uma lei específica para cobrar taxa relativa à fiscalização do setor, de forma a garantir a preservação das redes de energia. O licenciamento e a fiscalização municipal seriam sobre recuos de sacadas de edificações, a colocação de placas e faixas de propaganda, o plantio e podas de árvore, o tráfico de veículos com gabarito alto e a adequação de eventos no espaço comum.

O problema é que a Lei Municipal 1.199/02 de Ji-Paraná criou uma taxa a pretexto do exercício do poder de polícia (licenciamento e fiscalização), mas evidencia como fato gerador o uso de solo e espaço aéreo na instalação de postes e rede de energia elétrica, uma espécie de royaltes cobrado da companhia concessionária do serviço público. “O fato gerador é incompatível com a natureza das taxas”, disse o ministro Lewandowski.   

Categorias de bem público
O ministro Eros Grau disse que as empresas concessionárias têm o dever-poder de prestar o serviço e para tanto o órgão concedente lhes atribui o poder-dever de usar o domínio público necessário, promover desapropriações e constituir servidões de áreas declaradas de utilidade pública, conforme a Lei nº 8.987/95. Segundo o ministro, a empresa de energia elétrica, quando se utiliza de vias públicas para instalar os equipamentos necessários à prestação do serviço, faz uso de um bem público de uso comum do povo, que constitui o próprio serviço público prestado pela administração.

O relator esclareceu que há três categorias distintas de bem público de uso comum, conforme o artigo 99 do Código Civil. Os bens públicos de uso especial e os de domínio integram o patrimônio público, enquanto que os bens públicos de uso comum do povo são propriedade pública e constituem o próprio serviço público. Ambos não podem ser gravados por servidões, mas, no caso do fornecimento de energia elétrica, os bens de domínio público se sujeitam à restrição da instalação, no solo, de equipamentos necessários à prestação do serviço público.

Como essa restrição não conduz à extinção de direitos, a concessionária não se obriga a indenizar, mesmo porque não há disposição legal expressa para tal. “Além dos equipamentos não comprometerem o uso dos bens públicos, também não existe prejuízo que justifique o recebimento, pelo município, de indenização”, afirmou Eros Grau.

De acordo com Eros Grau, essas explicações bastariam para negar provimento ao recurso, mas o ministro foi além. Lembrou que a Constituição Federal define competência exclusiva da União para explorar serviços de instalação de energia elétrica (art. 21, XII, b) e privativa para legislar sobre o assunto (art. 22, IV). “O município de Ji-Paraná invadiu espaço de competência da União ao editar a Lei Municipal 1.199/02”, disse Eros Grau, declarando também, incidentalmente, a inconstitucionalidade da lei criada pelo município.

Recurso Extraordinário 581.947

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