LIVRO ABERTO

Os livros da vida do professor e músico Álvaro Villaça

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26 de maio de 2010, 16h30

Alvaro Villaça - Spacca - SpaccaSpacca" data-GUID="alvaro-villaca-spacca.png">Quem entra na biblioteca principal de Álvaro Villaça Azevedo — sua casa tem três — pode estranhar algo que lembra o velho “jogo dos sete erros”. Basta uma passada de olhos para notar, encostado em um dos cantos da sala, ao lado de clássicos gregos, tratados de filosofia e milhares de exemplares de obras jurídicas, um bag daqueles usados para transportar instrumentos musicais. Em uma estante, a miniatura de uma bateria também destoa do ambiente sério onde o diretor da Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado faz suas pesquisas e pareceres.

É fácil deduzir que as bugigangas, muito comuns em quartos de adolescentes, pertençam a um dos oito netos que visitam frequentemente a residência. Intuitivo, mas errado. Com 73 anos, é o ex-diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e um dos mais respeitados especialistas em Direito Romano e de Família do país quem atordoa os ouvidos dos quatro cães na casa ao sentar-se diante da bateria Yamaha. Vez por outra, a biblioteca vira garagem e Villaça executa parte do repertório repetido há décadas com outros dois colegas em apresentações de jazz e bossa nova.

Se o professor que ajudou a fundar e colocar a Faap entre as mais conceituadas universidades brasileiras mantém, na oitava década de sua vida, a jovem paixão de tocar em uma banda, a mesma atemporalidade o visitou mais cedo. Aos 15 anos, Villaça, filho bauruense de gerente de banco, terminou seu primeiro livro. Travessia, obra dedicada à poesia, já está em sua segunda edição, e colocou o garoto no rumo dos 22 livros jurídicos escritos que hoje se esgotam em ritmo acelerado nas livrarias.

Villaça tira com precisão exemplares de cada um deles na abarrotada biblioteca onde guarda parte dos cerca de dez mil livros sobre Direito, Sociologia e Filosofia que possui, alguns revirados nas estantes devido às consultas frequentes, outros escondidos em filas duplas das sobrecarregadas prateleiras. “Eu tinha uma bibliotecária, que depois não veio mais”, diz, para explicar o desalinho, aceitável levando  em consideração a quantidade de volumes.

O amor pela leitura o tornou um prodígio precoce. Saído de Bauru para morar em São Paulo na pensão de Dona Loló, Villaça já dava aulas de gramática e latim enquanto cursava, no Colégio Rio Branco, o que hoje equivaleria ao ensino médio. “Cheguei a escrever uma gramática latina com exemplos meus”, conta. O imenso trabalho, desenvolvido quando cursava Direito no Mackenzie, despertou interesse de editoras na França e na Itália, que pediram produções bilíngues voltadas para o Direito. “Jamais tive tempo de fazer.”

Foi o magistério que levou o estudante a mergulhar nos clássicos. Machado de Assis é quem vem à mente quando Villaça é questionado sobre as primeiras leituras. As obras foram ferramentas nas aulas de português que dava em seu curso pré-vestibular para as Universidades de São Paulo e Mackenzie, o “Pré-jurídico João Mendes Júnior”. Para o professor, a visão crítica de Machado em relação à sociedade vinha de um convívio social difícil. “Ele era um complexado. Há autores que o descrevem feio, gago, mulato e epilético”, diz, problemas que acabavam exteriorizados nos livros, embora o autor, em vida, já fosse muito admirado.

Ao lado de Machado, a Coletânea Literária de Rui Barbosa também era usada com frequência nas aulas. “As frases, complicadas, são muito bonitas.” Uma delas o professor faz questão de citar. “Uns plantam a semente da couve para o prato de amanhã, outros a semente do carvalho para o abrigo do futuro. Aqueles cavam para si mesmos; estes lavram para o seu país, para a felicidade dos seus descendentes, para o benefício do gênero humano.”

Na faculdade, conseguiu a proeza de se aplicar ainda mais à leitura. “Eu era muito ligado aos professores. Por isso, comecei a trabalhar no centro acadêmico e a fazer apostilas”, conta. No entanto, as aulas no Mackenzie com medalhões do Direito como Miguel Reale, Silvio Rodrigues e Inácio Benevides de Rezende  não conseguiram disfarçar uma ferida da qual Villaça já não demonstra guardar qualquer sequela. No exame vestibular para a USP, foi justamente o latim, que o estudante tanto amava, que o traiu. Na prova oral, exigência do antigo teste, o examinador propôs uma questão errada na opinião do então candidato, que ele reputou como pegadinha. “Eu disse a ele que preposição de genitivo não existe, e que apenas alguns advérbios podem ser usados como preposição.” A reclamação não adiantou. O ponto a menos desgostou o professor, que preferiu fazer Direito na recém criada universidade Mackenzie, junto com alguns amigos. Anos mais tarde voltaria à escola como diretor.

Villaça voltaria também à USP. Dessa vez, para fazer seis especializações e o doutorado. Sua tese sobre bem de família foi tão elogiada que virou norma, a Lei 8.009, de 1990, que torna impenhoráveis propriedades familiares móveis e imóveis. Em 1972, Villaça se tornou professor de Direito Romano no Largo São Francisco, para, em seguida, trocar de classe para dar aulas de Direito Civil. Saiu de lá diretor. Em 2000, passou a se dedicar exclusivamente à Faap, que ajudou a fundar.

Hoje, o tempo para ler é curto, já que a maior parte dele Villaça gasta reescrevendo suas próprias obras. “Tenho que reeditar meus livros, está tudo esgotado”, finge lamentar. É no primeiro volume de seu Curso de Direito Civil, sobre Teoria Geral do Direito Civil, que o mestre hoje gasta a maior parte do tempo.

Além de diretor, professor, advogado, consultor, parecerista, escritor e músico, Álvaro Villaça também é membro da Associação dos Advogados de São Paulo, do Instituto dos Advogados de São Paulo, do Instituto dos Advogados Brasileiros, da Academia Paulista de Direito e da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Ganhou, em 1979, o título de civilista do Ano pelo Instituto de Divulgação de Direito Civil, e o Colar do Mérito Judiciário do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Primeiro livro 

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A mão e a luva - Machado de Assis - DivulgaçãoAmante da acidez e do sarcasmo das narrativas machadianas, Villaça responde de bate-pronto qual foi o primeiro livro de que se lembra tê-lo marcado: A mão e a luva. Segundo romance publicado por Machado de Assis, a obra, embora romântica, já revelava o tom realista do autor, ao mostrar o traço da desilusão com o caráter do ser humano. A protagonista, Guiomar, de origem humilde, escolhe dentre seus pretendentes aquele que pode lhe garantir ascensão social.  O tom analítico e pessimista de Machado, para Villaça, reflete um perfil filosófico, evidenciado também em Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba. A sociedade é sempre vista pelo seu lado pior. “As mulheres são todas infiéis”, lembra o professor, para citar a mais famosa delas, Capitu, personagem de outro sucesso, Dom Casmurro. “Era uma delícia de criatura, que depois se transforma.”
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Os Lusíadas - Luís da Camões - Divulgação

Livro didático
 A métrica disciplinada nas rimas dos 8.816 versos decassílabos de Luís da Camões tornaram Os Lusíadas a obra de maior relevância poética para Villaça. A epopeia que canta as glórias das conquistas portuguesas na Era dos Descobimentos é a expressão maior da literária clássica lusitana. Tanto gosto pelo estilo levou o professor de Direito a escrever, aos 15 anos, seu primeiro livro, totalmente dedicado aos poemas. 

 

Literatura

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O Homem Nu – Fernando Sabino - DivulgaçãoHá pouca coisa tão fatalmente lúdica quanto as crônicas de Fernando Sabino. Villaça ri com prazer do desconcerto de personagens como os de O Homem Nu, do autor mineiro. O texto que dá nome ao livro conta os apuros de um homem que se vê trancado do lado de fora do apartamento de uma amiga, sem uma peça de roupa. Como a havia avisado para não atender a um cobrador que apareceria, seus apelos quando a porta se fechou acidentalmente foram inúteis. Depois de ser flagrado pelos demais moradores e quase ter posto abaixo a porta do apartamento, conseguiu entrar, mas não escapou do cobrador.  

Outros clássicos também estão entre os preferidos, como Os Sertões, de Euclides da Cunha, e O Primo Basílio, de Eça de Queiroz. “Li todos os livros exigidos nos vestibulares, para preparar os alunos”, conta. 

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Direito Romano - José Carlos Moreira Alves - Divulgação

Livros jurídicos
Sempre preocupado em reeditar alguma obra sua já esgotada nas prateleiras, Álvaro Villaça consome livros jurídicos com voracidade. “Preciso ver o tratamento de novos institutos jurídicos. Como tenho de escrever, preciso formar uma opinião”, diz. A lista de preferidos não consegue deixar de fora quase uma dezena de autores, muitos deles amigos pessoais. O primeiro deles é o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal José Carlos Moreira Alves, a quem o professor se refere como “o Zé Carlos”. Direito Romano, escrito em dois volumes pelo ministro aposentado, está na 14ª edição. 

Na relação de autores nacionais entram ainda Caio Mario da Silva Pereira, Silvio Rodrigues e Pontes de Miranda. Na de internacionais estão os italianos Piero Guido Alpa, “um dos maiores civilistas da Itália”, Massimo Bianca, outro civilista, Massimo Vari, ex-presidente da Corte Suprema da Itália, e Mario Talamanca,

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Curso de Direito Civil - Washington de Barros Monteiro - Divulgaçãoespecialista em Direito Romano moderno. Pierangelo-Catalano, diretor da Universidade de Roma, aparece pelo trabalho que desenvolveu com Villaça para o Vaticano contra o aborto, na “comissão em defesa do nascituro”.

Li e recomendo
A coleção de seis volumes do Curso de Direito Civil, de Washington de Barros Monteiro, é a principal recomendação do professor por ser “o primeiro manual e curso completo de Direito Civil publicado no Brasil”. Outro curso de Direito Civil indicado é o de Orlando Gomes, outro doutrinador de peso e também amigo do diretor da Faap.

[Notícia alterada em 28 de maio de 2010, às 11h31, para correção de informações.]

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