Falta de identidade

Propriedade intelectual precisa de mais atenção do governo

Autor

  • Nehemias Gueiros Jr

    é advogado especializado em Direito Autoral Show Business e Internet professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ consultor de Direito Autoral da ConJur membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

18 de outubro de 2004, 18h05

Nos últimos sete meses o Departamento de Justiça dos Estados Unidos conduziu uma investigação sigilosa que produziu dados realmente alarmantes, traduzindo um verdadeiro assalto à propriedade intelectual em todos os níveis, desde operadores individuais amadoristicos até as grandes esferas do crime organizado, que vêm causando um prejuízo anual da ordem de US$ 250 bilhões aos negócios americanos.

Com mais de cem páginas, o relatório final dessa investigação recomenda medidas urgentes e imediatas, que incluem a criação de unidades especiais do FBI em todo o país e substancial incremento do número de promotores federais e agentes do órgão para lidar exclusivamente com os crimes de propriedade intelectual e venda de produtos contrafeitos. Além disso, os tentáculos dessa operação estender-se-ão às embaixadas dos EUA em Hong-Kong e Budapest, regiões consideradas líderes na manufatura de produtos piratas no mundo.

Esforços na extradição de pessoas envolvidas nesses tipos de crimes também serão levados a efeito, numa clara demonstração de que os americanos já não estão mais considerando esse assunto em segundo plano entre as suas prioridades. Segundo um funcionário do Depto. de Justiça estadunidense que não quis se identificar, “trata-se da mais contundente, ampla e agressiva iniciativa de combate aos crimes contra a propriedade intelectual da história americana”, sinalizando que os esforços desta nova força-tarefa poderão rivalizar com as atividades de combate às drogas empreendidas pelas autoridades americanas.

A cidade de Los Angeles, com seus amplos portos que incluem Long Beach, foi a primeira a sentir os efeitos da operação, resultando em que todas as importações chegando à cidade, especialmente da Ásia, estão levando vários dias para serem desembaraçadas, causando sérios prejuízos a comerciantes, restaurantes e outros negócios que dependem da celeridade de entrada dos seus produtos no país. O espectro das ações vai desde o simples comércio de bugigangas de rua, como canetas, relógios e brindes, até a venda de medicamentos falsificados, que segundo estudos da Organização Mundial de Saúde respondem por até 10% de mortes em todo o mundo. Baterias de celular que explodem ou inflamam, bebidas destiladas com alto teor de metanol e eletroeletrônicos de péssima qualidade, estão entre os produtos que fazem a festa dos piratas no mercado americano e que agora estarão na mira dos agentes federais.

No caso específico do Direito Autoral, a comunidade de Hollywood vem se batendo pela aprovação, no Congresso, do chamado Induce Act, que transformaria em ilegais todas as empresas envolvidas na troca de arquivos via Internet, sujeitando-as às penalidades da legislação com pesadas multas e até encerramento de suas atividades. A moção, entretanto, está sob fogo cerrado no Senado americano, principalmente por parte do setor de fabricantes de alta-tecnologia de informática e eletroeletrônicos, sob a alegação de que a lei daria à indústria do entretenimento poder de veto sobre novas tecnologias.

Mas o relatório federal não-convencido por esses argumentos, considera a troca de arquivos vai Internet um crime federal e “uma das mais perigosas ameaças ao Direito Autoral no mundo contemporâneo. Há outra moção em andamento no Congresso americano, denominada Pirate Act, já aprovada na Câmara dos Deputados e tramitando no Senado. Como sempre, seus oponentes consideram essas leis uma violação da privacidade constitucional, alegando que exporia os usuários a processos judiciais mesmo não tendo “baixado” nada para os seus computadores.

O cinema é outro alvo prioritário da mega-operação, em que fica latente a disposição dos grandes estúdios de cinema, empresas fonográficas e fabricantes de software de não permitir sequer a cópia única de back-up de DVDs, que é considerada por grande parte da opinião pública como fair-use (algo como “uso razoável”).

Partindo do macrocosmo do mercado americano para a realidade brasileira, podemos desde logo destacar a perfeita identidade entre os prejuízos causados pela pirataria na economia do país de uma maneira geral. Em que pesem as grandes diferenças econômicas entre o Brasil e os Estados Unidos e as facilidades orçamentárias que os americanos possuem para formar, equipar e desencadear uma operação dessas proporções, é forçoso admitirmos que muito pouco tem sido feito para coibir a atividade pirata no Brasil.

Delegacias para a investigação de crimes contra a propriedade intelectual foram criadas mas ou não têm efetivo adequado ou não têm veículos e armamento para realizar os raids necessários, tendo muitas vezes que depender da generosidade das empresas prejudicadas (gravadoras, fabricantes de equipamentos ou importadores legais) para a consecução da tarefa.

Do ponto de vista cultural, outra grande barreira precisa ser considerada: o baixo poder aquisitivo da população, somado aos altos preços dos produtos desejados, especialmente em função do irresistível apelo da propaganda, são responsáveis pela tendência natural do consumidor de preferir os produtos piratas, infinitamente mais baratos. Enquanto todos esses fatores não forem reconhecidos e ajustados em forma simultânea, dificilmente veremos progresso no combate à contrafação no Brasil.

Sabemos que o Direito Autoral ainda está órfão de uma maior disseminação em nível acadêmico no Brasil, com o objetivo de formar mais advogados, juízes e especialistas para lidar com a questão da pirataria, mas a participação equânime de todos os segmentos da sociedade é fundamental para que o país possa crescer de forma legítima, recolhendo corretamente os impostos sobre sua atividade produtiva, taxando a importação de produtos e remunerando regularmente os autores, artistas e intérpretes por sua contribuição intelectual à cultura nacional.

Enquanto a questão da propriedade intelectual não for tratada com mais destaque pelo Governo, como acertadamente vem sugerindo o ministro Gil, a questão da pirataria ainda estará alojada num patamar de difícil controle por parte da sociedade constituída. Basta olharmos para os exemplos americano e francês, que guindaram as questões culturais à ordem do dia, por representarem uma identidade nacional, de cunho estratégico, capaz de atrair e consolidar interesses comerciais para o país ao mesmo tempo em que divulgam os produtos nacionais em nível internacional.

O Direito Autoral representa a pedra fundamental na consagração de uma identidade cultural própria, que já algum tempo vem pavimentando o caminho das “coisas do Brasil” em escala global, quer no cinema, na música, na literatura e nas artes. Urge alimentarmos continuamente esse esforço para honrar os verdadeiros criadores intelectuais que encantam as nossas vidas.

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    é advogado especializado em Direito Autoral, Show Business e Internet, professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ , consultor de Direito Autoral da ConJur, membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

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