Quilombos no STF

Invalidar Decreto é retroceder direitos constitucionais

Autor

  • César Augusto Baldi

    é mestre em Direito pela ULBRA-RS doutorando Universidad Pablo Olavide (Espanha) e servidor do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Porto Alegre) desde 1989.

21 de maio de 2010, 11h14

O ministro Cezar Peluso, antes de assumir a Presidência do STF, lançou relatório na ADIN 3239, em que o antigo PFL, atual DEM, questiona a constitucionalidade do Decreto 4.887/2003, que regulamenta o processo de aquisição e titulação das terras dos remanescentes de quilombos, tal como previsto no artigo 68 do ADCT. Permanece vinculado, pois, ao processo, que deve entrar em pauta nos próximos dias.

O decreto foi impugnado pelos seguintes motivos: a) invade esfera reservada à lei; b) cria nova modalidade de desapropriação; c) resume a identificação dos remanescentes das comunidades apenas ao critério de auto-atribuição; d) sujeita a delimitação das terras a serem tituladas aos “indicativos fornecidos pelos próprios interessados”.

O STF encontra-se, para tanto, diante de diversos questionamentos a resolver.

Primeiro, o decreto somente foi expedido em 2003 (é verdade que houve um anterior, em 2001, mas com requisitos mais rigorosos), passados quinze anos da edição do art. 68 do ADCT. O julgamento ocorre, portanto, sete anos da edição e mais de vinte anos da promulgação da Constituição. Eventual invalidação ou mesmo modulação temporal por inconstitucionalidade implicaria um razoável retrocesso em relação a direitos garantidos constitucionalmente. E o próprio STF já reiterou que a regra constitucional não “pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental”.[1] E isto para qualquer dos Poderes do Estado, portanto.

Segundo, reconhecer o alegado caráter de “decreto autônomo” ou mesmo a impossibilidade, por meio de decreto, de regular a aquisição de terras pelas comunidades implica evidente esvaziamento da eficácia do art. 68 do ADCT que prevê apenas que “aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Norma que dispensa regulação por meio de lei específica, à falta inclusive da locução “na forma da lei”, o que, aliado ao art. 5º, parágrafo 1º, da Constituição, em se tratando de direito fundamental, evidencia sua “aplicação imediata”.

Terceiro, porque, neste intervalo de tempo, a antropologia consolidou estudos, definições e parâmetros para caracterização das comunidades quilombolas, com larga discussão metodológica e científica, pelo menos desde 1994, a pedido do Ministério Público para esclarecimentos a respeito da situação. Desfez as ideias pré-concebidas de isolamento territorial, de resíduos arqueológicos e de populações homogêneas, o que foi corroborado, no mesmo sentido, pela atual historiografia. A pretensão de aplicação do conceito de quilombo, expedida pelo Conselho Ultramarino de 1740, significa, simultaneamente, “frigorificar” um conceito de comunidade e, pois, de cultura estática e invariável, e, ao mesmo tempo, utilizar-se de um instrumento claramente repressivo do sistema colonial para interpretar um artigo definidor de direitos constitucionais. Antes, pelo contrário, é justamente a descolonização do conceito de “quilombo” que se faz necessária enfatizar e defender.

Quarto, porque a auto-definição ou auto-identificação é considerada, pelos tratados internacionais, como o “critério fundamental para definir os grupos aos quais se aplicam as disposições” da Convenção. Não é o único critério e tampouco o Decreto 4.887/2003 assim prevê, mas é evidente que se trata de um elemento altamente questionador tanto do etnocentrismo quanto do racismo da sociedade. Mas que isto: é a constatação de que a invisibilização de tais comunidades foi ativamente produzida como inexistência e, pois, como irrelevância. Uma “sociologia das emergências” se faz necessária para contrabalançar a “sociologia das ausências”.

Quinto, porque, em se tratando de processos que vem ocorrendo durante largo período de tempo e envolvendo terras em que se concentra boa parte da biodiversidade do país ( tal como também é o caso das terras indígenas), é evidente a pressão do agronegócio, das mineradoras e dos grandes empreendimentos para descaracterização das comunidades como “arcaicas”, “tradicionais” e “primitivas” e, pois, contrárias tanto ao “desenvolvimento” da nação, mas também congeladas em etapas anteriores de produção. Aqui, em sentido diverso, o que importa destacar é a defesa da sócio-diversidade, da biodiversidade e das distintas formas de manejo e de propriedade dentro do território nacional.

Sexto, porque, em se tratando de comunidades, a propriedade não tem sido nem a forma pública, estatal, nem aquela tradicional, ou seja, a privada, de feitio civilista dos códigos. Especialmente no caso do Judiciário brasileiro, isto é um enorme desafio, quando se tem em conta que: a) boa parte dos casos de posse ou mesmo de terras indígenas são decididos com a mera exibição do título de propriedade ( esquecendo a distinção entre ambos os institutos), com evidente prevalência desta última sobre a primeira; b) as comunidades utilizam um mesmo espaço territorial de forma coletiva, nem sempre com fronteiras individuais claramente destacáveis, o que vai contra toda uma formação jurídica privatista; c) tem-se destacado pouco a função socioambiental da propriedade ( art. 186,CF), o que implica preservação ambiental, respeito a relações de trabalho ( não-utilização de trabalho escravo, portanto) e aproveitamento adequado e racional; d) a visão jurídica tradicional tem associado “terra” a “mercadoria”.

Sétimo, porque recoloca-se a discussão da imensa concentração fundiária do país, cujo caráter étnico de discriminação ficara oculto, porque a abolição deu por “encerrado”o “problema do negro”, excluindo-os dos textos legais e constitucionais qualquer referência a “quilombos”, que só reaparecem cem anos depois, na Constituição de 1988. A Lei de Terras, de 1850, ao estabelecer como única possibilidade de aquisição a compra, ignorou as distintas posses e regulações existentes entre as comunidades tradicionais. Apropriação de terras e racismo, pois, continuaram a ser legados pendentes do período da independência.

Oitavo, porque a situação de omissão já foi apontada por diversos relatórios internacionais do sistema de proteção de direitos humanos: a) o Comitê de Direitos econômicos, sociais e culturais, em 2003, manifestou preocupação com “discriminação arraigada” contra afro-brasileiros, povos indígenas e grupos de ciganos e quilombos e com o despejo forçado dos quilombos por empresas mineradoras e outras empresas comerciais[2]; b) o Comitê para eliminação de todas as formas de discriminação racial ( CERD), em 2004, salientava que “poucas áreas de quilombos tinham sido oficialmente reconhecidas” e “um número ainda menor” recebera o título de propriedade dos territórios ocupados, recomendando a “aceleração do processo de identificação das comunidades quilombolas e das terras, bem como da distribuição dos respectivos títulos”[3]; c) o Conselho Econômico e Social, apresentando informe do Relator especial para a moradia adequada, em 2004, considerava a necessidade “urgente para o Governo no sentido de adotar medidas e legislação nacional para garantir proteção contra despejos forçados e assegurar que qualquer despejo seja executado em conformidade com as obrigações internacionais”, ao mesmo que reconhecia que o art. 68 do ADCT constituía um “simbólico ponto de partida para rever históricas discriminações contra descendentes de escravos”, recomendando a adoção, para as comunidades quilombolas, das orientações constantes da Recomendação XXIX. [4]

Nono, porque os relatórios internacionais destacam a falta de capacitação adequada "em matéria de direitos humanos", em particular com respeito aos "direitos consagrados" em tratados internacionais, especialmente "na judicatura e entre os agentes públicos" (item 19 e recomendação 42 do relatório do Comitê DESC[5], recomendação 18 do relatório CERD[6] e itens 61 e 80, "i" do relatório da moradia adequada.[7])


Neste sentido, por exemplo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, analisando situações de terras indígenas e de outras populações tradicionais, ao interpretar o art. 21 da Convenção Americana de Direitos ( “Pacto San Jose da Costa Rica), reconheceu que tal norma acarretava: a) a proteção do direito de propriedade em sentido que inclui o direito dos membros das comunidades indígenas e tradicionais dentro do modelo de propriedade comunal[8]; b) o reconhecimento da especial relação de tais povos com a terra como base fundamental de sua cultura, vida espiritual, integridade e sobrevivência econômica[9], não meramente uma “questão de posse e produção”; c) a ocupação tradicional por tais comunidades deve ser suficiente para obter do Estado o reconhecimento de sua propriedade; d) o Estado deve delimitar, demarcar e outorgar título coletivo do território de tais povos, em conformidade, eventualmente, com seu direito consuetudinário e através de consultas prévias, efetivas e plenamente informadas[10]; e) o Estado deve abster-se de realizar atos que podem dar lugar a que outros afetem a existência, valor, uso ou gozo do território a que tem direito os integrantes de tais comunidades; f) quando a propriedade comunal e a propriedade privada individual entrem em contradição aparente ou real, a Convenção Americana e a jurisprudência da Corte proporcionam pautas para estabelecer restrições admissíveis ao gozo e exercício de tais direitos, devendo o Estado avaliar, à luz de tais parâmetros, se é “necessária uma restrição a estes direitos de propriedade privada para preservar a subsistência física e cultural” das comunidades.[11]

Da mesma forma, a Convenção 169- OIT reconhece uma série de direitos aos povos indígenas e “tribais”, nos termos da definição de seu artigo 1º, em que, considerando as especificidades históricas e sociais e a relação especial com o território, são plenamente aplicáveis às comunidades quilombolas. Ambos os tratados internacionais foram firmados pelo Brasil, regularmente internalizados e, pois, dotados, pelo menos, do caráter supra-legal, nos termos da jurisprudência mais recente do STF, o que significa, portanto, a potencialidade de paralisar qualquer norma interna que disponha em sentido diverso.[12]

Recorde-se, ainda, que a Corte Interamericana entendeu que: a) apesar de a legislação interna do Suriname não reconhecer o direito à propriedade comum das comunidades negras nem ter ratificado a Convenção 169-OIT, o fato de ter assinado o Pacto internacional dos direitos civis e políticos era suficiente para obrigar ao cumprimento da obrigação de proteção de tais comunidades;[13] b) a responsabilidade internacional dos Estados pode decorrer de atos ou omissões de quaisquer dos poderes, independentemente de sua hierarquia e mesmo que o fato violador provenha de norma constitucional;[14] c) o Poder Judiciário deve ter em conta não só o tratado, mas também a interpretação que dele tem feito a Corte.[15]

Isto coloca a necessidade de repensar a relação entre as normas definidoras de direitos presentes na Constituição e nos tratados internacionais de direitos humanos. Neste sentido, se faz necessário um “diálogo das fontes”, de forma que “a Constituição não exclui a aplicação dos tratados, e nem estes excluem a aplicação dela, mas ambas as normas ( Constituição e tratados) se unem para servir de obstáculo à produção normativa doméstica infraconstitucional que viole os preceitos da Constituição ou dos tratados de direitos humanos em que a República Federativa do Brasil é parte.”[16]

É que os tratados internacionais de direitos humanos preveem, no geral, uma cláusula de prevalência da norma que seja mais favorável à proteção do ser humano.[17] Veja-se, por exemplo, o art. 29, “b”, da Convenção Americana dos Direitos Humanos, os artigos 5. 2 e 46 do Pacto Internacional dos direitos civis e políticos, os artigos 5.2 e 24 do Pacto Internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais, o artigo 1.3 da Convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, os artigos 1º e 16.2 da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, os artigos 13 e 14 da Convenção de Belém do Pará. Em outros termos, a aplicação da norma que seja mais favorável, mais protetora ou mais benéfica às vítimas e, pois, beneficiárias dos tratados de direitos humanos.

A alegação de eventual falta de previsão constitucional para tanto ( poder-se-ia alegar princípios implícitos fundados no artigo 4º, II, da Constituição) veio a ser minimizada recentemente. É que o Decreto legislativo 186, de 9 de julho de 2008, internalizou a “Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência”, nos termos do artigo 5º, parágrafo 3º, da Constituição, ou seja, com status de equivalência de “emenda constitucional”. E esta Convenção, agora incorporada com os mesmos efeitos de emenda constitucional, prevê, em seu art. 4, item 4, que: a) nenhum dispositivo da Convenção “afetará quaisquer disposições mais propícias à realização dos direitos das pessoas com deficiência, as quais podem estar contidas na legislação do Estado parte ou no direito internacional em vigor para esse Estado”; b) não haverá derrogação ou revogação de quaisquer direitos humanos e liberdades fundamentais, “ sob a alegação de que a presente Convenção não reconhece tais direitos e liberdade ou que os reconhece em menor grau”.

Se os direitos humanos são indivisíveis, como sustenta a doutrina, e a previsão tem equivalência de emenda constitucional, é possível continuar aceitando que tais regras de “primazia de norma mais favorável” somente se aplicam às disposições envolvendo pessoas com deficiência e não aos demais direitos constitucionalmente assegurados e também reconhecidos em tratados internacionais de direitos humanos?

No julgamento da Extradição 1.085 ( o caso “Cesare Battisti”), o ministro Peluso afirmou que “é princípio capital da teoria e prática dos tratados” de que “não tem nexo nem senso conceber que sejam celebrados para não ser cumpridos por nenhum dos Estados contraentes”.[18] Referia-se, é verdade, a um tratado de extradição entre Brasil e Itália. Mas poderia ser um tratado envolvendo eliminação da discriminação racial, direitos de povos indígenas, eliminação de discriminação contra a mulher, comunidades tradicionais. Pensará o STF da mesma forma, agora quando envolve a aplicação da Convenção 169-OIT e da Convenção Americana, para as comunidades quilombolas?


[1] Dentre outros: AgRg RE 393715/RS, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, julg. 12/12/2006, DJ 02-02-2007, p. 140.

[2] http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/docs/publications/CESCR-Compilacion(1989-2004).pdf p.56-58, itens 20 e 36.

[3] http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/0/f23afefaffdb960cc1256e59005f05cc/$FILE/G0441073.pdf itens 12 e 16.

[4] http://www.unfpa.org/derechos/documents/relator_vivienda_brasil_04.pdf itens 70, 75, 88 e 80.b.

[5] http://www2.ohchr.org/english/bodies/cescr/docs/publications/CESCR- Compilacion(1989-2004).pdf

[6] http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/0/f23afefaffdb960cc1256e59005f05cc/$FILE/G0441073.pdf


[7] http://www.unfpa.org/derechos/documents/relator_vivienda_brasil_04.pdf

[8] Caso Comunidad Mayagna ( Sumo) Awas Tigni vs Nicarágua, 31 de agosto de 2001, parágrafos 148 e 149. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_79_esp.pdf.

[9] Caso Comunidad Yakye Axa vs Paraguay, 17 de junio de 2005, párrafos 123 a 156. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_125_esp.pdf

[10] Caso del Pueblo Saramaka vs. Surinam. 28 de noviembre de 2007. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_172_esp.pdf puntos resolutivos, número 5.

[11] Idem, párrafos 127, 128 y 158.

[12] RE 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso.

[13] Idem nota 10, párrafo 93 y 94.

[14] Caso La Última Tentación de Cristo (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile, de 05/02/2001, em que ficou assentado que o Chile deveria “adequar suas normas constitucionais e legais aos standards de liberdade de expressão consagrados na Convenção Americana” (parágrafo 91.2). Disponível em: http://spij.minjus.gob.pe/informacion/coyuntura/Sentencias_CIDH/TrabajadoresCongreso/VOTO%20RAZONADO-GARCIA%20-TRABAJADORES%20CESADOS%20DEL%20CONGRESO.pdf

[15] Caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile. 26/09/2006, em que ficou assentado que, quando um Estado ratifica um tratado internacional, como uma Convenção, “seus juízes, como parte do aparato do Estado, também estão a ela submetidos” e, portanto, “o Poder Judicial deve ter em conta não só o tratado, mas também a interpretação que do mesmo tenha realizado a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana” (párrafo 124). Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf

[16] MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 214.

[17] O STF, recentemente, aceitou o “diálogo das fontes” e a máxima eficácia dos tratados internacionais:

E M E N T A: "HABEAS CORPUS" – PRISÃO CIVIL – DEPOSITÁRIO JUDICIAL – REVOGAÇÃO DA SÚMULA 619/STF – A QUESTÃO DA INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA – CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, n. 7) – NATUREZA CONSTITUCIONAL OU CARÁTER DE SUPRALEGALIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS? – PEDIDO DEFERIDO. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL, AINDA QUE SE CUIDE DE DEPOSITÁRIO JUDICIAL. – Não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósito voluntário (convencional) ou cuide-se de depósito necessário, como o é o depósito judicial. Precedentes. Revogação da Súmula 619/STF. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA. – A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana. – Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes. – Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? – Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos. A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. – A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea. HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. – Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. – O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. – Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano.” ( HC 96772, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 09/06/2009, DJe-157 DIVULG 20-08-2009 PUBLIC 21-08-2009 EMENT VOL-02370-04 PP-00811 RT v. 98, n. 889, 2009, p. 173-183)

[18] Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=610034 p. 171.

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    é mestre em Direito pela ULBRA-RS, doutorando Universidad Pablo Olavide (Espanha) e servidor do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Porto Alegre) desde 1989.

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