Abandono do Júri

Ajufe sai em defesa da juíza Paula Mantovani

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12 de maio de 2010, 11h45

A atitude do procurador da República Vladimir Aras, que abandou o Tribunal do Júri que julgava os acusados pelo assassinato do índio Marcos Veron, provocando a suspensão da sessão, foi criticado pela Associação dos Juízes Federais do Brasil. Em Nota Pública, divulgada na terça-feira (11/5), a Ajufe defendeu a juíza federal Paula Mantovani Avelino, que presidiu o julgamento. O incidente ocorreu na última terça-feira (4/5), em São Paulo.

Segundo a Ajufe, o ato não passou de um “capricho” do procurador, que gerou evidentes prejuízos processuais e materiais. E, por razões de pauta e orçamento, o júri somente será retomado no dia 22 de fevereiro de 2011.

O procurador abandonou o júri depois que a juíza negou pedido para que os índios arrolados para depor no julgamento como testemunhas falassem em guarani e não em português. Na nota, a Ajufe mostra que, em nenhum momento, a juíza federal impediu a livre manifestação dos índios que prestariam depoimento. Com informações da Assessoria de Imprensa da Ajufe.

Leia a nota da Ajufe

NOTA PÚBLICA
A Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE, entidade de âmbito nacional da magistratura federal, considerando o ocorrido no dia 4 de maio passado, no plenário do júri da 1ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo, que era presidido pela juíza federal Paula Mantovani Avelino e no qual seriam julgados os acusados pela morte do cacique Kaiowá Marcos Veron, vem a público manifestar sua veemente discordância e indignação em relação à atitude do procurador da República Vladimir Aras e dos que o acompanharam ao abandonar o plenário, atitude que demonstra desrespeito à instituição do júri, às vítimas, às testemunhas, à juíza federal presidente do júri, à Justiça Federal e, sobretudo, ao Estado Democrático de Direito.

O abandono do plenário do júri, a pretexto de defender o direito de testemunhas e vítimas indígenas manifestarem-se em sua língua, constituiu-se em atitude desrespeitosa, autoritária e contrária ao interesse público, inclusive o dos próprios indígenas.

Uma leitura atenta da ata da audiência revela que em nenhum momento a juíza federal impediu a manifestação livre dos indígenas que prestariam depoimento. Considerou, apenas, que todos os depoimentos tomados anteriormente, no curso do inquérito policial e da instrução processual anterior à pronúncia dos réus, o foram na língua portuguesa, tendo os depoentes indígenas declarado que sabiam expressar-se nessa língua.

Considerou a juíza, corretamente, que, a despeito de afastar a arguição formulada pela defesa de suspeição do intérprete indicado pela Funai, assistente da acusação, indagaria dos depoentes se teriam condições de expressar-se em português ao que, em caso afirmativo, nessa língua seriam prestados os depoimentos, com o auxílio subsidiário do intérprete indicado pela Funai. Em nenhum momento, portanto, a juíza federal recusou ou impediu a utilização do intérprete ou a expressão em língua guarani.

O órgão do Ministério Público Federal, todavia, insistiu que a pergunta que a juíza deveria fazer era se o depoente preferia expressar-se na língua portuguesa ou na língua guarani. Em nota divulgada em seu blog, o procurador da República Vladimir Aras afirmou que se tratava de uma sutileza fundamental, voltada a garantir o direito dos indígenas à diversidade linguística.

Os fatos demonstram, porém, que, ao contrário do que tentou demonstrar o procurador da República, sua extremada atitude é injustificável. Em nenhum momento, como se disse e se verifica nos autos, a juíza federal impediu que os indígenas se expressassem na língua guarani.

A realização de uma sessão de um tribunal do júri envolve uma série de ações cuja responsabilidade cabe ao seu presidente. As partes, como é o caso do Ministério Público, nenhuma ou quase nenhuma participação têm nessas ações.

Nesse específico processo, há uma peculiaridade importante. O caso decorreu de desaforamento, medida prevista em lei, pois os fatos ocorreram na cidade de Dourados, estado do Mato Grosso do Sul, e lá deveria, em princípio, ter acontecido o julgamento. Entretanto, por pedido do Ministério Público Federal, o julgamento foi deslocado para a Subseção Judiciária de São Paulo.

Em razão dessa mudança, as vítimas e as testemunhas têm que se deslocar de seus locais de origem até a cidade de São Paulo, ficando à disposição da Justiça Federal, que tem arcado com todas as despesas de transporte, hospedagem e alimentação.

A par disso, os jurados são convocados e também lhe são custeadas alimentação e hospedagem. Tudo a cargo da Justiça Federal, cujos recursos decorrem de dotações orçamentárias. Recursos públicos, portanto.

O abandono do tribunal do júri, medida não prevista em lei, mas infelizmente aceita pela jurisprudência, é atitude absolutamente extrema e deve ser adotada com o máximo cuidado, sob pena de ridicularizar-se a instituição democrática e constitucionalmente prevista do tribunal do júri.

O que ocorreu no último dia 4 de maio, no plenário do júri federal em São Paulo, não foi uma medida extrema necessária, mas um capricho do procurador da República, com evidentes prejuízos processuais e materiais, visto que, por razões de pauta e de orçamento, esse júri somente será retomado no dia 22 de fevereiro de 2011, o que, além de acarretar novas despesas para o erário,
implicará a permanência, até lá, de impunes eventuais culpados ou sob a pecha de acusados eventuais inocentes.

O tumulto processual causado pelo procurador da República poderia ter sido evitado. Faltou-lhe, no mínimo, bom senso. Desrespeitaram-se não só a juíza federal que presidia o júri, mas também os jurados, as testemunhas, os acusados e seus defensores, como, sobretudo, as vítimas e a sociedade brasileira.
A diversidade linguística pode até ter sido protegida, mas certamente não o foi a sociedade, a quem o Ministério Público Federal representava naquele julgamento.

Brasília, 11 de maio de 2010.

Fernando Cesar Baptista de Mattos
Presidente da AJUFE

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