Papel institucional

Foco da Defensoria é transformação social

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9 de maio de 2010, 13h14

A advogada Daniela Sollberger Cembranelli é uma dessas mulheres que parecem estar sempre voltando de férias. Pele viçosa, cabelos obedientes, rosto harmonioso, nitidamente vaidosa. Bem, mas não é disso que ela gosta de falar. A nova defensora-geral de São Paulo prefere conversar sério. Foi o que mostrou  entrevista publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Aos 42 anos, ela assume na sexta-feira (14/5) um dos cargos mais importantes do Estado com o compromisso de brigar pelos pobres e pela transformação social. Assunto não falta. O discurso em favor dos desfavorecidos é apaixonado, contundente e, por via das dúvidas, didático. Ela explica com entusiasmo o trabalho à frente da Defensoria Pública, instituída pela Constituinte de 1988, mas estabelecida no Estado apenas em 2006.

“O defensor público não é só um ‘advogado de pobre’. Seu compromisso é com a transformação social. Está no artigo III da Lei Orgânica 988/2006: a ele se atribui a função de mudar o estado das coisas ”, diz.

Eleita com larga vantagem para o cargo que assumirá no dia 14, Daniela teve 296 votos, contra 86 do segundo lugar e 71 do terceiro. Contou pontos o empenho com que coordenou em Brasília o núcleo de segunda instância e tribunais superiores, nos quais lutava até os últimos argumentos pelos direitos dos muito carentes.

“Ela é aguerrida, batalhadora e está envolvida com o projeto da Defensoria desde o início. É a mais preparada para tirá-lo do papel”, afirma sua antecessora, Cristina Guelfi, cujo apoio à candidatura foi crucial.

Por todos esses atributos, a nova defensora-geral reage mal quando associam sua vitória ao fato de ser mulher do promotor-herói do ano, Francisco Cembranelli, que atuou no caso Isabella Nardoni. “Ele é promotor, eu concorria à Defensoria Geral. São funções opostas, nada a ver.”

Em casa, Promotoria e Defensoria vivem uma trégua que já dura 14 anos. “Tivemos alguns embates acirrados no tribunal e logo me apaixonei”, diz Cembranelli, de 49 anos.

Daniela, de 42, tem dois filhos com ele. Guilherme, de 10, e Rafael, de 9, são as prioridades em seu movimentado dia a dia. Quando resolveu fazer Campanha para concorrer à Defensoria, ela teve uma conversa com o marido para saber se ele a ajudaria com os meninos. “Me prontifiquei a ‘substituí-la’, se é que é possível substituir uma mãe”, diz ele. “O Francisco é um grande companheiro, dedicadíssimo aos filhos”, afirma ela.

Casal Cembranelli
Alçado instantaneamente à categoria de galã, o promotor ganhou milhares de fãs de uma hora para outra. Daniela garante que não tem ciúme. “As pessoas precisam de modelos, referências, e confundem os papéis”, diz ela, sem a menor sombra de contrariedade (nem de paciência).

O Sollberger em seu nome é do pai, que nasceu na Suíça, migrou com a família para o Brasil e morreu sub-procurador geral da República. O colorido moreno é da mãe, que nasceu em Goiânia e se dedicou ao lar. Daniela foi criada com os dois irmãos em Brasília e, apesar de estar tão perto do poder e de ter escolhido lutar pelos direitos dos mais carentes, nunca participou de política estudantil nem se filiou a partido.

“A faculdade (Universidade de Brasília) foi, para mim, o lugar onde eu comecei a me interessar de verdade pelo que eu estudava. Até ali eu gostava de brincar, especialmente com os meninos”, diz ela, que ainda considera a amizade dos homens mais leal.

Compromisso com a sociedade
Agora que declarou o basicão do currículo pessoal, ela quer voltar a falar de seu compromisso com os carentes, da urgência de se aumentar o número de defensores públicos no Estado, da quantidade recorde de Habeas Corpus impetrados em São Paulo, enfim, parece que o tempo da entrevista não vai ser suficiente para tudo o que ela precisa dizer sobre “a razão de ser do defensor público”. “A gente poderia ficar aqui o dia todo falando sobre isso”, resume.

Sua intenção de mudar o “estado das coisas” parece ainda mais pertinente dentro daquela sala de paredes guarnecidas com madeira escura, iluminada por vitrais coloridos, instalada em um prédio de cerca de 70 anos chamado Adhemar de Barros Filho. “Mas essa não sou eu”, diz ela para o fotógrafo, enquanto ele tenta enquadrá-la junto aos vitrais, com a mão na cintura. “Parece pose de modelo.”

Admirada por uma legião de jovens defensores, Daniela ficou famosa “por sua postura no plenário”. “Quando tinha júri com ela, todo mundo ia. A Dani sempre foi uma referência de qualidade técnica e de entrega irrestrita àquilo em que acreditava”, diz o segundo sub-defensor geral, David Depiné, de 37 anos, que dividiu com ela por quatro anos uma sala no Fórum de Pinheiros.

Até 2006, quem fazia o trabalho dos Defensores públicos eramos procuradores de assistência judiciária. Daniela explica com orgulho que, dos 330 procuradores que atuavam na área, apenas 87 optaram por trabalhar na Defensoria Pública. Ela e os outros 86 deixaram de ganhar 50% no salário, basicamente para seguir um ideal.

A defensora-geral não revela quanto ganha. Conta que o salário inicial de um procurador é de R$ 13.500; o de um defensor, cerca de R$ 9mil. No caso dela, é preciso acrescentar as gratificações de 17 anos nas funções e os “dois ou três mil” que ganha a mais no novo cargo. Também não é assunto que a entrevistada queira prolongar…

No fim da entrevista, ela se levantou da cadeira e, mesmo calçando um sapato com cerca de 8 centímetros de salto, não perdeu o tipo mignon. Em um raro recuo na decisão de não resvalar em assuntos frívolos, Daniela, 1,60 metro, diz que, sim, gostaria de ser um tantinho mais alta. Mas isso soa mesmo irrelevante diante da estatura profissional da moça.

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