Dignidade ao trabalhador

Súmula 363 do TST fere nova realidade constitucional

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7 de maio de 2010, 14h33

O presente trabalho tem por escopo mostrar à luz da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional a incompatibilidade da súmula 363 do TST com a nova realidade constitucional, a qual assegura ao trabalhador o mínimo de dignidade por seu labor.

Argumentar-se-á no sentido de que a edição de tal súmula fere princípios basilares que dão sustentabilidade aos direitos fundamentais de 2 geração, e no ensejo defender-se-á que a penalização pela contratação de pessoas para prestarem serviços ao poder público dever recair apenas sobre este, como já prescreve o artigo 37, parágrafo 2° da Carta Magna, e não sobre aquelas, que são as partes consideradas fracas na relação de emprego. Ao fim, demonstrar que a vigência do enunciado afronta os direitos sociais, pugnando pela inconstitucionalidade e conseqüente necessidade de revisão da súmula pela Suprema Corte Trabalhista.

Imagine a seguinte situação: um Município necessita de 03 novos técnicos em enfermagem, no entanto como o ente não tem interesse em realizar concurso público para o preenchimento das vagas, contrata pessoas para prestarem o serviço citado.

Digamos que tal contrato tenha a duração de 01 ano, assim, chega-se ao fim, todavia os direitos trabalhistas assegurados pelo Documento Supremo são mitigados. Dessa forma , caso recorram a justiça trabalhista para reaverem seus direitos (férias, 13° salário, horas extras e etc.) estes lhes serão negados, pois a súmula 363 do TST considera o contrato nulo, fazendo, os agentes públicos (NOTA – roda-pé) jus apenas ao saldo de salário e os depósitos referentes ao FGTS conforme o artigo 19-A da Lei 8.036/90, o que é reforçado pela súmula 363, TST.

Vejamos o teor da referida súmula: 363.TST. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2°, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS. Redação dada pela Res. no 121 do TST, de 28-10-2003 (DJU de 21-11-2003). 

Os Direitos fundamentais de 2° Geração (Dimensão) e a súmula 363 do TST
É cediço que a Constituição Federal é o núcleo de todo o ordenamento jurídico brasileiro, sendo que todas as demais normas devem a ela respeito, sob pena de padecer de vícios de inconstitucionalidade. Foram consagrados em nossa Carta Política alguns direitos fundamentais, dentre os quais os elencados nos artigos 6° ao 11, os quais tratam dos direitos sociais do cidadão.

Tais direitos são considerados pela doutrina nacional e alienígena como direitos fundamentais de 2° geração (dimensão), pois estão ligados ao valor igualdade, os quais surgiram no século XX com a revolução industrial, a partir da luta do proletariado pela conquista dos direitos sociais, econômicos e culturais.

Bulos, acerca do tema ensina que “ a segunda geração, advinda logo após a Primeira Grande Guerra, compreende os direitos sociais, econômicos e culturais, os quais visam assegurar o bem-estar e a igualdade, impondo ao Estado uma prestação positiva, no sentido de fazer algo de natureza social em favor do homem. Aqui encontramos os direitos relacionados ao trabalho, ao seguro social, à subsistência digna do homem, ao amparo à doença e á velhice.”g.n. (BULOS, Uadi Lammêgo, Curso de Direito Constitucional, p.430, 431, 4° Edição, Ed. Saraiva)

José Jobson de A. Arruda e Nelson Pileti na obra Toda a História, História Geral e História do Brasil, Ed. Ática, 11° Edição, p. 240, ensinam que “mulheres e crianças faziam parte do operariado, invariavelmente com salários mais baixos que o dos homens (…). Em certas atividades, empregavam-se crianças de até 6 anos de idade. A jornada diária durava até 16 horas; não havia férias nem descanso aos sábados.”

Em linhas posteriores explicam os historiadores que “as condições de trabalho eram precárias e colocavam em risco a vida e a saúde dos trabalhadores. (…) As doenças profissionais eram freqüentes, assim como os acidentes de trabalho (…) o resultado disso tudo é que a média de vida dos trabalhadores era extremamente baixa.”

Tendo em vista essas condições sub-humanas de trabalho, os operários começaram a lutar ferrenhamente, o que os levou a conquistarem alguns direitos mínimos. E assim, aos poucos foram surgindo as chamadas trade unions (sindicatos), os quais conquistaram a proibição do trabalho infantil, limitação do trabalho feminino, direito de greve e limitação da jornada de trabalho para oito horas diárias.

Toda essa história está relacionada às conquistas dos trabalhadores de forma coletiva e com caráter positivo, o que significa dizer que houve por parte do Estado uma atuação no sentido de proporcionar aos cidadãos os direitos mínimos a uma existência digna.

E esses direitos estão estatuídos na Lei Maior no artigo 6° o qual aduz o seguinte: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

O artigo 7° do mesmo diploma traz como garantias aos trabalhadores urbanos e rurais, dentre outros, férias acrescentada de um terço, depósito de FGTS, 13° salário, horas extras e etc., ou seja, a Constituição Federal garantiu em seu texto os direitos fundamentais de 2° geração (dimensão), uma conquista da classe proletariada, no entanto, por outro lado a súmula 363 do TST aduz, como já citado supra que a contratação de servidor público somente lhe confere direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.

Sérgio Pinto Martins interpretando o referido enunciado em sua obra Comentários às Súmulas do TST, Atlas, p. 249, 250: 2009, aduz que:

“Se não há vínculo de emprego, por falta de concurso público, não deveria ser paga qualquer verba ao trabalhador. A falta de concurso público tanto é ilegal para a Administração como para o trabalhador, que deveria saber da sua necessidade, pois não pode alegar a ignorância da lei (artigo 3° da LICC). (…)

A Administração Pública está adstrita ao princípio da legalidade (artigo 39 a Constituição) devendo observar a regra constitucional.”

Em que pese a relevância das palavras do culto doutrinador, pedimos vênia para discordar do posicionamento exposto, isto porque a nosso sentir, o trabalhador não pode ser penalizado por motivos de desídia do Estado que não faz a sua parte, não realizando concursos públicos para suprimento de vagas, todavia, contrata a mão de obra qualificada, sem precisar se responsabilizar em oferecer o mínimo de dignidade ao cidadão (direitos trabalhistas).

Bem, ao mesmo tempo em que a Administração está adstrita ao principio da legalidade, também deve respeito ao princípio da igualdade. Prevalecendo, neste ínterim, o principio da ponderação dos valores.

Dito isso, algumas indagações saltam aos nossos olhos: por que o trabalhador que foi contratado para prestar os serviços idênticos aos do concursado, será prejudicado, não recebendo seus direitos mínimos elencados na Constituição Federal (artigo 7°, CF)? Se o Estado está sendo irresponsável não respeitando a legalidade posta pela lei (artigo 37, II, CF) por que recair sobre o servidor temporário a culpa de sua negligência? Não há ofensa à isonomia?

É como se a súmula quisesse orientar a pessoa não prestar serviços ao poder público por meio de contrato, forçando este a realizar o concurso. Convenhamos que, na prática, isso é quase impossível. A carência de empregos na atualidade é imensa e se a pessoa recebe uma oportunidade de emprego irá abraçá-la, submetendo-se à exorbitância das cláusulas do contrato com o poder público que não lhe assegurará os direitos postos da Constituição Cidadã, haja vista a necessidade de sobrevivência humana.

Vislumbra-se neste momento um paradoxo. Como pode o Estado ao elaborar o Texto Maior e as leis trabalhistas obrigar uma empresa privada a arcar com todas as verbas do empregado nos casos de rescisão contratual, e ele próprio, o responsável pela execução das leis, em sua função administrativa, não cumpre com o seu papel?

Tal entendimento é inadmissível, isto sob a ótica dos princípios da dignidade da pessoa humana, isonomia e da vedação ao retrocesso social, princípios basilares dos direitos sociais.

É cediço que os princípios, os quais são vetores de interpretação, se sobrepõem à norma, e para todos os efeitos não se pode permitir que o empregado seja punido com o cerceamento de seus direitos fundamentais tendo em vista a omissão do ente público em não cumprir com suas obrigações legais. Quem deve ser penalizado por contratações irregulares, é apenas o poder público, assim como já prescreve o § 2° do art. 37 da CF e o art. 11 da Lei 8429/92 (Lei da Improbidade Administrativa).

A conclusão é simples: se tal súmula continuar a viger o poder público sempre irá retardar a realização de concursos públicos, até que haja a atuação do ministério público no sentido de orientar à realização do concurso público, sob pena de está incorrendo em ato de improbidade, assim perde é o cidadão em vários aspectos como já dito supra.

A “vedação de retrocesso social”
A aplicação da súmula 363 do TST é um nítido retrocesso social, pois cerceia dos servidores contratados direitos conquistados a décadas na época das revoluções industriais. Se o gestor estipular tais direitos no contrato e pagá-los no decorrer do contrato tudo bem, caso contrário, se tais direitos forem buscados no judiciário, serão categoricamente indeferidos, pois o TST, por intermédio da referida súmula proíbe o seu pagamento. Novelino, citando José Carlos Vieira de Andrade explica que “o postulado da ‘vedação de retrocesso’ encontra-se intimamente relacionado ao princípio da segurança jurídica, tendo em vista os direitos sociais, econômicos e culturais devem ‘implicar uma certa garantia de estabilidade das situações ou imposições jurídicas criadas pelo legislador ao concretizar as normas respectivas’”.

Em linhas seguintes o autor cita Zagrebelsky o qual aduz que “a ‘proibição de retrocesso’ consiste em um impedimento imposto ao legislador, decorrente das normas constitucionais programáticas, de reduzir o grau de concretização atingido por uma norma definidora de um direito social”

Apesar de também ser utilizado em um sentido mais amplo, referindo-se a todo o rol de direitos fundamentais, a análise, neste ponto limitar-se-á à seara dos direitos sociais (acepção estrita) (Marcelo Novelino, Direito Constitucional, p. 376-378, Ed. método, 2008, 2° Edição.) 

J.J. Gomes Canotilho anotou que “o princípio da democracia económica e social aponta para a proibição do retrocesso social. A ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de < (Direito Constitucional e teoria da Constituição, 6. Ed, p. 468, Comibra: Almedina, 1993.) (g.n.)

O PRINCÍPIO DA ISONOMIA (IGUALDADE)
Esse princípio é uma das grandes conquistas do liberalismo clássico e foi instituído na Constituição em seu artigo 5°, caput, e I, aduzindo, de modo geral, que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. Desse modo a doutrina mais abalizada é unânime em asseverar que esse princípio é derivação direta da dignidade da pessoa humana junto a outros princípios.

Como bem leciona Novelino ao analisar os critérios para aplicação do princípio da igualdade (ob. cit., p. 292) assevera que “O que se deve analisar é se o elemento discriminador, cuja adoção exige uma justificativa racional está em harmonia com um fim constitucionalmente consagrado, devendo o critério utilizado na diferenciação ser objetivo, razoável e proporcional.

A nosso sentir não houve por parte do judiciário, na elaboração da súmula em comento, uma justificativa racional, todavia uma nítida violação de direitos constitucionalmente garantidos. É notória que a forma de admissão no serviço público é realmente diferente entre o concursado e o contratado, porém o tipo de serviço prestado é o mesmo, devendo, assim, o contratado obter as vantagens elencadas no Documento Supremo e na lei infra constitucional, sendo-lhe assegurado o principio da igualdade, indubitavelmente.

Considerações Finais
A vista do exposto a conclusão a que se chega é que a súmula 363 da Suprema Corte Trabalhista viola princípios basilares do direito social, haja vista que busca penalizar com a supressão de direitos o cidadão que presta serviços ao poder público.

Porém, como defendido, quem deve sofrer pela negligência de não está se submetendo ao principio da legalidade é exclusivamente o poder público pelo seu ato de improbidade. Não sendo razoável a linha de raciocínio defendida por Pinto Martins quando observa que não deveria ser paga qualquer verba ao trabalhador”.

Deve ser paga sim, e com todas as vantagens asseguradas pela lei do labor, pois acima do princípio legalidade deve prevalecer o fundamento axiológico da Carta da República, qual seja, a dignidade da pessoa humana (art.1°, III).

Assim, entendemos haver uma nítida incongruência entre os direitos fundamentais de 2° geração e a debatida súmula 363,TST, por ser esta uma afronta ao princípio da isonomia entre aquele que presta serviço ao poder público e ao que presta serviços aos particulares, além de estar havendo um verdadeiro retrocesso social nas conquistas sociais ao longo dos anos.

Destarte, tal súmula deve passar por uma urgente revisão, por estar, a nosso ver, eivada de inconstitucionalidade, ao suprimir dos cidadãos direitos sociais conquistados a décadas além de estarem esses expressamente consagrados como direitos de 2° geração, ligados precipuamente ao valor igualdade. 

BIBLIOGRAFIA
ARRUDA. José Jobson de A. e PILETI. Nelson. Toda a História, História Geral e História do Brasil, Ed. Ática, 11º ed. 1999.
BULOS. Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional, 4°ed., Saraiva: 2009.
CANOTILHO. J.J Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, 6° ed., Comibra: Almedina, 1993.
MARTINS. Sérgio Pinto. Comentários às Súmulas do TST, Atlas. 3° ed., 2009.
NOVELINO. Marcelo. Direito Constitucional, Ed. método, 2° ed., 2008.

NOTA
Entenda-se como agente público, para fins de interpretação constitucional, todas as espécies de seres humanos que servem ao Poder Público, mesmo esporadicamente. Agentes públicos, aqui são os particulares em regime de colaboração com o Poder Público, na sua subespécie contratados.(Curso de Direito Constitucional, Uadi Lammego Bulos, p. 888, Saraiva, 2009),

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