Disputa desigual

Limites da propaganda eleitoral causam divergências

Autor

7 de maio de 2010, 15h30

O juiz eleitoral Luiz Márcio Pereira, que coordena a fiscalização da propaganda eleitoral no Rio de Janeiro, mostrou-se rigoroso no combate aos tipos de publicidade que os políticos fazem de forma dissimulada, antes do prazo permitido, que acabam não sendo declarados e causam uma disputa desigual na campanha. Para ele, os políticos “acham normal o uso do caixa dois” e isso precisa ser combatido. O juiz participou de um painel no Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, em Brasília, e contrariou os colegas de debate, o ex-ministro do TSE, José Eduardo Alckmin, e o secretário-geral da OAB, Marcus Vinicius Coelho, para quem a propaganda eleitoral deve ser mais liberada. 

Os três debatedores concordam que o abuso de poder econômico deve ser combatido, mas divergem quanto aos limites da propaganda eleitoral. José Eduardo Alckmin entende que o conceito de propaganda do TSE, de 1999, foi ampliado para incluir atos dissimulados de promoção pessoal que causam desequilíbrio entre candidatos. Para ele, a finalidade dos eventos feitos com a presença de candidatos realmente é promover candidaturas.

“Um ministro Chefe da Casa Civil sempre teve uma postura tão reservada, que alguns nem são mais lembrados. No entanto, tivemos uma ministra que teve uma grande exposição e isso não é próprio do cargo, tanto que hoje já não se vê o presidente da República acompanhado da sua atual ministra. Parece-me evidente a intenção de fazer uma promoção com aspectos eleitorais”, disse o advogado.

Alckmin entende que o ato que promove a candidatura “não precisa falar ou insinuar que alguém é candidato. Se a candidatura já é de conhecimento de todos, claro que o ato que tem por objetivo a promoção da candidatura e isso é suficiente para que seja configurado o ilícito da propaganda antecipada”. Para ele, existem meios dissimulados, como inauguração de obras e propagandas comparando o governo atual e o anterior, de forma a evidenciar o candidato à reeleição.

De acordo com o ex-ministro do TSE, a Justiça Eleitoral tende a ser rigorosa. Já multou um candidato que distribuiu calendário com destaque para a data das eleições. Mas, há muitas controvérsias sobre a propaganda eleitoral antecipada. No ano eleitoral, os partidos políticos tendem a usar seus espaços na TV para falar de candidatos. A Justiça Eleitoral admite algumas aparições de candidatos para falar do programa do partido, mas não pode haver promessas eleitorais. Além de considerar uma avaliação subjetiva, Alckmin não concorda com a rigidez da Justiça Eleitoral e indaga qual a razão de existir o partido político. Para ele, o partido existe para viabilizar que um grupo político chegue ao governo, mas a contra-senso, o partido é impedido de falar de eleições. Ele questiona a constitucionalidade da Lei 9.096, que proíbe a conduta. “Se os partidos têm ampla autonomia para se organizar, também o uso do programa partidário deveria ser da mais ampla liberdade, inclusive para promover candidatos. É uma lei paradoxal, existe para dar espaço aos partidos, mas não pode falar de eleição”, criticou.

Festa da democracia
O secretário-geral da OAB, Marcus Vinicius Coelho, disse que o debate sobre propaganda eleitoral está fora de foco. Ele entende que é preciso analisar se a propaganda é abusiva de poder ou se é expressão de liberdade. O conselheiro da OAB entende que a discussão em torno da propaganda eleitoral antecipada “é menor”. E o que precisa ser observado é “o abuso de poder, independentemente do momento e local onde a propaganda é feita”. 

“A propaganda eleitoral, desde que seja feita no sentido lícito, não havendo abuso de poder econômico e uso da máquina administrativa, é o principal antídoto contra o abuso de poder econômico. Evitar o debate político e a discussão de ideias é prestigiar e estimular os políticos que fazem campanha às vésperas das eleições comprando votos”, afirmou Marcus Vinicius. Para ele, não há uma distinção entre propaganda eleitoral e promoção pessoal, mas “uma ideia muito exagerada, principalmente do Ministério Público, de que tudo possa ser propaganda eleitoral antecipada”.

Marcus Vinicius também vê incoerência na legislação, pois a população reclama que os políticos só aparecem em época de eleição, enquanto há impedimentos sobre a propaganda antecipada. “Se não há abuso de poder, quanto mais propaganda, mais a democracia é vivenciada e o país fortalece o estado de direito”.

O secretário-geral da OAB se referiu aos limites de tempo, forma e conteúdo da propaganda eleitoral, mas ressaltou que a maior proibição é exatamente a mais desrespeitada. O artigo 27, parágrafo primeiro da Constituição veda a promoção pessoal do agente público na propaganda institucional. O assunto foi positivado na lei eleitoral, que considera abuso de poder a infração a esse dispositivo. “É preciso estar atento, não só nas eleições presidenciais, mas também aos governadores, que utilizam de atos oficiais e transformam a obra em ato político, ferindo o princípio da impessoalidade”.

Caixa dois
O contraponto foi feito pelo juiz eleitoral do Rio de Janeiro, Luiz Márcio Pereira, para quem o combate ao poder econômico não pode ter olhos de “festa da democracia”, mas “deve ser diferenciado, com a ideia de que aquilo que não entra na prestação de contas como gasto de campanha, não pode ser liberado”. Luiz Márcio vai coordenar a fiscalização da propaganda eleitoral no RJ, nas eleições de 2010 e mostrou rigidez quanto à propaganda antecipada.

O juiz mostrou outros meios de propaganda dissimulada, proibidos até mesmo no período em que a propaganda é permitida. Segundo ele, a propaganda dissimulada é uma prática comum, por meio de panfletos, placas, faixas e encartes em jornais. Em alguns casos, a propaganda é mais cara do que o valor que o candidato vai receber licitamente durante todo o exercício do seu mandato. “O que preocupa é que esses gastos, muitas vezes altos, não entram na prestação de contas dos candidatos e isso provoca um desequilíbrio”, disse. O juiz explicou que o material é apreendido porque “é preciso colocar limites, pois esse tipo de ato antecipa o processo eleitoral”. 

Luiz Márcio vê a reeleição como forma desigual de disputa eleitoral. “Aquele que tem o mandato tem a vantagem de usar suas realizações para dissimular propaganda”, explicou. Para o juiz, é preciso encarar a realidade e mudar os procedimentos. Caso contrário, “vamos continuar lendo nos jornais os políticos dizendo que mensalão não é corrupção, mas caixa dois de campanha, como se isso fosse algo permitido, lícito e normal. Para grande parte dos políticos, caixa dois é normal, inclusive vimos há poucos dias, pela TV, um deputado indagar aos colegas se algum deles não tinha caixa dois”.

O juiz eleitoral do Rio recomendou mais cuidado por parte dos candidatos. Segundo ele, “em ano eleitoral não surge programa governamental novo e não é possível fazer pesquisa sem que ela seja registrada. Por isso, no ano eleitoral aquele que tiver filiação partidária não tente fazer promoção pessoal, porque isso tem finalidade eleitoral”.

As novidades eleitorais
Os três palestrantes do Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral destacaram as novidades da legislação sobre propaganda eleitoral. Segundo José Eduardo Alckmin, a Lei 12.034 introduziu o artigo 36-a na Lei 9.504/97, que não considera propaganda eleitoral antecipada as entrevistas dos candidatos, desde que não haja pedido de voto. Não há como impedir que a imprensa promova ampla cobertura sobre os debates políticos, mas deve haver tratamento isonômico e não pode haver desequilíbrio com favorecimento de espaço para certos candidatos.

Marcus Vinicius disse que “em boa hora” a Justiça Eleitoral disciplinou a propaganda pela internet. Além dos sítios dos candidatos e dos partidos, é permitido usar blogs, mensagens eletrônicas e redes sociais. Para assegurar a igualdade entre os candidatos, é proibida a propaganda paga e, ainda que gratuita, em sites de pessoas jurídicas (portais de notícias), mesmo os sem fins lucrativos, além dos sites oficiais.

O juiz Luiz Márcio destacou o artigo 74 da Resolução 23.191 do TSE, que estabelece a responsabilidade do candidato que não promove a retirada da propaganda irregular quando for intimado pela Justiça Eleitoral. A novidade é que a intimação agora poderá ser feita por qualquer cidadão, semelhante à prisão em flagrante prevista na lei penal. Com a notificação, o candidato deve retirar a propaganda e caso isso não ocorra estará configurada a certeza de sua autoria com a devida responsabilização.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!