Concorrência na Justiça

Jurisprudência internacional tem princípios locais

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4 de maio de 2010, 14h40

A pretensão de se tomar como modelo a jurisprudência de diversos países sobre Direito concorrencial deve ser dosada com uma avaliação criteriosa das peculiaridades do Direito de cada um, mesmo em um conglomerado econômico como a União Europeia. A observação serviu de pontapé inicial do novo Centro de Estudos de Direito Econômico e Social, o Cedes, fórum recentemente criado no país com o apoio da iniciativa privada, sob a direção de João Grandino Rodas, especialista em Direito Empresarial e reitor da Universidade de São Paulo.

Em seminário de abertura do evento que acontece nesta terça e quarta-feiras (4 e 5 de maio) em São Paulo, o professor Christopher Townley, do King’s College London, do Reino Unido, afirmou que, além das diferentes leis e regulamentações locais que regem a concorrência, os princípios que norteiam tanto legisladores quanto tribunais também podem prejudicar comparações.

É o caso do conceito de bem-estar do consumidor, princípio que gera diferentes interpretações tanto da comissão europeia que analisa disputas concorrenciais quanto de diferentes instâncias do Judiciário. Embora algumas doutrinas entendam que, ao se beneficiar uma empresa, a economia em geral é privilegiada, o que resulta indiretamente em melhor condição de vida aos consumidores, as cortes privilegiam o favor direto ao consumidor. “O bem-estar, segundo o conceito da União Europeia, é específico do consumidor, e não total”, afirma.

Mesmo assim, o princípio do consumidor no pedestal não é o único a ser levado em conta, na opinião do prefessor. Ele citou o exemplo do Reino Unido, em que, devido a uma política pública, é o Estado quem determina os preços dos medicamentos. Uma disputa que começou em 2006 envolvendo a gigante farmacêutica britânica GlaxoSmithKline PLC só terminou em outubro do ano passado, quando foi julgada pela Corte Superior Europeia, depois de reversões tanto administrativas quanto judiciais. A Glaxo proibiu a exportação dos remédios da Espanha para a Grã-Bretanha sem uma correção nos preços. É que, na Espanha, o produto podia ser adquirido a preços bem menores, o que dava lucro a intermediários que o revendiam na Inglaterra, por exemplo. Como o preço no destino já era fixado, a diferença ficava no bolso dos revendedores.

A indústria resolveu aumentar o preço de medicamentos vendidos na Espanha com finalidade de exportação, mas a Corte Europeia considerou o sobrepreço abusivo. Para o tribunal, embora a empresa tenha usado o argumento de que, em benfício aos consumidores, a diferença deveria ficar no seu bolso, e não no dos intermediários, já que a indústria poderia desenvolver novos produtos úteis, outro princípio não poderia ser ignorado, que é o da integração dos mercados. “O tribunal entendeu que a empresa segregou a circulação da mercadoria no Reino Unido”, diz Townley.

“Aprender sobre os sistemas dos outros é importante, mas temos que respeitar diferenças. Usar a jurisprudência alheia ajuda, mas em alguns casos temos que ignorá-la, quando outros valores são mais importantes. Vocês, por acaso, têm que se preocupar com integração de mercado?”, questionou o professor. “Tomem cuidado ao analisar nossos julgamentos, e nós tomaremos cuidado nos seus.”

Fazendo um paralelo com o Brasil, uma diferença interna de interpretações do Judiciário e do Conselho Administrativo de Direito Econômico do Ministério da Justiça tem causado insegurança jurídica no país, segundo o ex-presidente do Cade, ex-consultor jurídico do Itamaraty e atual presidente do Cedes, João Grandino Rodas. “É muito difícil fazer prognósticos se, a cada decisão sobre assuntos similares, o Cade se manifesta de diferentes formas”, afirma. No entanto, Rodas reconhece já haver uma mudança progressiva. “O Direito antitruste no Brasil vem se decantando por influência mútua do Cade, formado por especialistas, e da Justiça federal, composta de juízes de carreira, que julgam ações de naturezas diversas. Nos últimos dez anos, o Cade vem se adequando a aspectos processuais mais jurídicos. Da mesma forma, Justiça usa decisões do Cade como fonte.”

Segundo o reitor, existe a diferença até mesmo no tratamento concorrencial de setores econômicos distintos. “Alguns segmentos são ingnorados, como o de transporte terrestre, enquanto que o de transporte aéreo é acompanhado de perto”, compara.

Modelo alemão
Com a inspiração no Instituto Max Planck, think thank alemão, o Cedes concentrará teses e jurisprudência nacional e internacional sobre Direito Concorrencial, do Consumidor, Tributário e Trabalhista. O centro tem o patrocínio da Nestlé, Ambev, Editora Abril, Unilever e Microsoft, e deve ganhar novos apoiadores.

De acordo com Grandino Rodas, a intenção da entidade é ser “um sistema misto, com prisma interdisciplinar e muito Direito Comparado internacional”, com autonomia e independência em relação a seus patrocinadores. “Queremos que, a médio prazo, a chancela do centro seja sinônimo de credibilidade”, diz.

O seminário de abertura, que acontece no Grand Hyatt São Paulo Hotel, terá ainda as palestras do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, do ministro da Defesa, Nelson Jobim, da secretária de Direito Econômico do Ministério da Justiça, Mariana Tavares, dos advogados Luiz Roberto Barroso, Tércio Sampaio Ferraz e Ubiratan Mattos, do deputado federal e ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci (PT-SP), e dos professores João Manoel Pinho de Mello, Renato Flores e Frédéric Jenny, da ESSEC Business School (França).

O segundo evento da entidade, ainda em 2010, será sobre Direito do Consumidor. Em 2011, os seminários tratarão das áreas trabalhista e fiscal. Todos os estudos do Cedes serão publicados na internet.

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