Liberdade religiosa

Estudiosos põe à prova neutralidade do estado laico

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2 de maio de 2010, 10h00

A definição de Estado laico não é tão simples como parece quando confrontada com a realidade brasileira. Estudiosos de Direito Constitucional e de Teologia, reunidos na Universidade Mackenzie, em São Paulo, põem em xeque a neutralidade do estado brasileiro frente a questões religiosas como o uso de crucifixo em prédios públicos, a existência de feriados religiosos no calendário civil, até o acordo Brasil-Vaticano, firmado em fevereiro pelo governo.

A liberdade religiosa está entre as garantias fundamentais previstas pela Constituição brasileira. Diz o inciso VI do artigo 5º: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Segundo o professor André Ramos Tavares, há ainda garantias de respeitar a história das religiões pela simples obrigação constitucional de preservar a cultura e os costumes do país.

A presença de imagens religiosas nas paredes de prédios públicos tem sido constantemente questionada nos tribunais. Para a Justiça Federal em São Paulo, que julgou pedido do Ministério Público Federal para a retirada desse tipo de imagem, a presença de símbolos religiosos em locais públicos não ofende os princípios constitucionais de laicidade do Estado nem de liberdade religiosa. Para o Conselho Nacional de Justiça os crucifixos presentes nas salas dos tribunais são uma representação da cultura nacional e, por isso, devem permanecer lá.

Para o professor Francisco Jucá, essa forte religiosidade demonstrada pelo brasileiro é o que põe em dúvida a definição do Brasil como estado laico. Segundo Jucá, o estado laico se diz neutro, mas a neutralidade absoluta é a indiferença total e é impossível para o homem, que sempre se posiciona. Como exemplo, ele conta de uma viagem a Belém em que viu fiscais autuando um grupo religioso afrodescendente por falta de alvará em sua sede. Ele não teve dúvidas, se meteu na briga e desafiou os agentes: “Antes de exigir esse alvará, eu quero que vocês me apresentem o da Catedral da Sé”. Até hoje, ele não conseguiu ver o documento, mas aquela sede religiosa também não foi mais incomodada.

Para Jucá, que é professor universitário e juiz da 14ª Vara Cível da capital, é apenas mais um exemplo de que é “balela” definir o Brasil como estado laico. “Não existe Constituição feia ou bonita, mas a possível, feita no contexto histórico de uma sociedade em um determinado momento. A América nasceu cristã. Negar a religiosidade do brasileiro é a busca pela negação das próprias origens, da nossa cultura”, afirma Jucá. O Brasil foi considerado um país católico com a Constituição de 1824, apesar de permitir cultos em locais privados. Passou a ser um estado laico com a primeira Constituição promulgada com a chegada República, em 1891

Com base na própria história Jucá demonstra comprova o quanto é difícil separar Estado e Igreja. “Basta lembrar dos saques feitos à Igreja Católica durante a guerra civil espanhola. Foram atos totalmente políticos, contra religiosos que incomodavam os governantes da época”.

O professor André Ramos Tavares concorda que a neutralidade é impossível, e é por isso mesmo que o estado laico não representa o total afastamento entre Estado e religião. Um exemplo disso é a decisão da Justiça americana, em um caso envolvendo a Universidade de Virgínia. A Justiça concluiu que os fundos públicos podem ser utilizados para financiar eventos que tratem de liberdade religiosa. “Isso reafirma que o Estado laico não reprime totalmente o envolvimento do Estado com a religião”, afirma o professor Tavares.

Debate sem fim
Porém, há casos em que esse limite é posto em dúvida, como a decisão do governo brasileiro de firmar um acordo com o Vaticano. Em fevereiro, o presidente Lula promulgou o acordo assinado em 2008 pelo governo brasileiro com a Santa Sé (Vaticano), que define o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. Entre outros pontos polêmicos, o acordo, destaca a importância do ensino religioso, "católico e de outras confissões" e o considera "disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental", embora de matrícula facultativa.

Pela infinidade de pontos polêmicos, esse debate apenas começou na visão dos professores da Universidade Mackenzie. Segundo o coordenador do curso, Claudio Honor, a partir desse debate foram formados grupos de estudo que devem resultar em um congresso internacional dedicado ao tema. A história da própria Universidade, que é protestante, retrata os paradoxos do tema: na década de 30 a instituição foi acusada de ser fachada para dar “publicidade ao protestantismo”, no país.

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