Estado policialesco

Não se evita crimes cometendo crimes

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  • José Nabuco Filho

    é mestre em Direito Penal pela Unimep professor de Direito Penal e Processo Penal da Uniban e de pós-graduação do Centro Universitário Claretiano.

23 de junho de 2010, 17h32

Um dos vícios que mais empobrecem o debate sobre os Direitos Humanos é o maniqueísmo. Segundo essa forma de pensar, há sempre dois lados antagônicos nos episódios sociais: o bom e o ruim.

Ao fazer a opção pelo lado bom, rejeita-se qualquer ponderação ou defesa de aspectos relevantes daquele que é considerado o lado ruim. Segundo essa visão, ao se escolher o lado das vítimas, deve-se combater qualquer direito dos “bandidos”. Essa ideia gera simplificações que dificultam a compreensão sobre questões relevantes.

Imaginemos que um estuprador em série seja linchado por moradores revoltados de um bairro. É preciso escolher um lado ou é possível ser contra todos os atos violentos ocorridos nessa história?

Ora, é óbvio que para ser solidário às vítimas dos estupros não é preciso ser favorável ao linchamento. Do mesmo modo, não é preciso ser tolerante à violência policial para consolar a dor de quem sofreu com o crime.

Essa capacidade de ponderação é essencial a qualquer pessoa que queira fugir do senso comum das bravatas de alguns setores da sociedade, que preconizam sempre que “os bandidos têm muitos direitos”. Indagações como “e os direitos das vítimas?” contêm uma premissa falsa, por serem maniqueístas. Garantir direitos mínimos ao acusado ou ao condenado não é ser insensível à dor das vítimas.

É plenamente possível ser contra a violência que sofreu o cidadão e, ao mesmo tempo, contra a violência dos agentes do Estado.

O distorcido raciocínio dualista serve apenas para justificar atos violentos e arbitrários. Basta que se veja que o esquadrão da morte foi defendido, em 1970, por representantes da classe policial, sob a alegação de que o Judiciário respeitava demais os direitos dos criminosos.

Por outro lado, não se pode deixar de apontar que a violência dos agentes da repressão — torturas físicas ou morais e homicídios — têm uma gravidade maior, na medida em que esses indivíduos recebem seus vencimentos do Estado para fazer cumprir a lei.

Além disso, é perceptível que a violência estatal não tem qualquer eficácia na conquista da segurança pública. O melhor exemplo é o Bope, tropa de elite da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Esse batalhão notabilizou-se pela violência. Seu símbolo é um crânio com uma faca espetada em cima, em evidente referência à morte, e seus agentes treinam cantando trovas exaltando a morte. Em resumo, há anos o Rio de Janeiro tem uma polícia violenta e nem por isso se vive tranquilamente.

É preciso desmistificar o discurso confuso. Abre-se mão da legalidade, na esperança de se conseguir mais segurança. A experiência demonstra, contudo, que uma sociedade que envereda por esse caminho não conquista a segurança e ganha de presente a violência endêmica do Estado. Essa violência que, inicialmente, recebe o aplauso da sociedade por ser contra criminosos, se agiganta, tornando-se um grande aparato estatal incapaz de distinguir as pessoas que atinge.

Não há país civilizado, digno desse adjetivo, onde não haja respeito aos Direitos Fundamentais da pessoa humana. Não se evita crimes cometendo crimes. Não se obtém a legalidade senão exercendo a legalidade.

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