Marco Aurélio, 20

Limites democráticos da liberdade de informação

Autor

  • René Ariel Dotti

    é advogado professor titular de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná conselheiro federal da OAB e vice-presidente da Associação Internacional de Direito Penal.

23 de junho de 2010, 13h19

Spacca
Marco Aurélio 20 Anos no STF - Selo - Spacca

1. A relevante decisão do Supremo Tribunal Federal

No dia 30 de abril de 2009, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente o pedido formulado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, “para o efeito de declarar como não-recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de dispositivos da Lei Federal 5.250, de 9 de fevereiro de 1967”, a chamada lei de imprensa.

O Partido Democrático Trabalhista – PDT, autor da ADPF, sustentou que a Lei 5.250/67, que “regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação”, é incompatível com a Constituição Federal de 1988, em especial com o artigo 220, parágrafo 1º, que dispõe: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”.

O argumento foi acolhido por 7 (sete) dos 11 (onze) ministros do Supremo Tribunal Federal: Carlos Ayres Britto (relator), Eros Grau, Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e Celso de Mello.

Os ministros Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Gilmar Mendes, pronunciaram-se pela parcial procedência da ação, mantendo em vigor alguns dispositivos da Lei de Imprensa, notadamente os preceitos definidores de crimes e os que disciplinam o direito de resposta, que, segundo eles, estão em harmonia com a Constituição.

O ministro Marco Aurélio votou pelo não conhecimento da ADPF, por entender que o pedido não caracterizava o objeto da ação, ou seja, a demonstração de descumprimento de preceito fundamental, argumentando que, após a Constituição Federal de 1988, as normas da Lei 5.250/67, de natureza inconstitucional, não estavam mais sendo aplicadas. A lei fora “purificada pelo crivo equidistante do próprio Judiciário”, que não aplica os dispositivos que se contrapõem à Constituição Federal. Salientando, mais de uma vez, que a causa em exame não se tratava de Ação Direta de Inconstitucionalidade ou de Ação Declaratória de Constitucionalidade, o ministro Marco Aurélio enfatizou: “Deixemos a cargo de nossos representantes, dos representantes do povo brasileiro, a edição de uma lei que substitua essa, sem ter-se enquanto isso o vácuo que só leva à babel, à bagunça, à insegurança jurídica, sem uma normativa explícita da matéria”.

Em síntese, a Suprema Corte reconheceu a existência de uma reserva de legalidade ao declarar os efeitos jurídicos da decisão: “Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações de imprensa”.[1]

2. Alguns aspectos do voto vencido
Aludindo aos estudos e à minha contribuição doutrinária durante muitos anos no trato desta matéria e, em especial, como relator de um anteprojeto de Lei de Imprensa elaborado por comissão de juristas e jornalistas instituída pela Ordem dos Advogados do Brasil e coordenada pelo ex-ministro Evandro Lins e Silva (1991), o ministro Marco Aurélio destacou vários aspectos positivos daquele disegno di legge e rejeitou a premissa utilizada pela imprensa e pela própria Corte, de que o julgamento seria concentrado no propósito de varrer o chamado lixo autoritário, como herança do regime militar. Considerou equivocada a interpretação, dada pela maioria dos juízes do STF, segundo a qual a cláusula de reserva do parágrafo 1º do artigo 220 da lei fundamental seria obstáculo a impedir a elaboração de leis acerca da liberdade de imprensa, ainda que contenha disposições de reforço à proteção desse bem jurídico e de punição dos abusos.

3. A redação e remessa da carta
Na condição de advogado e professor de Direito Penal e atendendo ao dever funcional de contribuir para “o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis”, como determina o artigo 2º, parágrafo único, V do Código de Ética e Disciplina da OAB, redigi e encaminhei ao ministro Marco Aurélio a carta cujo texto segue adiante. A correspondência teve a fundamentá-la, também, o princípio de que o advogado é “imprescindível à administração da Justiça” (CF, art. 133), prestando serviço público na função social que exerce (Lei nº 8.906/94, art. 2º, §1º).

4. A confiança nos juízes
Em sua clássica obra Elogio dei giudici scritto da un avvocato, o imortal Piero Calamandrei destaca a confiança na magistratura como o primeiro dever do advogado. E numa das passagens mais eloquentes desse primeiro capítulo de seu pequeno-grande livro, o mestre italiano nos diz: “Enquanto ninguém o perturba ou o viola, o direito rodeia-nos, invisível e impalpável, como o ar que respiramos, insuspeitado como a saúde, cujo preço apenas conhecemos quando se perde. Mas quando o direito está ameaçado e oprimido, desce do mundo astral, onde descansara no estado de hipótese, e espalha-se pelo mundo dos sentidos. Encarna-se então no juiz e torna-se a expressão concreta de uma vontade operante por intermédio de sua palavra. O juiz é o direito tornado homem. Na vida prática só desse homem posso esperar a protecção prometida pela lei sob uma forma abstracta. Só se êsse homem souber pronunciar a meu favor a palavra de justiça, poderei certificar-me que o direito não é uma sombra vã. Por isso se coloca o verdadeiro fundamentum regnorum não apenas no jus, mas também na Justitia. Se o juiz não tem cuidado, a voz do direito é evanescente e longínqua como a voz inatingível dos sonhos. Não me é possível encontrar na rua por onde passo — homem entre os homens na realidade social — esse direito abstracto, que vive apenas nas regiões astrais da quarta dimensão. Mas posso encontrá-lo, oh juiz, testemunha corpórea da lei, de que depende a sorte dos meus bens terráqueos”.[2]

Além desse sentimento, permanente no exercício diuturno da profissão que abracei há mais de 50 anos, devoto pelos juízes e tribunais o profundo respeito pela missão humana e social que exercem e pela liberdade de convicção que alimenta as suas decisões. No entanto, faço ressalva à frase rotineira segundo a qual “decisão judicial não se discute”. A realidade do homem, do mundo e da vida, exige que todo e qualquer julgamento proveniente do coração e da mente possa e deva ser discutido.

E, conforme as circunstâncias, modificado.

Esse, aliás, é um dos caminhos do progresso.

Segue o texto integral da carta.

Curitiba, 1º de maio de 2009.

O conflito entre a liberdade de informação e os direitos da personalidade, entre eles os relativos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, será resolvido em favor do interesse público visado pela informação”.

(Art. 8º, do Anteprojeto de Lei de Imprensa elaborado por Comissão da OAB, sob a presidência e coordenação do Ministro Evandro Lins e Silva). (DCN , 14.08.1991, p. 4770).

Senhor Ministro

Marco Aurélio Mello:

Acompanhei boa parte dos votos e o resultado do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 130, que culminou com a surpreendente decisão que salgou a terra inteira por onde germinou, floresceu e deu frutos a Lei 5.250/67.

Vi e ouvi, entre fascinado e entediado, a decantação de doutrinas nacionais e estrangeiras e os mais formosos discursos motivados pelas Declarações de Direitos e tribunais judiciários de várias partes do mundo, com destaque para a Suprema Corte dos Estados Unidos. O tempo gasto com a exposição e a defesa de princípios e normas das liberdades públicas, entre elas, a liberdade de informação jornalística — já presentes na consciência jurídica nacional e aplicados pela jurisprudência após a Carta Política de 1988 — deu-me a impressão de que ainda estávamos no tempo da resistência civil contra o Estado autoritário de Direito.

Vi e escutei votos repletos da erudição e do entusiasmo que fariam sacudir os auditórios das Conferências Nacionais da OAB durante os anos 70, quando as teses sobre o Estado Democrático de Direito e tudo quando dele resulta eram defendidas por setores da militância pacífica ou armada contra a ditadura ou por juízes, jornalistas, escritores, poetas, artistas, filósofos e advogados que, como eu, pensavam, falavam, escreviam e ainda conseguiam (com restrições da censura prévia), publicar ideias sobre a dignidade da pessoa humana e da luta contra a opressão e a intolerância ideológica que mandavam para o patíbulo do processo injusto e do cárcere humilhante os dissidentes e os hereges das ordens políticas dos novos tempos. Aquelas frestas de liberdade eram abertas em horas e dias alternados entre a cátedra universitária e as audiências/julgamentos dos tribunais castrenses organizados para julgar civis acusados de “crimes” contra a Segurança Nacional, bem jurídico de oportunismo totalitário, porém elevado à sagração ideológica para a depuração dos costumes políticos e administrativos e das culturas da corrupção e da subversão.

Vi e ouvi quando o senhor Ministro perguntou a si mesmo em que país estava vivendo quando a cláusula salvatória do parágrafo 1º do artigo 220 da Constituição Federal, (filha dileta da Emenda I à Constituição dos Estados Unidos)[3], estava sendo lida como proibição de legislar ainda que para proteger as liberdades de manifestação do pensamento, de expressão e de comunicação pelos jornais e outros veículos. Tanto o seu raciocínio lógico como a interpretação correta do ministro Gilmar Mendes são irretocáveis: a proibição de lei sobre a liberdade religiosa, por exemplo, jamais poderia impedir o Congresso de editar normas criminalizadoras do abuso dessa liberdade ou de seu uso como tacape da intolerância. É o caso de se perguntar: não existe, em nosso ordenamento legal, um número imenso de normas constitucionais e infraconstitucionais que são objeto de regulações para melhor aplicação nos casos concretos e a mais adequada exegese do direito em abstrato?[4] Em outros termos: a norma constitucional que garante a segurança (pública e individual) e, por extensão, tutela a integridade física das pessoas, poderia impedir a criminalização das lesões corporais ou dispensaria a indicação dos elementos constitutivos da defesa legítima?

O ministro Gilmar Mendes, em suas ponderadas objeções ao precedente da salgação da terra lavrada[5], não obteve da maioria de seus pares o apoio de uma caridosa permissão de regras mínimas para um procedimento que possa, embora insuficientemente, viabilizar o exercício dos direitos de resposta e retificação.

A maioria do Supremo Tribunal Federal decidiu que a magistratura poderá dispensar bases normativas específicas para decifrar o enigma da esfinge da correta ponderação de bens e interesses postos em colisão nas matérias divulgadas pelos meios de comunicação. Não me refiro à experiência de vida e à lição dos anos que modelam a biografia dos ministros dos tribunais superiores da República, responsáveis pela guarda da Constituição e pela interpretação uniforme à lei federal quando surgirem os problemas acerca do vazio legislativo para se efetivarem os direitos fundamentais. Na ausência de um juiz garantista[6], para preservar nos procedimentos de investigação criminal os suspeitos e indiciados contra desvios de poder e abuso de autoridade, eu penso, infelizmente, nos magistrados desertores do bom senso e apóstolos da pregação intolerante no rosário de ameaças à liberdade.

Disseram alguns ministros que o sistema processual brasileiro está provido de medidas cautelares para prevenir ou inibir os excessos e que na sua falta o juiz poderá “recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito” (CPC, art. 126). Mas, como poderão os modestos de inteligência e hipossuficientes de lógica jurídica prover a ausência da norma, ou seja, “legislar” nesse terreno difuso de interesses e na escuridão dos caminhos sem um critério de luz para identificar a preponderância, nos exemplos cotidianos, de um bem sobre outro, quando ambos são proclamados como relevantes e, in these, no mesmo plano de valoração? Causou-me espanto a afirmação enfática de que os direitos de resposta e retificação podem ser pleiteados judicialmente somente com a invocação da cláusula constitucional de garantia e o implemento de regras do ordenamento processual geral. Mas como dispensar o uso de fórmulas normativas próprias para orientar a decisão no conflito profundo, sensível e irreconciliável entre a liberdade de informação e os direitos da personalidade, quando a nossa cultura forense nunca se libertou do carimbo? Quando as mazelas e carências do Estado-Administração conduzem a política legislativa de urgência para editar leis processuais visando represar recursos interpostos em favor dos direitos fundamentais no processo penal? E que, em lugar de ampliar os caminhos de proteção da liberdade física, substituindo, em inúmeros casos de prisão, a capa de autuação do recurso especial e do recurso extraordinário para a rotulação de habeas corpus, levantam novas barreiras formais para o seu conhecimento? A concessão ex officio do writ[7] tem sido letra morta há muitos anos. Como olvidar o objetivo didático da lei para se tornar conhecida e respeitada pelos cidadãos em geral[8] e não somente pelas autoridades e agentes de sua aplicação?

Um dos assuntos mais instigantes da obra imortal de Beccaria (a obscuridade das leis), pode servir de referência para se evidenciar a necessidade de um diploma específico para punir não somente os abusos mas, também e principalmente, para declarar e efetivar direitos, garantias e interesses que gravitam no universo da comunicação social. Disse ele, no eterno Dei delitti e delle pene (1764): “Quanto maggiore sarà il numero di quelli che intenderanno e avrano fralle mani il sacro códice delle leggi, tanto men frequenti saranno i delitti i delitti, perché non v’há dubbio che l’ignoranza e l’incertezza delle pene aiutano l’eloquenza delle passioni” (§ V).

É elementar que os votos afirmando que o exercício dos direitos de resposta e de retificação não carece de nenhuma lei ordinária são manifestamente equivocados porque: a) o Judiciário não pode interditar um dos direitos essenciais da cidadania, ou seja, a iniciativa popular no processo legislativo (CF, art. 61, caput e §2º)[9]; b) o Judiciário não pode invadir a esfera de competência de outros poderes, verbi gratia do Legislativo.[10]

Por ordem do Supremo Tribunal Federal e a partir da execução do julgado (passará incólume aos indispensáveis embargos de declaração para suprir omissões, resolver contradições e aclarar obscuridades?) estará inaugurado o portentoso e surrealista festival do juiz de plantão,[11] do improvisado legislador a estabelecer atalhos processuais, ex auctoritate propria, para a tutela dos profundos, complexos e sensíveis direitos da personalidade que constituem um dos núcleos humanos da segurança coletiva. Não se pode ignorar a lição da História, que registra infinitos e trágicos exemplos do totalitarismo da toga quando o direito não é expressão da lei mas da vontade do juiz!

Todos os trabalhadores do Direito e da Justiça sabem que a lei é um instrumento absolutamente indispensável para regular a vida em sociedade, principalmente quando a mídia sensacionalista e opressiva exerce poderes tentaculares contra liberdades, garantias e direitos essenciais, produzindo continuadamente o eclipse do indivíduo. A falta de regras mínimas para: a) Legitimar o autor do pedido de resposta ou retificação; b) Delimitar seu conteúdo; c) Fixar prazos do requerimento e da decisão; d) Indicar os espaços, o tempo ou a imagem de resposta ou retificação sobre informação ou opinião[12] e para cominar a sanção ao descumprimento da decisão judicial, conduzirá ao raciocínio ingênuo e à esperança vã de que as empresas jornalísticas e de radiodifusão de sons e imagens devem elaborar um código ético de autorresponsabilidade que possa promover o equilíbrio de armas entre o cidadão comum e o poder de um acanhado jornal de bairro. Como o cidadão agravado criminosamente poderá levar a melhor nesse diálogo entre a corda e o pescoço na liturgia de enforcamento moral? Como esperar que a raposa cuide das galinhas?

Até agora, 20 anos da Constituição, não existe a legislação ordinária para evitar, por exemplo, que a produção e a programação de rádio e televisão atenda a princípios elementares de educação de costumes, como, por exemplo, o “respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família” (art.221, IV). Ou será que o povo deposita esperança no malsinado e inerte Conselho de Comunicação Social (Lei nº 8.389/91), que jamais cumpriu, nestes anos de vida inútil, um mínimo da missão para a qual foi concebido? A radical afirmação de que a liberdade de informação não admite a intervenção reguladora do Estado, mesmo nos regimes democráticos, é flagrantemente contraditória frente ao truísmo de que não há direitos nem garantias absolutos.

Bem a propósito, o artigo 39º da Constituição portuguesa (“Regulação de comunicação social”), com o seguinte texto: “1. Cabe a uma entidade administrativa independente assegurar nos meios de comunicação social: a) O direito à informação e à liberdade de imprensa; b) A não concentração da titularidade dos meios de comunicação social; c) A independência perante o poder político e o poder econômico; d) O respeito pelos direitos, liberdades e garantias pessoais; e) O respeito pelas normas reguladoras das actividades de comunicação social; f) A possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião; g) O exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política”(Grifos do original).

Em minha carta[13], eu presto um depoimento pessoal, de advogado que também atua nas salas e corredores do primeiro grau de jurisdição, acerca dos Juizados Especiais Criminais, “que em seu nascimento prometiam uma ‘revolução copérnica’ nos usos e costumes processuais de feição clássica, [mas que] estão se convertendo em mercados forenses de liquidação”.

Para fugir da “justiça criminal” das cestas básicas e dos acordos homologados com a interdição da autonomia da vontade individual das partes, os feridos pelas agressões da palavra ou da imagem estão procurando na esfera cível o que a lei criminal não mais oferece: uma razoável e proporcional resposta punitiva contra os delitos que afrontam a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

Em sua edição original, a Lei 9.099/95 considerava infração penal de menor potencial ofensivo, para os efeitos do mesmo diploma, as contravenções penais e “os crimes a que a lei comina pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial” (art. 61). Entre tais exceções, estavam os ilícitos de responsabilidade dos funcionários; de abuso de autoridade; contra a propriedade imaterial; contra a honra e, em especial, os delitos de imprensa.

Mas com a banalização introduzida pela Lei 11.313/2006, ampliando o conceito de crime de menor potencial ofensivo ao parâmetro máximo de 2 (dois) anos, foi ceifada a regra de exceção. E para quê? Na minha experiência pessoal e direta, posso afirmar: para reduzir (ainda que involuntariamente) o valor defensivo da honra das pessoas, sentimento que pode elevar a criatura humana aos mais altruísticos gestos ou aos atos mais desviantes como instrumento do crime passional.

E por quê? Porque as cargas oceânicas dos feitos precisavam, com urgência, ser jogadas no mar da anomia, para salvar a reputação do Estado-Jurisdição, ameaçado popularmente pelo desgaste da insensata duração dos processos. Em muitos desses desorganizados e reduzidos juizados de menor valor espiritual e tribunais massificadores de Direitos Humanos, a honra foi sacrificada em holocausto à dignidade humana, que é um dos fundamentos da República. Fez muito bem a assistencialista e preconceituosa Lei Maria da Penha, ao proclamar que as mulheres em geral e as masoquistas em particular não querem nada com o lenitivo enganoso das cestas básicas, como contraponto lúdico às agressões sofridas no corpo e na alma, e não compartilham os miríficos e impotentes diálogos dos interlocutores moucos nos murais da “conciliação” que ostentam o disfarce dos juizados especiais.[14]

É imperioso observar que a tônica de textos jornalísticos sobre o tema e que operou efeitos no julgamento, como a imprensa registrou em função de alguns votos, é a de que, sendo “produto” da ditadura militar e, portanto, compondo o chamado lixo autoritário, a Lei 5.250/67 precisava ser inteiramente revogada, pois semeada e colhida em terra condenada. Mas, admitindo a radicalização ideológica, seriam podres todos os frutos da árvore envenenada?

As normas do Código Penal, decretado durante o Estado Novo da ditadura Vargas (1937-1945), foram recepcionadas pela Carta de 1988 e o mesmo se pode dizer da legislação que determinou a reforma penal e penitenciária dos anos 70, em especial a Lei 6.416, de 24.5.1977. Esse diploma introduziu modificações profundas nos Códigos Penal e de Processo Penal, realizando reforma humanitária nos setores da aplicação e execução da pena privativa de liberdade. Entre muitos exemplos, podem ser referidos: a remuneração do trabalho do preso; a criação dos regimes aberto e semiaberto; os critérios de progressão; a temporariedade da reincidência; as alterações no sursis e no livramento condicional.

A reforma da Parte Geral do Código Penal e a edição de uma lei específica de execução penal (Leis nºs 7.209 e 7.210/84, respectivamente) surgiram durante o período em que o regime militar governava o Estado brasileiro (1964-1985). No entanto, os avanços científicos e humanitários desses diplomas são reconhecidos pela comunidade jurídica nacional e internacional.

Ao julgar procedente a ADPF 130, a Corte Suprema brasileira mandou para o limbo o regime penal mais benéfico e as garantias especiais do acusado no processo conforme a lei especial em comparação com a legislação fundamental (códigos penal e processual penal). Valem alguns exemplos: a) A retratação ou retificação como hipóteses impeditivas da ação penal e não como causa de diminuição de pena; b) A isenção de pena do ofensor que se retrata em juízo; c) A declaração mais abrangente das causas de exclusão de ilicitude, em obediência ao princípio e aos múltiplos aspectos da liberdade de informação, bem jurídico coletivo em comparação à proteção do bem jurídico individual da honra no CP; d) A generosidade dos prazos de prescrição da ação penal e da condenação;[15] e) O lugar do delito para efeito de competência jurisdicional é o do local onde foi produzida a matéria (impressão de jornal ou periódico; local do estúdio e da administração da agência noticiosa) e não o do local dos efeitos do dano; f) A observância das regras previstas no art. 41 do CPP; g) A oportunidade da defesa antes da decisão de recebimento ou rejeição da denúncia ou queixa; h) A previsão de recurso contra a decisão que acolhe a inicial etc.

Esses poucos indicadores mostram o profundo equívoco quando se procura misturar com o lixo autoritário determinadas franquias instituídas na lei extravagante em favor da liberdade de imprensa, de réus e de ofendidos.

A necessidade de um diploma próprio para tratar das múltiplas variantes da liberdade de informação foi o tema do artigo publicado na Folha de São Paulo (11.3.2008). São reproduzidos alguns trechos:

“Somente lei específica pode disciplinar adequadamente temas essenciais como: a) a responsabilidade civil e penal (relação de causalidade, autoria e participação); b) o que é legitimado pela Lei de Imprensa (art. 27) e não é justificado pelo Código Penal (art. 142), mais limitado ao estabelecer causas de exclusão do crime; c) o exercício dos direitos de resposta e retificação com peculiaridades próprias; d) os direitos, as garantias e os deveres inerentes à fundação, administração e funcionamento das empresas de jornalismo e radiodifusão; e) as concessões, permissões e autorizações para os serviços de radiodifusão de sons e imagens, bem como os casos de suspensão e cancelamento; f) a efetivação dos princípios constitucionais para a produção e programação das emissoras de rádio e televisão (CF, art. 221); g) a regra de balanceamento de bens para a aplicação do art. 220 da Constituição Federal, que declara a ‘plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social’, porém determina, no mesmo dispositivo, observar os direitos da personalidade previstos no art. 5º, inciso X, e afirmados como invioláveis: a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”.[16]

Poucos dias após, o editorial do mesmo e prestigiado órgão de comunicação, por ocasião da decisão liminar do ministro Carlos Britto, suspendendo a vigência de 20 artigos da Lei 5.250/67, afirmou:

“Sem Lei de Imprensa, só grandes empresas teriam boas condições de proteger-se da má aplicação da lei comum, levando processos até as mais altas instâncias do Judiciário. Ficariam mais expostos ao jogo bruto do poder, e a decisões abusivas de magistrados, os veículos menores e as iniciativas individuais.

A fiscalização de tiranetes e oligarcas em regiões menos desenvolvidas do país ficaria mais vulnerável. Tampouco haveria o devido amparo legal à efervescente ‘imprensa cidadã’, que dissemina blogs pela internet – inovações que merecem ter proteção especial da lei de imprensa quando revestirem caráter jornalístico”.[17]

Por outro lado, a insensata afirmação de que a liberdade de informação deve ficar à margem de controle de um Estado Democrático de Direito é um poderoso incentivo para a formação e o progresso de núcleos de terror no jornalismo marrom e a licença para os sicários da dignidade humana atentarem impunemente contra valores, bens e interesses fundamentais da sociedade e dos cidadãos como a paz pública, a defesa da privacidade e da honra e a proteção dos Direitos Humanos.

Uma ressalva deve ser feita para prevenir juízos temerários acerca de meu reconhecimento de que, em vários aspectos, a lei de imprensa revela características autoritárias modeladas sob a influência do regime militar de governo ao tempo de sua edição. Há uma contradição histórica entre o artigo 1º, caput, da Lei 5.250/67 e o seu parágrafo 1º, como se verifica pela simples leitura: “Art. 1º. É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer”; “§1º. Não será tolerada a propaganda de guerra, de processos de subversão da ordem política e social ou de preconceitos de raça ou classe”.

Em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo (1996)[18] procurei demonstrar que somente os regimes políticos despóticos podem defender a existência de uma “suprema lei de salvação pública”, como pretendia o decreto imperial de 18.6.1822, com o texto de José Bonifácio de Andrade e Silva e a rubrica do Príncipe Regente. O objetivo era evitar que, pela imprensa, verbalmente, ou de qualquer outra forma, os inimigos da ordem, da tranquilidade e da união, publicassem “doutrinas incendiárias e subversivas” que pudessem atacar o sistema de governo.[19]

Surgia, então, a necessidade de se eliminarem as contradições e as regras incompatíveis com os princípios e com as regras inerentes ao Estado Democrático de Direito, declarado como regime político da República no primeiro artigo da Constituição de 1998. Com esse propósito, a Ordem dos Advogados do Brasil, fiel ao seu dever histórico de contribuir para o aperfeiçoamento das instituições constituiu, em novembro de 1990, uma comissão de jornalistas e juristas para elaborar um anteprojeto de nova lei de imprensa que se harmonizasse com as coordenadas da Constituição de 1988.[20]

Algumas passagens da Exposição de Motivos ao disegno di legge merecem transcrição literal:

“10. O entendimento de que os crimes de imprensa devem ser tratados pelo Código Penal implica reduzir substancialmente o generoso e complexo universo da liberdade de informação que abrange direitos e garantias merecedores das atenções e cuidados de um diploma especial melhor adequado às peculiaridades da matéria. Por outro lado, ignoram ou fazem ignorar, os defensores de tal orientação, que os delitos contra a liberdade de imprimir e divulgar o pensamento e as idéias não são apenas aqueles cometidos através dos meios de comunicação (calúnia, injúria, difamação, violação da intimidade), mas também, aqueles dirigidos contra os meios de comunicação (destruir, inutilizar ou deteriorar maquinário, instrumentos ou aparelhos, e empastelamento de material) ou contra os administradores ou profissionais da comunicação social.

O anteprojeto, nesta parte, inova para criminalizar condutas que procuram impedir ou dificultar a liberdade de informação, entre elas as que vedam o acesso e a obtenção de dados junto aos órgãos do poder público, inclusive os da administração indireta ou fundacional.

Além disso, a presente proposta contém especificidades características das atividades rotineiras dos meios de comunicação social que não poderiam, como é óbvio, ser tratadas pelo Código Penal (princípios gerais, organização da empresa, responsabilidade civil, processo e julgamento, etc.).

Entre os mais lúcidos defensores da liberdade de imprensa em nosso País, destaca-se a figura ímpar de Barbosa Lima Sobrinho. Em brilhante e alentado artigo (‘Necessidade de uma nova lei’), o presidente da Associação Brasileira de Imprensa afirma não ter conseguido ‘entender a atitude de jornalistas que fazem questão de declarar que não há necessidade de uma lei de imprensa, pois que tudo se resolveria com a presença do Código Penal, em que se figurariam os chamados abusos da liberdade de imprensa, a injúria, a calúnia e a difamação’ (Arquivos do Ministério da Justiça nº 165, ano de 1985, p. 5)”.[21]

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“15. Uma Lei de Imprensa deve declarar, expressamente, quais são as garantias essenciais à informação livre bem como a abrangência da liberdade de informação, a partir de três direitos básicos: o direito de se informar, o direito de informar e o direito de ser informado”.[22]

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“17. Por outro lado, não se poderá negar a existência de um confronto antigo e sempre renovado entre a liberdade de informação e os direitos da personalidade. A propósito, entre outros, Miguel Urbayen, Vida Privada y Información: un conflicto permanente (Pamplona, 1977), destaca a palpitante e contínua oposição entre tais bens jurídicos fundamentais.

A Constituição brasileira de 1988 é a grande fomentadora do conflito ao declarar que ‘nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social’ mandando porém observar o dispositivo que resguarda a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art. 220, §1º c.c o art. 5º, X).

A opção em torno de uma fórmula racional sintética que possa compor o ligítimo (sic)[23] entre a informação livre e os direitos da personalidade, afigurou-se como necessária e intransferível por parte da Comissão que redigiu o anteprojeto”.[24]

E o pranteado defensor das liberdades públicas, dos direitos e garantias individuais, Evandro Lins e Silva, com a experiência modelada pelos anos de atividade jornalística[25], da advocacia, do Ministério Público, da Magistratura e da Política, no ofício dirigido ao Presidente da OAB, Marcello Lavenère Machado, encaminhando os textos da Exposição de Motivos e do Anteprojeto[26], destacou o método de trabalho e as linhas essenciais da proposta:

“2. O anteprojeto é obra de equipe e resultou de um consenso obtido após exaustivos debates entre os membros da comissão. Fixadas as linhas gerais, o relator soube captar e exprimir o pensamento geral com a sua reconhecida competência e extraordinária capacidade de trabalho. Cada membro da comissão abasteceu o relator de contribuições próprias, de acordo com a distribuição inicial das matérias. Os temas de natureza geral, a definição das infrações e a parte processual foram devidamente analisados, tendo em vista a nossa legislação anterior e o Direito Comparado.

O anteprojeto é produto de maduras reflexões, de meditadas observações e da larga experiência dos componentes do grupo integrante da comissão que o elaborou. E a sua feição inovadora acolhe e adota posição seguida pela quase unanimidade dos penalistas e criminólogos do mundo inteiro no sentido de só aplicar a prisão como pena ultima ratio, para os delinqüentes perigosos que ponham em risco a integridade de seus semelhantes. Essa tendência acaba de ser consagrada no Congresso da ONU para ‘prevenção e tratamento dos delinquentes’ realizado em Havana, em outubro do ano passado.

3. Seguindo essa diretriz, a primeira grande inovação do anteprojeto é a abolição da pena de prisão para os delitos de imprensa, substituída pela ‘prestação de serviços à comunidade’, pela ‘multa’ e pela ‘suspensão temporária do exercício profissional’ até trinta dias.

4. A segunda grande novidade é o caráter reparatório dado à multa, em favor da vítima ou de seus sucessores, devendo ser fixada na sentença e executada no próprio juízo da ação penal.

5. A terceira mudança substancial é a que condiciona o exercício da ação penal à exaustão do direito de resposta. Se este último for atendido plenamente, de modo completo, ter-se-á reparado a ofensa e deixará de existir razão para propositura de um pleito que, então, assumiria caráter nitidamente vindicativo. Pareceu à comissão que essa é a solução mais racional e civilizada para dar pronta satisfação ao ofendido sem as delongas de um procedimento penal, que a experiência tem mostrado ineficaz para atender a tempo aos conflitos desta natureza, que trazem uma natural carga de ansiedade pessoal.

6.Na parte processual, o anteprojeto retoma antiga tradição, restabelecendo o júri os (sic) delitos de imprensa. A lei que criou o júri no Brasil foi o decreto de 18 de junho e (sic) 1822, precisamente para o julgamento dos abusso (sic) de liberdade de expressão através da imprensa. No Império, as leis que se sucederam a esse decreto, todas mantiveram a instituição dos jurados como foro privativo para julgar os crimes de opinião. (…) Durante mais de 130 anos o júri julgou as infrações penais cometidas através da imprensa. O anteprojeto restabelece o júri, como instituição plena e não como escabinato, porque entenderam os seus autores que a sociedade é o juiz natural dos delitos de opinião, que devem ser julgados de consciência e não através de regras puramente técnicas. É importante a função educativa e pedagógica da participação popular no julgamento deste tipo de infração.

7. O anteprojeto volta ao princípio democrático de que a excepcio veritatis pode ser arguida contra qualquer pessoa e até a estende aos crimes de difamação. Nenhuma autoridade, por mais elevada que seja na hierarquia funcional pode ficar a salvo da prova de alguma acusação que lge tenha sido feita. Rui Barbosa, citando o padre Manoel Bernardes, lembra a propósito de situação semelhante, a resposta de Canuto, rei dos Hunos, quando alguém, para beneficiar-se de regalia pessoal, alegou ser seu parente: ‘se provar que é parente d’el rey, razão é que lhe façam a força mais alta’.

O anteprojeto retirou esse privilégio inconstitucional incrustado na atual lei de imprensa.

8. Os quesitos para os jurados são simplificados, cabendo ao juiz de direito proferir a setença (sic) absolutória ou condenatória. O júri dirá se o réu é culpado ou não culpado.

9. O anteprojeto, que ora encaminho a V. Exa, vai acompanhado de uma ‘exposição de motivos’ esclarecedora e que será útil para sua ulterior interpretação”.[27]

· · ·

A opinião de alguns ilustres juízes do Supremo Tribunal Federal de que as liberdades de informação e de comunicação não podem sofrer qualquer forma de interferência do Estado-legislador, exige fundada reserva. Com efeito, “nunca antes se viu neste país” — como acentua o palavroso caudilhista do atual Presidente da República — tamanho festival de opressão pública praticado por agentes do estado policial contra os direitos da personalidade. O interior das casas e os lugares de trabalho lícito foram transformados em formidáveis, imensos e transparentes aquários de peixes expostos com som e imagem e reproduzidos em redes nacionais de televisão, jornais e revistas de todo o país. Até quando a imprensa sensacionalista pode manter o privilégio de ser informada previamente por investigadores oficiais acerca sobre fatos apurados sob sigilo e convidada para testemunhar diligências flagrantemente ilícitas e caracterizadoras de crimes de abuso de autoridade? A interceptação telefônica, mesmo quando delituosamente manipulada por investigadores públicos, está — com a leniência e não raro o apoio de muitos magistrados omissos — anulando completamente o prestígio da imemorial e sempre renovada confissão sob tortura. Para receber o aplauso excitado dos fundamentalistas do arbítrio e dos incubadores da catarse coletiva, a escuta criminosa desfila garbosa nas passarelas do abuso de poder como a nova rainha das provas.

· · ·

Resta-me o consolo, senhor ministro, de ter visto e ouvido o seu discurso sedicioso contra a abertura dos portões para a visitação das torres de babel judiciária nos centros urbanos e nos sítios rurais de nosso imenso e fraterno Brasil.[28] E guardar, no coração e na memória — para o resto dos meus anos — a bondosa referência de seu voto ao meu trabalho e aos meus esforços de cidadão, advogado e professor, em relação ao tema do indispensável e democrático controle ético e legal dos meios de comunicação. O assunto, infelizmente, é adensado pelo preconceito dos vocábulos e pela intolerância gratuita à lei ainda quando proteja a liberdade contra o abuso.[29]

· · ·

Vida longa e plena, senhor ministro Marco Aurélio. Com todos os fecundos e indispensáveis votos vencidos de ontem, de hoje e de manhã. Eles, bem entendidos e a salvo dos garrotes impostos à liberdade de consciência[30] irão abastecer o bom direito e definir, no tempo, os magistrados que passaram da aposentadoria para o absoluto esquecimento e os que se mantêm na boa lembrança para as gerações vindouras, porque tiveram a coragem de reencarnar a saga milenar de Galileo Galilei (1564-1642). Aparentemente, ele abjurou, como refém do terror do Tribunal de Santo Ofício, à tese herética de que a Terra gira sobre si mesma no espaço. Narra a história (ou a lenda), que o imortal matemático, físico e astrônomo, teria se ajoelhado ao dizer, em voz muito baixa: “Eppur si muove”.

Felizmente a nossa Corte Suprema não é um tribunal religioso; os seus votos, acompanhados ou solitários, resistem ao perigo das más influências e a sua espinha se mantém ereta para mostrar, também ao público externo, a lucidez, o vigor e a independência de suas ideias e convicções.

Cordialmente,

René Ariel Dotti


[1] Rel. Ministro Carlos Britto. (Julgamento: 30.04.2009; Publicação: 06.11.2009).

[2] Êles, os Juízes, vistos por nós, os Advogados, tradução de Ary dos Santos, Lisboa: Livraria Clássica Editora, 5ª ed., 1975, p. 29/30 (mantiveram-se os destaques em itálico e a ortografia original).

[3] “O Congresso não poderá legislar de modo a estabelecer uma religião, ou a proibir o livre exercício dos cultos, cercear a liberdade da palavra ou da imprensa, restringir o direito do povo de se reunir pacificamente ou de dirigir ao governo petições para a reparação de seus agravos” (1791).

[4] A propósito, a minuciosa coletânea de Leis a elaborar, edição da Secretaria de Estudos e Acompanhamento Legislativos: Brasília, 1989.

[5] É possível imaginar a oposição de Embargos Declaratórios ao acórdão da ADPF nº 130, para aclarar aos milhares de Juízes de lugares distantes de nosso país, quais seriam os critérios para operar o balanceamento de bens no confronto entre informação livre e defesa da honra, por exemplo.

[6] A criação da figura do “Juiz das Garantias”, no recentíssimo Anteprojeto de Código de Processo Penal, é uma auspiciosa esperança para se efetivar o devido processo legal e foi concebida pela Comissão de Juristas coordenada pelo Ministro Hamilton Carvalhido, tendo como relator o Procurador da República Eugênio Pacelli de Oliveira.

[7] CPP, art. 654. (…)“ § 2º. Os juízes e tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal”.

[8] Em notável síntese, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) definiu: “A lei é a expressão da vontade geral” (art. 6°). A Constituição francesa de 1793 ampliou o conceito para declarar: “A lei é a expressão livre e solene da vontade geral; é a mesma para todos, quer proteja quer castigue; não pode ordenar senão o que for justo e útil para a sociedade; e só pode proibir o que lhe for prejudicial” (art. 4°).

[9] No dia seguinte ao julgamento, junto com a notícia de seu resultado, a imprensa divulgou que a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), “aprovam revogação, mas querem regras para o direito de resposta”. A matéria tem o seguinte título de abertura: “liberdade de expressão em debate: ‘Cada cabeça de juiz será uma sentença’” (O Globo, 1º.05.09, p. 4. Destaques em versais, negrito e itálico do original).

[10] Também o Parlamento reagiu imediatamente àquela opinião de alguns juízes do STF: “Jucá vai propor lei para regulamentar direito de resposta. Líder do governo acha que fim da Lei de Imprensa deixa vácuo que deve ser disciplinado pelo Congresso” (O Estado de São Paulo, 02.05.09, p. A8).

[11] Essa luminosa figura, em muito boa hora utilizada, tem o crédito de seu lúcido pronunciamento.

[12] O direito de retificar opinião foi muito bem arrolado pelo Min. Gilmar Mendes.

[13] Documento instruído por material de trabalho, inclusive o Anteprojeto de Lei de Imprensa da OAB (do qual fui relator) e distribuído a todos os Ministros do Supremo Tribunal Federal.

[14] Lei nº 11.340/06, arts. 17 e 41.

[15] Um excelente tema-desafio para dissertação de Mestrado ou tese de Doutorado acerca da eficácia da lei penal ou de seu caráter simbólico é, sem dúvida, a análise da natureza e dos fundamentos da prescrição excepcional para o crime de imprensa. E, indicar, na sua introdução, alguma estatística sobre o número de condenações criminais (???) fundadas na lei de imprensa.

[16] ”Um estatuto da liberdade de imprensa”, Miguel Reale Júnior e René Ariel Dotti, “Opinião”, “Tendências / Debates”, edição de 11.3.2008, p. A3 (cópia anexa).

[17] Folha de São Paulo, “Editoriais”, “Lei de Imprensa”, edição de 30.3.2008 (cópia anexa).

[18] “A contradição histórica das leis de imprensa”, O Estado de São Paulo, 22.4.1996, p. A2 (cópia anexa).

[19] O artigo lhe foi encaminhado com a carta anterior.

[20] A Comissão foi presidida e coordenada pelo ex-Ministro do STF, Evandro Lins e Silva e teve as participações de João Luiz Faria Neto, Leônidas Rangel Xausa, Luis Francisco de Carvalho Filho, Manoel Alceu Ferreira e René Ariel Dotti (relator). A Exposição de Motivos e o texto do Anteprojeto foram publicados no DCN (seção II) de 14.8.1991, p. 4763 e s.

[21] Diário do Congresso Nacional, Seção II, 14.8.1991, p. 4765/4766. (Cópia anexa).

[22] Ob. e loc. cit. (idem).

[23] Erro de impressão. A palavra correta é “litígio”.

[24] Ob. e loc. cit. (idem).

[25] Em seu depoimento pessoal de vida, Evandro Lins e Silva comenta a sua atuação na imprensa e a passagem pelo Diário de Notícias como repórter forense (“A escola do jornal”, capítulo de O Salão dos Passos Perdidos – Depoimento ao CPDOC, Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira S. A. e Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997, p. 69 e s.).

[26] Em 20 de junho de 1991.

[27] DCN, cit., p. 4763/4764.

[28] Infelizmente, nem tanto de irmãos camaradas nos últimos tempos, com a surrealista discriminação racial para os chamados “afrodescedentes”, eufemismo que agride a tradição de uma cultura da palavra pura e chega ao extremo de colocar no index da intolerância pedaços verbais de carinhosas canções populares, que falam do feitiço dos “teus olhos negros” ou que procuram seduzir a “nega de cabelo duro”.

[29] A vassourada no “lixo autoritário” da lei de imprensa não poupou nem mesmo as cláusulas de exclusão da criminalidade declaradas no art. 27, e que não têm similar no Código Penal. Saberá o Juiz despreparado, insensível e ditador, que o Direito Penal admite a analogia para excluir o crime e isentar a pena e aplicar uma norma que, embora revogada, não perdeu a sua vitalidade material?

[30] O medo de rejeitar os comandos do que se entende por “politicamente correto” tem produzido pequenos, médios e grandes erros judiciários que, afinal, não constituem monopólio dos processos criminais.

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