Imposto democrático

Imposto sobre Grandes Fortunas reafirma Constituição

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21 de junho de 2010, 6h16

A Câmara dos Deputados aprovou, em uma de suas comissões, projeto de lei complementar que regulamenta o inciso VII do artigo 153 da Constituição Federal. Caminha-se para a instituição do imposto sobre as grandes fortunas. Embora previsto no texto originalmente promulgado da Constituição de 1988, até hoje não se chegou a um consenso sobre os critérios identificadores de grande fortuna. E a confusão também é linguística; o adjetivo antecede ao substantivo, que não deixa de ser também um qualificativo.

Nada obstante algumas iniciativas de Fernando Henrique Cardoso enquanto ainda era senador, não se tem, até agora, a regulamentação que espera mais de duas décadas. O projeto do então senador Fernando Henrique já foi aprovado no Senado; foi encaminhado para a Câmara, encontra-se pronto para discussão em plenário. Apontam-se alguns problemas neste texto, entre outros, porquanto haveria permissão para dedução do imposto de renda dos valores recolhidos a título de imposto sobre as grandes fortunas.

Porém, há outras propostas, a exemplo da iniciativa articulada por três deputados do PSOL. A proposta define como grande fortuna a titularidade, a 1º de janeiro de cada ano, de valor superior a dois milhões de reais, com referência a 1º de janeiro de 2009. Considera-se como fortuna o conjunto de todos os bens e direitos, situados no Brasil ou no exterior, que integrem o patrimônio do contribuinte.

Há previsão de isenção, a exemplo da posse ou utilização de bens considerados de alta relevância social, econômica ou ecológica, bem como de objetos de antiguidade, arte ou coleção, em condições e percentagens que serão fixadas em lei. Não se insere também no contexto de grande fortuna instrumentos utilizados pelo contribuinte nas atividades profissionais que exerça, com limites em R$ 300 mil. 

Indica-se também como contribuinte a pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior, em relação ao patrimônio que tenha no país. Nada obstante a nobreza de ideais que estimulam a proposta, reconheça-se, a medida, neste pormenor, afugenta ao investidor estrangeiro: o efeito pode destruir a causa.

As alíquotas variam de 1% (para fortunas estimadas entre R$ 2 milhões e R$ 5 milhões) até 5% (para fortunas avaliadas em mais de R$ 50 milhões). No limite, um detentor de bens que somem R$ 50 milhões recolheria anualmente o equivalente a R$ 2,5 milhões. O projeto dispõe também que o bem que não constar da declaração do contribuinte será presumido como adquirido com rendimentos sonegados ao Imposto de Renda. Lançam-se os impostos devidos no exercício no qual for apurada a omissão.

Há previsão para combate ao uso de interpostas pessoas na identificação do patrimônio, os chamados laranjas, no jargão fiscalista. É que, aprovado o projeto, haverá responsabilidade solidária pelo pagamento do imposto sobre grandes fortunas sempre que houver indícios de dissimulação do verdadeiro proprietário dos bens ou direitos que constituam o seu patrimônio.

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania opinou, unanimemente, pela constitucionalidade, jurisdicidade e técnica legislativa do projeto. Um deputado do estado de São Paulo observou em parecer que o projeto vem em boa hora, e que contribuirá para amenizar as desigualdades sociais existentes em nosso país. Especialmente, referiu-se à má distribuição de renda. Reforçou a plausibilidade da proposta no princípio constitucional da capacidade contributiva, instrumento de justiça fiscal. Lembrou também que a tributação sobre as grandes fortunas atende à lei de responsabilidade fiscal, que exige a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos de competência prevista na Constituição.

Cobrado na Alemanha, na França e na Suíça, embora com outras nuances, entendeu-se que não se tem punição em face do rico, mas possibilita-se que o governo tenha mais recursos para investir em áreas prioritárias.

Aprovado o projeto, prevê-se, não haverá redução da riqueza social. Tem-se um custo privado, que visa atender a um custo social. O valor, a utilidade e a eficiência da iniciativa serão avaliados a partir da adequação da alocação dos recursos eventualmente obtidos com a medida. Inegável que, na medida em que as pessoas respondem a incentivos, pode-se prever intenso movimento de planejamento fiscal, na duvidosa fronteira entre o lícito e o ilícito.

A iniciativa é provocante porque aponta para o fim de um impasse: a chamada força normativa da Constituição exige o fiel cumprimento de todas as suas disposições, ainda que qualificadas pelo acesso ao patrimônio de alguns. A regulamentação do imposto das grandes fortunas é uma prova de validade e de eficácia institucionais que a Constituição de 1988 ainda não venceu.

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    é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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