Certeza da punição

"Se não há segurança, democracia fica em perigo"

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13 de junho de 2010, 8h00

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A violência é um fenômeno que acontece em todo o país e demonstra o mau funcionamento do sistema brasileiro, e não é por falta de cadeia. Quando não há segurança, a democracia fica em perigo. E quando as pessoas se sentem inseguras, tendem a procurar formas autoritárias de resolver os seus problemas. O precário panorama da atual situação da criminalidade no país pode ser amenizado com o aumento das modalidades de penas alternativas e até com a redução das penas de prisão.

“É um mito dizer que aumentar a pena de prisão diminui a criminalidade. Isso é cortina de fumaça para enganar a população. A lei no Brasil é muito boa e o código de processo é razoável. São nas pequenas mudanças que se conseguem melhores resultados. O que pode diminuir a criminalidade é a certeza da punição. Se a pessoa souber que ela vai ficar um ano presa, terá menos impulso para cometer um crime”, afirma o criminalista e ex-secretário de Segurança de São Paulo, Eduardo Muylaert.

Em entrevista à ConJur, o advogado defende que qualquer solução que tire as pessoas de dentro dos presídios é louvável. E destaca que as novas políticas criminais devem ser mais humanistas, com o uso, por exemplo, de tornozeleiras eletrônicas. Para ele, o sistema de punição criminal da Justiça Eleitoral é um modelo que deu certo e deve ser observado, apesar de ressaltar que “no sistema eleitoral não tem crime de estupro, assalto, sequestro”.

Os 40 anos de vivência no mundo jurídico do advogado renderam uma experiência que poucos possuem. Fotógrafo nas horas vagas, ele diz que o operador do Direito tende a ficar com uma visão limitada, quase maniqueísta. E aconselha a todos que tenham contato com a arte para ter uma compreensão mais humana da vida. A prova, ele diz, está no livro O olhar direito feito pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa, no qual fez parte da elite de jurados que escolheram as melhores fotos clicadas pelas presas e agentes das penitenciárias.

Formou-se no Largo São Francisco em 1968. Já no ano seguinte viajou para Paris, onde ficou até 1972 estudando Direito Público, liberdades públicas e ainda ciência política. No ano seguinte retornou ao Brasil, onde começou a dar aula na PUC-SP por nove anos consecutivos. “Lecionava filosofia, introdução, teoria geral do direito”, conta.

Depois desse período arriscou a carreira política e administrativa. Foi assessor especial do governador, André Franco Montoro de 1982 a 1985. E em 1986, assumiu o cargo de secretário da Justiça e da Segurança Pública, que acumulava ainda os assuntos penitenciários. Dando continuidade aos assuntos criminais, em 1987 foi para Brasília, onde assumiu a presidência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, e por desgosto desistiu do cargo.

Muylaert atuou também como juiz no Tribunal Regional Eleitoral nos anos de 2002 a 2007. Sobre o recém-aprovado projeto Ficha Limpa ele diz que pode afunilar o processo eleitoral, mas explica que o requisito é utilizado em outras esferas da vida civil. “Isso vale para ser juiz, para ser garçom de restaurante”, lembra.

O espírito jovem de Muylaert também é demonstrado pela sua proximidade com a tecnologia. “As possibilidades tecnológicas são fantásticas, as novas gerações já estão se formando usando esses instrumentos como a gente usava o garfo e a faca, e nós advogados um pouco mais velhos vamos ter que fazer um esforço para nos adaptar”, recomenda. A entrevista com o advogado também teve a participação dos jornalistas Maurício Cardoso e Mayara Barreto.

Leia a entrevista:

ConJur — De que forma é possível resolver a situação caótica do sistema prisional brasileiro? E como diminuir a criminalidade?
Eduardo Muylaert — Se as causas criminais fossem julgadas rapidamente, o resultado será um número maior de condenações. Por isso, o problema penitenciário tem que ser pensado de um ponto de vista mais amplo, no sentido, por exemplo, de aumentar as formas e as modalidades de penas alternativas. A redução das penas de prisão também é uma saída. É um mito dizer que aumentar a pena de prisão diminui a criminalidade. Isso é cortina de fumaça para enganar a população. A lei no Brasil é muito boa e o código de processo é razoável. São nas pequenas mudanças que se conseguem melhores resultados. O que pode diminuir a criminalidade é a certeza da punição. Se a pessoa souber que ela vai ficar um ano presa, terá menos impulso para cometer um crime.

ConJur — Quais tipos de pena alternativa podem dar certo?
Eduardo Muylaert — O uso de tornozeleiras eletrônicas está sendo muito discutido e acredito que qualquer solução que tire pessoas de dentro das prisões e presídios é louvável. Essa é uma solução genial, porque não há nenhum mal maior do que deixar uma pessoa encarcerada. No Brasil o preso não tem direito a banho, a cama, sofre uma série de violências e humilhações e querem garantir o direito do voto do preso provisório. Eu acho paradoxal. Além do que, é preciso oferecer um sistema de trabalho dentro dos presídios, porque é a única coisa que faz o preso se resgatar como ser humano. Mas manter uma estrutura mínima depende de verba, que varia de governo para governo.

ConJur — Privatizar os presídios é uma boa saída?
Eduardo Muylaert — Não. É viável fazer parcerias com a iniciativa privada para a construção, a administração. Mas o sistema repressor da liberdade tem que ser administrado pelo Estado, não terceirizado. Nos Estados Unidos deu certo, mas porque é um país muito mais sofisticado. Lá tem prisão de colarinho branco paga. No Brasil, a noção de igualdade é um pouco maior, e, por isso, não admitiriam esse sistema.

ConJur — Essa crise do sistema prisional está diretamente relacionada com essa sensação de impunidade que o país vive?
Eduardo Muylaert — Não sei se é a crise do sistema penitenciário ou se é a crise na Justiça que dá sensação de impunidade. Os presos que são condenados pela Justiça, em sua maioria, vão para a prisão e cumprem a pena. Não é só o problema do sistema penitenciário, é um problema geral de funcionamento do sistema. A Polícia Civil, por exemplo, tem um sistema muito burocrático e pouco eficiente. Além de ter um sistema diferente da Polícia Militar. Elas não conversam. Os casos que chamam atenção eles desvendam rapidamente para proteger a imagem. Mas no dia a dia, o brasileiro não quer ir à delegacia. Sabe que não será bem recebido. Só que a polícia é serviço público, para atender o público e tratar bem as pessoas. Uma política de segurança pública voltada para atendimento do cidadão e interligada é fundamental para aumentar a eficiência.

ConJur — E de que forma se aumenta a eficiência?
Eduardo Muylaert — É preciso aperfeiçoar a área de informática, de comunicação e de administração. A própria Justiça percebeu que precisa de gente especializada em administração. O juiz pode ser um ótimo magistrado, mas não necessariamente será um bom administrador.

ConJur — Onde o advogado entraria nessas mudanças?
Eduardo Muylaert — Talvez o advogado seja quem tem as melhores visões do sistema. Em geral, é ele quem sabe onde funciona mal, onde não funcionava. É muito importante ele cooperando tanto na área da política no sistema de Justiça e segurança, como também apontando caminhos de transformação.

ConJur — O senhor foi Secretário de Segurança em São Paulo, durante o governo Franco Montoro, há 24 anos. Quais foram as evoluções desde aquele tempo?
Eduardo Muylaert — Fui secretário em um tempo muito especial, porque vínhamos de muitos anos de ditadura. Foi a primeira eleição direta para governador depois de muitos anos. Na época, o presidente ainda não era eleito pelo povo. Era uma tentativa de, sem perder a essência da polícia e ao mesmo tempo moralizar os métodos, acabar com aquele tipo de violência. Foi uma grande de tentativa de transformação. O policial não tinha carro, não tinha algema, arma, era desfalcado. O governador melhorou muito os salários e a equipou. Até hoje ouço que foi um dos melhores governos para a polícia. E não foi um governo de compactuar com nada. Foi rigoroso, como o atual governo da cidade de São Paulo é, em termos de moralidade policial.

ConJur — Como analisa a atual situação da segurança no estado?
Eduardo Muylaert — As coisas mudaram muito, a população cresceu, a situação dos presídios é mais complicada. Hoje, há organizações criminosas que exigem cuidados especiais. Mas a violência é um fenômeno no Brasil inteiro, o que mostra que o sistema está funcionando muito mal e não é por falta de cadeia. Temos que pensar na eficiência do sistema porque se não existe segurança é a democracia que está em risco. Quando a pessoa se sente insegura tende a procurar formas autoritárias.

ConJur — Como um exército de seguranças particulares?
Eduardo Muylaert — Um exército maior que o do Estado. A ideia de se proteger e não olhar para o vizinho é um erro tradicional. Se o sistema particular servir a coletividade, a segurança melhora para todos.

ConJur — E como foi a sua experiência na presidência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, em 1987?
Eduardo Muylaert — A dificuldade não estava em compreender os fenômenos e nem achar as soluções, mas em executar os projetos. Durante a minha presidência, fizemos um levantamento dos problemas do sistema prisional e, com base nesses dados, propusemos pequenas reformas de baixo custo. O então presidente do país, José Sarney [PMDB-AP], aprovou o orçamento e não incluiu nenhuma verba para o sistema penitenciário. Eu deixei o conselho e vim embora. A sensação é que o Brasil não concorda com soluções, não resolve e não enfrenta os problemas. Comparo essa situação com a da Justiça. Desde a faculdade, sabe-se que a Justiça é lenta, deficiente e burocrática, e só agora começa a se apontar soluções.

ConJur — Quais avanços o senhor destacaria?
Eduardo Muylaert — A existência do Conselho Nacional de Justiça, que às vezes incomoda tribunais. A Meta 2 forçou os juízes a dar prioridade aos julgamentos dos processos antigos. Os mutirões carcerários que libertaram milhares de pessoas presas injustamente também representaram um grande avanço na atuação do Judiciário. Destaco ainda as providências tomadas nos casos flagrantes de corrupção, que a gente ouvia falar, mas que ninguém tomava providência. A informatização da Justiça também é uma forma de mudar o panorama da Justiça, apesar do projeto ter começado devagar. O processo será mais eficiente e desburocratizado. O estado de São Paulo é o mais atrasado. Na prática, ainda está em fase de aprimoramento, para se cadastrar no tribunal ainda é complicado e para acompanhar o processo eletrônico é difícil a conexão. Mas em 10 anos a Justiça inteira estará automatizada.

ConJur — Há uma mudança na mentalidade dos operadores?
Eduardo Muylaert — Exatamente. Inclusive dos advogados. Eu sempre fui muito interessado em informática, desde que surgiu o PC eu já mexia em computador. As possibilidades tecnológicas são fantásticas, as novas gerações já estão se formando usando esses instrumentos, e nós advogados um pouco mais velhos vamos ter que fazer um esforço para nos adaptar. Acredito que esse novo sistema de Justiça no Brasil trará mudanças profundas nos códigos. O processo tem que ser mais simples, racional e objetivo.

ConJur — Nesse sentido, mecanismos de racionalização de processos como a Súmula Vinculante são bem-vindos?
Eduardo Muylaert — São absolutamente necessários. Com uma sociedade de massa, os casos são iguais. Não se justifica mais carregar o peso de uma ineficiência, que representa atraso econômico para o país e falta de competitividade no plano internacional. Se os processos são iguais, precisam de uma decisão uniforme para todos, sob pena de uma grande injustiça. O conflito penal, entretanto, precisa de um tratamento diferente.

ConJur — Como criminalista e ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral, o senhor concorda com a afirmação de que o julgamento de crimes é mais eficiente na Justiça Eleitoral?
Eduardo Muylaert — A Justiça eleitoral trabalha com prazos, então é absolutamente eficiente. Se não for eficiente, compromete o sistema político. E em todos os crimes eleitorais, há a possibilidade de transação ou de suspensão parcial do processo. De modo geral, não tem réu preso. O sistema criminal eleitoral prevê crimes importantes, para preservar a lisura do processo democrático, mas não é necessário prender ninguém para manter o sistema em funcionamento rápido e com eficiência. Temos que olhar para esse modelo porque é o que deu certo. Mas, é claro, no sistema eleitoral não tem crime de estupro, assalto, sequestro.

ConJur — Existe a necessidade de se rever o Código Eleitoral?
Eduardo Muylaert — A nossa legislação eleitoral é muito confusa. É de 1965, ano da ditadura. Em 1988, promulgou-se a Constituição, que prevê medidas para conter abuso de poder, e criou a ação de impugnação de mandado definitivo. Nos anos 90, fizeram a Lei de Inelegibilidade e a Lei das Eleições. Não se parou ainda para consolidar a legislação eleitoral e modernizar, inclusive quanto a essa questão da ficha limpa. No Legislativo, quando se trata de uma medida mais enérgica, não passa. Mas quando se trata de matéria criminal, a situação é diferente. Existe uma série de leis que as pessoas nem percebem que foram editadas. Há alguns dias foi promulgada uma lei mudando a prescrição criminal. Provavelmente, vai criar problemas e não vai trazer melhorias.

ConJur — A legislação eleitoral está muito mais preocupada em garantir a igualdade de competição entre os candidatos do que preservar, por exemplo, a informação. E a informação está sendo sacrificada em nome dessa igualdade. O senhor concorda há um excesso de restrições ao direito de informação no processo eleitoral?
Eduardo Muylaert — Não concordo com essa formulação. As grandes impugnadoras do processo eleitoral são e sempre foram a tentativa de igualdade, que é uma tentativa difícil. E a liberdade de informação tem sido muito preservada pelo Supremo. Mas realmente a legislação não conseguiu acompanhar a realidade contemporânea, de internet, televisão atuante. Quando foi feito o Código Eleitoral, a campanha importante era no rádio. Mas é ficção achar que a campanha tem que ser limitada a pouco tempo antes da eleição. Seria muito mais lógico anular o programa partidário do ano anterior ao da eleição, e no ano da eleição admitir uma execução muito mais ampla nos temas no ano inteiro, a partir de janeiro.

ConJur — Há falta de interesse político da população? O que fazer para mudar a situação?
Eduardo Muylaert — Hoje, por exemplo, os jornais têm plena liberdade de apoiar um candidato. Mas isso não é possível no rádio ou na televisão. Imagine que o próximo presidente da República fosse alguém escolhido pela emissora de televisão A, B ou C. Outra questão é que a forma da campanha política precisava mudar. Todo mundo sabe que o programa político gratuito, aumenta muito o ibope de TV paga nesse horário, é muito chato, muito mal feito, um pouco por causa das regras.

ConJur — E o que pode ser feito para acabar com o Caixa 2 nas campanhas?
Eduardo Muylaert — É uma das maiores metas para moralização do processo eleitoral. Existe uma prestação de contas do partido detalhada e minuciosa, mas não há garantia de que o que vai para o TRE ou TSE seja a verdadeira contabilidade. O combate ao poder econômico da eleição é uma coisa muito difícil, que tem que ser tratada aos poucos. Hoje em dia há uma repressão mais eficaz, mas o fluxo de recurso não é muito controlado e não há muito limite. Os grandes fornecedores de recursos são as próprias empresas que depois vão receber verba de governo para operar com eles.

ConJur — Então, a reforma da Lei Eleitoral está dentro da reforma política.
Eduardo Muylaert — Claro. Mas independente da reforma política seria importante uma consolidação e modernização da Lei Eleitoral para adequar a necessidade contemporânea de abertura da discussão. Mas colocando alguns limites para que não seja um debate eleitoral permanente.

ConJur — Político tem que pensar em eleição durante os quatro anos do mandato?
Eduardo Muylaert — E eles pensam. Eu acho que eles só pensam nisso.

ConJur — O que fazer com a internet na eleição?
Eduardo Muylaert — Na eleição do presidente dos Estados Unidos a internet foi usada como fonte de captação de recursos populares e pequenas doações. Esse foi um movimento impressionante. No Brasil, é preciso ter maior liberdade, desde que mantida a igualdade. Nas eleições anteriores as regras de internet eram muito proibitivas. O candidato tinha que ter o site “.cam”, não podia usá-lo para fazer divulgação da campanha. O tratamento a ser dado para a internet não pode ser o que se dá para a imprensa.

ConJur — Os juízes têm dificuldade de entender a diferença de informação e propaganda. É possível estabelecer essa diferença?
Eduardo Muylaert — Qualquer questão de Justiça depende de interpretação. Nem tudo pode ser tratado de maneira absolutamente objetiva. E você tem que contar com o bom senso ou da juíza ou do tribunal para que não sejam cometidos abusos. Mas de modo geral a Justiça Eleitoral funciona de maneira bem equilibrada. Há problemas, mas são poucos. Na Justiça comum também há casos de suscetibilidade de algumas pessoas que a pretexto de que foram ofendidas querem ocupar o espaço gratuito nos grandes meios de comunicação, que costumam ser muitos cuidadosos, apesar de haver falhas.

ConJur — O presidente Lula já foi multado cinco vezes pelos Tribunal Superior Eleitoral, por propaganda antecipada. Como é que se faz para conter abusos por parte da presidência da República?
Eduardo Muylaert — O Lula está gerando um problema sério. Em tese, o abuso do poder político poderia acarretar a cassação do registro da candidata do partido do presidente. Os tribunais estão fazendo o seu papel e isso é muito bonito para a reputação internacional do Brasil. Ver um presidente da República punido pelo Tribunal Superior Eleitoral, que é composto pelos membros da Suprema Corte, é raro em muitos países. O problema é que ocorre no Brasil sem nenhuma comoção, com a maior tranquilidade.

ConJur — O senhor acredita que a Lei Ficha Limpa contraria o princípio da presunção de inocência?
Eduardo Muylaert — Não, porque são duas coisas diferentes. Uma coisa é você não poder ser preso sem uma condenação criminal com trânsito em julgado. Esse é o princípio da presunção de inocência. A Lei Eleitoral fala que para se candidatar é preciso ter reputação ilibada. E isso vale para ser juiz, para ser garçom de restaurante, e em qualquer esfera da vida civil. Pela lei, quem for condenado por improbidade administrativa não pode se candidatar. Está todo mundo cansado de roubalheira na política, embora ela sobreviva.

ConJur — Essa não é uma forma de cercear a vontade do eleitor?
Eduardo Muylaert — Afunila um pouco o processo eleitoral. Seria perigoso se fosse permitido que no curso do processo político você pudesse bloquear seu adversário. A lei traz à tona um sério problema no Brasil, que é de os Recursos Especiais e Extraordinários impedirem o trânsito em julgado das decisões. A banalização desses recursos traz prejuízos para a Justiça. Hoje em dia, a necessidade de repercussão geral no Supremo e o sistema de recursos repetitivos estão fazendo com que a Justiça volte ao seu curso natural, que é de resolver a questão em uma instância e que o recurso só se dê em circunstâncias especiais.

ConJur — O senhor atua na área penal econômica, na lida com fraudes, acusações de lavagem de dinheiro, crimes de colarinho branco. Como avalia a lei dos crimes contra o sistema financeiro?
Eduardo Muylaert — Falta uma revisão da lei, que criminaliza a manutenção de dinheiro no exterior sem declaração. Isso vem de uma época em que muita gente não queria correr risco político e transferiu o dinheiro para o exterior, claro que sem declarar. De alguma maneira, é necessária uma anistia política para essas situações, até para permitir que esse dinheiro volte para o Brasil, ou fique lá fora pagando uma pequena taxa. Pelas informações que se tem, a maior parte desse dinheiro não vem de sonegação nem da criminalidade.

ConJur — Como a tese de que o crime de evasão de divisas hoje não faz mais sentido?
Eduardo Muylaert — Exatamente. Há uma repressão forte e faz pouquíssimo sentido. Sou totalmente favorável ao cumprimento da lei, ou seja, que não haja lavagem de dinheiro, que não haja abusos no sistema financeiro. Mas isso não justifica dar liberdade para a polícia investigar e devastar as vidas das empresas. A interceptação telefônica é um recurso importante para a investigação, mas tem que ser limitada em um tempo, em um espaço. Não se pode deixar fazer escuta durante quatro anos porque uma pessoa é suspeita.

ConJur — Até porque a Constituição prevê o segredo das comunicações.
Eduardo Muylaert — Quebrar o segredo das comunicações viola a intimidade das pessoas. É preciso disciplinar a investigação para que ela não caia nesse tipo de autoritarismo.

ConJur — Existe uma onda de moralismo que considera que o rico em princípio está errado. Só porque ele é rico.
Eduardo Muylaert — Esse tipo de filosofia realmente é um risco para o país. Antigamente se dizia que no Brasil rico não vai para a cadeia. Não, ele pode ir, desde que seja culpado. Isso gera revolta na população, mas gerou também em alguns órgãos ligados à Justiça que querem reverter essa situação. Para reverter a situação é preciso usar meios legítimos e ponderados. Não se pode fazer uma revolução popular e o linchamento dos supostos salteadores da riqueza da nação. Para isso, temos o Código Penal, o Código de Processo Penal.

ConJur — Qual a sua opinião sobre a decisão do Supremo em relação à manutenção da Lei de Anistia?
Eduardo Muylaert — Absolutamente acertada. A fase da ditadura foi terrível, todo mundo sofreu. Mas houve um compromisso no país de se superar esse episódio e caminhar para a construção de uma democracia, que ainda não está consolidada entre nós. O Brasil tem de fazer um esforço para construir uma democracia sólida e para nos livrarmos desses fantasmas. É importante abrir os arquivos, saber o que aconteceu, onde estão os mortos. Tudo isso faz parte de um movimento muito saudável da memória do país. Mas, não reabrir uma discussão que está, aparentemente, superada.

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